COLLOR NO SENADO: ele renunciou, mas perdeu os direitos políticos em 92; Dilma foi cassada, mas continua elegível / Ueslei Marcelino/ Reuters
Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2016 às 16h03.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.
Carol Oliveira
O maestro Antônio Carlos Jobim costumava dizer que o Brasil é um país de cabeça para baixo. Uma nova demonstração foi dada nesta quarta-feira. Com a confirmação do impeachment da agora ex-presidente Dilma Rousseff e a posse do ex-vice Michel Temer, o Brasil não só teve seu segundo presidente cassado em menos de trinta anos, como se encontra em uma situação jurídica peculiar: a presidente afastada pode ser candidata a cargos públicos, enquanto o novo presidente, não.
Há duas questões em jogo nessa história. A primeira diz respeito à votação desta quarta-feira, em que os senadores optaram por não cassar os direitos políticos de Dilma, tornando-a apta a exercer quaisquer cargos públicos a partir de agora. Por outro lado, Temer havia sido condenado em maio pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por ter feito doações para dois candidatos a deputado maiores do que o permitido – assim, desde então, está inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
A pena de Dilma
Nove meses após o início do processo de impeachment de Dilma na Câmara – pelo então presidente da casa e agora deputado afastado, Eduardo Cunha – o plenário do Senado a considerou culpada por crime de responsabilidade fiscal. As acusações, sobre as chamadas pedaladas fiscais, giram em torno do fato de que a presidente atrasou pagamentos a bancos públicos para equilibrar as contas do governo, além de editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso.
De acordo com o artigo 52 da Constituição Federal, cometer crime de responsabilidade dá ao Senado Federal o direito de processar e julgar presidente, vice-presidente, ministros e comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Dessa forma, as pedaladas fiscais foram a justificativa para a abertura do processo de impeachment contra Dilma.
O julgamento inclui dois pontos: a cassação do mandato de presidente e a perda dos direitos políticos. Assim, a ex-presidente foi retirada do cargo por 61 votos a favor e 20 contra o impeachment, mas manteve seus direitos políticos numa segunda votação. Dentre os 81 senadores, os 42 que votaram a favor não chegaram aos 54 votos – ou dois terços da casa – necessários para aprovar a decisão.
“A perda de mandato gera efeitos exclusivamente sobre o cargo. Já a cassação de direitos políticos é muito mais ampla: o cidadão que tem seus direitos políticos suspensos não pode, por exemplo, exercer cargos públicos de qualquer natureza”, afirma o professor Bruno Rangel, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Pelo artigo 33 da Lei do Impeachment – a Lei 1.079, de 1950 –, o Senado “fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública”. Ou seja, perder o cargo não significa, necessariamente, perder os direitos políticos, e os senadores devem decidir se isso ocorrerá ou não.
Separação
Por outro lado, o parágrafo único do mesmo artigo 52 da Constituição Federal traz uma definição que dá a entender que as duas coisas devem ser decididas juntas. No caso do julgamento por crime de responsabilidade, “previstos nos incisos I e II”, diz o texto, a condenação se limitará “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública”.
Afinal, a perda do cargo traz automaticamente a inabilitação do exercício de funções públicas por oito anos? Como a Constituição está acima de qualquer lei do país, a interpretação dessas frases define a legalidade da questão, independentemente da Lei do Impeachment.
Em sessões comuns do Senado, os congressistas podem pedir que decisões que abordam vários aspectos sejam votadas separadamente – o que é chamado de destaque. Na sessão desta quarta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, considerou esta regra e aceitou um pedido de destaque feito pelo senador Randolfe Rodrigues, do PSOL – com a ajuda de integrantes do PMDB, como o presidente do Senado, Renan Calheiros. Por isso a interrupção do mandato de presidente e a cassação dos direitos políticos de Dilma Rousseff foram votados separadamente.
“Esse destaque tem plausibilidade. Não tenho como mudar de comportamento no prazo de menos de uma semana”, disse Lewandowski na ocasião. Anteriormente, quando o Senado votou o relatório do processo, feito pelo senador Antônio Anastasia, do PSDB, quatro destaques foram permitidos.
Como foi com Collor
No impeachment de Fernando Collor, em 1992, não houve separação das penas, e o agora senador ficou inelegível por oito anos. Isso porque ele já havia renunciado ao cargo no dia do julgamento pelo Senado. Assim, coube à casa decidir apenas pela perda de seus direitos políticos, uma vez que ele já não estava mais na presidência.
