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Adoção de idosos entra na pauta de Damares. A ideia faz sentido?

Pasta vai apresentar sugestões à Câmara dos Deputados. Especialistas são contra a medida e defendem investimento nas casas de acolhimento

Idosa: população envelhecida é desafio de política pública (KatarzynaBialasiewicz/Getty Images)

Ligia Tuon

Publicado em 19 de janeiro de 2020 às 09h00.

Última atualização em 19 de janeiro de 2020 às 10h00.

São Paulo - A adoção de idosos em situação de abandono entrou na pauta do governo Bolsonaro.

No último dia 05, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves , escreveu no Twitter que esse era “um sonho que logo poderá ser realidade”.

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Já o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, Antonio Costa, afirmou, durante audiência pública realizada no fim do ano passado na Câmara, que o tema já estava sendo discutido pelo governo federal.

A queda na taxa de fecundidade somada com o aumento na expectativa de vida levou o Brasil a um rápido envelhecimento da população. São atualmente mais de 28 milhões de brasileiros com mais de 60 anos, um número que representa 13% da população do país e que deve subir para 25% até 2043.

O fenômeno, vivido por países desenvolvidos já há algumas décadas e agora mais rapidamente nos emergentes, também está por trás dos debates sobre sustentabilidade da Previdência, tema da principal reforma econômica aprovada pelo governo Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato.

Iniciativas

Na questão de adoção de idosos, há dois projetos que foram apresentados na Câmara dos Deputados também em 2019.

Ambos defendem alterações no Estatuto do Idoso, aprovado em 2003, prevendo que a pessoa com mais de 60 anos, em situação de abandono, seja adotada, caso queira, e se estiver lúcida.

As iniciativas são consideradas “ousadas” até pelos deputados Ossesio Silva (Republicanos-PE) e Pedro Augusto Bezerra (PTB-CE), autores das propostas que são distintas mas têm o mesmo objetivo.

“Não faz sentido esquecer essas pessoas que já foram muito na vida e que hoje são mais dependentes. É uma questão de dignidade e de reconhecimento ao que elas já viveram”, apontou Bezerra.

“Seria tão bom se essas pessoas tivessem uma casa, uma família, se pudessem assistir uma TV, estar ali com as crianças, com os netinhos”, destacou Ossesio.

O seu projeto cita uma tentativa de adoção, que costuma ser o único citado em debates sobre o tema. É o caso de uma idosa conhecida como dona Cotinha, que foi abandonada em um hospital no interior de São Paulo quando ainda era criança.

Desde então, Cotinha passou a morar no local e quando a unidade de saúde estava prestes a ser fechada, uma funcionária do hospital manifestou o desejo de adotá-la.

Alexandre Kalache, gerontólogo e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil, desconhece qualquer referência internacional desse tipo de proposta. Os esforços, segundo ele, deveriam ser concentrados nas chamadas casas de acolhimento, que recebem idosos em situação de abandono.

“Nunca ouvi falar em uma ousadia nesse sentido. A demanda que existe é por cuidados. Essa demanda existe e é grande. Nós não temos instituições de longa permanência que estejam dando conta. São pouquíssimas as públicas”, destacou o especialista.

De acordo com uma pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2016, apenas 6,6% das instituições de acolhimento do país são públicas.

A grande maioria delas é mantida pelos municípios e apenas duas são administradas pelo governo federal. Ao todo, 62.980 idosos vivem em abrigos públicos e particulares, segundo o Ministério da Cidadania.

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira, também defende o investimento em unidades de acolhimento e questiona a viabilidade da adoção:

“Acredito que a medida é até bem-intencionada, mas ela abre muita margem para fraudes”, diz. Entre elas estariam a possibilidade de abuso financeiro do idoso pela família e problemas relacionados a heranças.

Para o presidente do instituto, a legislação poderia ser aprofundada no formato do "apadrinhamento”, em que as pessoas interessadas dedicam atenção ao idoso, mas sem estabelecer responsabilidades legais.

Além disso, ele destaca que não é possível igualar a situação dos idosos ao das crianças – que não têm, por definição, autonomia legal.

As propostas apresentadas na Câmara dos Deputados ainda não foram analisadas nas comissões da Casa e não há prazo para que isso aconteça.

Em nota, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos informou que vai oferecer sugestões aos projetos a partir de estudos que serão realizados na pasta.

“Está em andamento a homologação de um decreto para instituir um Grupo de Trabalho interministerial para cuidar da estruturação da política nacional de cuidados”.

O Ministério afirmou ainda que realizou uma campanha, em dezembro de 2019, para abordar o tema “abandono” e que para este ano está prevista a realização do 2º Seminário de Enfrentamento à Violência contra a Pessoa Idosa.

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