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Bolsonaro intimida Poderes para impedir sua queda, diz cientista político

Em entrevista, professor da UERJ Christian Edward Cyril Lynch diz que Bolsonaro colocou militares no governo como "guarda pretoriana" contra o impeachment

Bolsonaro: professor da UFRJ afirma que o presidente colocou militares no governo para intimidar o Congresso (Adriano Machado/Reuters Business)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 17 de junho de 2020 às 12h53.

Última atualização em 17 de junho de 2020 às 12h55.

Não vai ter golpe - pelo menos não uma quartelada clássica, como as do passado -, mas a ofensiva autoritária do presidente Jair Bolsonaro , tendo as Forças Armadas como guarda pretoriana, pode em tese ser vitoriosa. A possibilidade, afirma o cientista político e professor da UERJ Christian Edward Cyril Lynch, se concretizará se o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, intimidados, renunciarem às suas prerrogativas. "Bolsonaro só colou nos militares para poder usá-los como guarda pretoriana contra o impeachment , intimidando o Congresso", afirma Lynch. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Quando Bolsonaro foi eleito presidente, dizia-se que os militares o enquadrariam ou conteriam seus arroubos. Por que isso, aparentemente, não aconteceu?

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Não foi por falta de vontade. Bolsonaro não é propriamente um militar; ele é um político de baixo clero que, tendo sido tenente, formou sua clientela eleitoral representando os interesses de seus antigos companheiros de farda e de outras corporações armadas. Os filhos ampliaram a clientela do pai explorando um eleitorado de direita radical na base do populismo seguindo técnicas de manipulação digital sofisticadas. Então, enquanto os generais palacianos se orientam mais conforme uma lógica de caserna, fechada, hierárquica e disciplinada, imaginando um "bom governo" ordeiro e harmonioso, a família Bolsonaro se orienta por uma lógica de "guerra cultural" que mantenha o País em estado de permanente polarização e inquietação. Daí as tensões frequentes entre o núcleo conservador reacionário, "lacrador" e radical, a quem Bolsonaro deve a sua eleição, e o núcleo dos generais palacianos, mais moderado e tradicional. A aliança com os primeiros é estratégica e com os segundos, apenas tática.

Como o Centrão entra na equação? No que resultará a mistura de militares com deputados fisiológicos e algumas vezes processados por corrupção?

Dispor de uma base parlamentar é condição de viabilidade de qualquer governo normal, e essa discussão só parece bizarra porque se trata do governo Bolsonaro. Ao buscarem o apoio dos conservadores do Centrão, os generais foram pragmáticos, recorrendo ao presidencialismo de coalizão, respeitando a "estratégia" de não os colocar na cabeça dos ministérios, e sob promessa da não reiteração de práticas de corrupção. É evidente que a entrada do Centrão rompe com a narrativa antissistema do radicalismo reacionário, mas os generais não pertencem a esse grupo.

Bolsonaro, ao longo do governo, tem oscilado entre a ala militar e a ala ideológica. Agora, parece estar fechado com os ex-colegas de farda, mas já esteve assim no passado e mudou de lado. A atual posição pró-militar, na sua avaliação, é definitiva?

Claro que não. É tática. Bolsonaro só colou nos militares para poder usá-los como guarda pretoriana contra o impeachment, intimidando o Congresso. Alguns dos generais se incomodaram, o Alto Comando também, fizeram declarações moderadas, e afastaram a possibilidade de golpe com que o presidente flertava junto ao seu público de radicais. Afinal, em último caso, os generais palacianos sempre terão o general Mourão, para ser acionado em caso de emergência. Não estão amarrados ao mesmo mastro que Bolsonaro na tempestade. Se hoje parece haver maior comunhão entre eles é porque o inquérito das fake news no STF elevou a possibilidade de cassação da chapa pelo TSE, o que liquidaria a solução Mourão. Fato é que, alguma hora, os generais palacianos terão de se sentar com os congressistas e os juízes para dar uma solução mais definitiva a essa crise infindável que, começada em 2013, não termina graças ao radicalismo do "núcleo ideológico".

Invertendo o slogan que marcou o ocaso do governo Dilma: vai ter golpe?

Já não se fazem mais golpes como antigamente. Se o Congresso e o Supremo Tribunal cederem à intimidação da família Bolsonaro, renunciando ao livre exercício de suas prerrogativas constitucionais, o golpe estará consumado e será o primeiro de vários outros. Mas, sinceramente, creio que, com seu aguçado senso de sobrevivência corporativa, os militares não cairão nesse truque. Perceberão a inutilidade de seus esforços e contribuirão, no momento oportuno, para a costura da única saída constitucional aceitável para todos, que passa pela assunção da Presidência da República pelo general Hamilton Mourão.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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