Presente na sessão desta quarta-feira – e votando a favor do impeachmnet de Dilma –, Collor se revoltou com a opção da parte da casa por fatiar a decisão, e acusou o Senado de querer estabelecer “um novo padrão de julgamento”. “Hoje, para minha surpresa, se coloca a possibilidade de fatiar esse ditame, quando a Constituição juntou perda de mandato e inabilitação”, disse.
Em 1992, Collor tentou reverter, no Supremo, a cassação de seus direitos, afirmando que, como já havia renunciado, não havia motivo para o julgamento ter ocorrido. O professor Thomaz Pereira, da Faculdade de Direito da FGV-RJ, explica que a questão era diferente: o assunto principal do pedido de Collor não era a separação das penas, mas o julgamento como um todo. Por isso, o Supremo respondeu dizendo que, sim, o julgamento era necessário, pois a perda dos direitos políticos ainda não havia sido votada e não era uma pena acessória, sendo tão importante quanto a cassação do mandato em si.
Dessa forma, nesta quarta-feira, foi a primeira vez na história brasileira que os dois aspectos foram votados ao mesmo tempo pelo Senado. A princípio, bancadas de oposição a Dilma disseram que levariam o caso ao Supremo. Mas em reunião após a sessão, as cúpulas do PSDB e do DEM decidiram não fazê-lo, temendo que o PT use o processo como mais uma justificativa para tentar anular o julgamento como um todo. Há o prazo de 120 dias para recorrer sobre aspectos do julgamento.
Se isso ocorrer, o Supremo terá de decidir, primeiro, se está apto a reverter uma decisão tomada por outro poder, e só depois regular sobre o caso de fato. O Supremo pode, por exemplo, definir que o Senado é soberano e que não irá interferir.
Assim, até segunda ordem, Dilma mantém seus direitos políticos, podendo ser funcionária em instituições públicas e concorrer a cargos eletivos. A única coisa que ela não pode fazer é se candidatar novamente à presidência em 2018, mas isso nada tem a ver com o impeachment: como foi reeleita em 2014, uma nova candidatura a levaria para um terceiro mandato seguido, o que é proibido para qualquer cidadão.
Inelegibilidade de Temer
Enquanto isso, o agora presidente Michel Temer não poderia se candidatar a cargo algum se as eleições ocorressem hoje.
No fim de 2015, Temer foi condenado em primeiro grau por ter doado mais dinheiro do que o permitido às campanhas de dois deputados gaúchos do PMDB nas eleições de 2014. O TRE só permite que pessoas físicas doem 10% de sua renda anual, mas Temer doou 16.000 a mais que os 84.000 permitidos para seu patrimônio, chegando a 11,9%. Em maio deste ano, o Ministério Público Eleitoral recorreu para tentar aumentar a multa de 80.000 reais dada a Temer. O pedido de aumento foi negado pelo TRE, mas o tribunal continuou considerando Temer culpado – decisão tomada por unanimidade.
Assim, o peemedebista foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível por oito anos qualquer cidadão condenados pela Justiça em decisão colegiada, como é o caso do TRE – mesmo que o processo ainda não tenha esgotado todas as instâncias judiciais. Se os condenados já ocuparem cargos públicos, o prazo varia: oito anos para deputados e senadores e três anos para governadores e prefeitos. A presidência não entra na lei.
A Lei da Ficha Limpa tornou-se mais rigorosa em 2010, mas já existia desde 1990, quando foi assinada por Fernando Collor e chamada de Lei das Inelegibilidades.
A multa já foi paga por Temer, e agora, a condenação só poderia ser revertida pelo Tribunal Superior Eleitoral. Se Temer de fato decidir se candidatar, sua situação será analisada no momento do pedido de registro, de acordo com o TRE-SP. Outro fator que poderia interferir na elegibilidade do atual presidente são as acusações eleitorais contra ele e Dilma, que também estão a cargo do TSE.
Com sua posse na tarde desta quarta-feira, Temer se torna o primeiro presidente brasileiro a exercer o cargo mesmo sendo enquadrado na categoria dos “ficha-suja” pela Justiça Eleitoral. Enquanto isso, a presidente condenada segue com os direitos políticos inalterados. O Brasil, como afirma Jobim em outra célebre frase, não é para amadores.