O presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com dirigentes de centrais sindicais, no Palácio do Planalto. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Agência de notícias
Publicado em 10 de abril de 2023 às 09h27.
Última atualização em 10 de abril de 2023 às 11h35.
O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa nesta terça-feira 100 dias, com uma política externa que tenta desmontar os efeitos do bolsonarismo e resgatar a liderança regional do Brasil, mas patina num ponto importante: a defesa da democracia.
Para analistas e embaixadores ouvidos pelo Estadão, o País ainda peca em se colocar como uma liderança nesse quesito, sobretudo na América Latina, nos casos de Nicarágua e Venezuela. Apesar disso, ainda na avaliação desses observadores, a política ambiental e o aprofundamento dos laços com a China são os maiores acertos do presidente até agora.
Depois de uma vitória na qual mote foi a defesa da democracia e após os ataques no 8 de Janeiro em Brasília, analistas apontam decepção com o silêncio do Itamaraty de Lula frente a violações de direitos humanos em países como Nicarágua e Venezuela (liderados por Daniel Ortega e Nicolás Maduro, na foto acima), e da guerra da Rússia na Ucrânia.
“O Brasil poderia ter sido mais incisivo na questão de violações de direitos humanos na Nicarágua, e isso talvez mostre que o governo Lula 3 ainda tem uma mentalidade mais próxima dos primeiros dois mandatos”, afirma Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FAAP.
Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, o Brasil tem na América Latina uma oportunidade de ouro para se lançar como um líder na defesa da democracia. “A gente tem de ser coerente, se defende democracia e direitos humanos aqui dentro, tem de defender lá fora também”, disse.
Recentemente, o governo brasileiro ficou em silêncio durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação na Nicarágua de Ortega. Após reação negativa, a diplomacia declarou preocupação com “sérias violações de direitos humanos” e se dispôs a receber dissidentes expulsos da Nicarágua. A reação fez Ortega destituir a embaixadora nicaraguense no Brasil.
Outro exemplo foi a recusa em assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, organizada pelos EUA, por não concordar com o foco à guerra na Ucrânia. De acordo com Barbosa, o Brasil poderia ter assinado e feito ressalvas sobre os pontos de discordância, como fizeram outros países. “O presidente foi eleito como uma plataforma de defesa da democracia e, em diversos momentos, eles se opôs a Bolsonaro, demonstrando que ele tinha uma capacidade de diálogo e sobretudo de defesa da democracia. Nesses termos, é muito importante para o presidente firmar seus pés nessa defesa”, observa Christopher Mendonça, professor de relações internacionais do Ibmec-BH.
Um ponto em que o Itamaraty tem sofrido muita pressão é na posição de neutralidade frente à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin (acima). Um posicionamento que não é um erro, segundo Rubens Barbosa. Falta, segundo ele, mas falta maior clareza sobre quais interesses o País defende ao se posicionar desta forma. “Não vejo uma justificativa do governo para essa medida, correta, de não comprar um alinhamento automático, nem com os EUA nem com a China nem com a Rússia”, afirma o ex-embaixador. “Sem explicar, a gente fica numa posição que parece que está aderindo à Rússia.” “Por que o Celso Amorim foi a Moscou? Eu não sei. Essas são interrogações que o governo tinha que explicar para justificar essa posição de que equidistância”, defende o embaixador.
No início deste mês, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, viajou de surpresa a Moscou, onde se reuniu com Vladimir Putin. Uma viagem semelhante de Amorim foi feita à Venezuela em março.
Outra falta de resposta está na proposta brasileira para o Brics - grupo de Rússia, Índia, Brasil, China e África do Sul (na imagem acima, então representados por Vladimir Putin, Narendra Modi, Dilma Rousseff, Xi Jinping e Jacob Zuma). Apontado como um dos trunfos dos primeiros dois mandatos de Lula, o fortalecimento do Brics foi uma das promessas nos primeiros discursos do presidente. No entanto, o contexto é diferente dos anos 2000, com a Rússia sendo um pária internacional e a China antagonizando abertamente com os EUA. Além disso, a erosão democrática da Índia impõe desafios para o grupo.
“A China quer incorporar novos membros aos Brics, será que isso é interessante para o Brasil?”, questiona Vieira. “Porque, a depender de quem ela trouxer, pode diluir os interesses e as forças de Brasil, Índia e África do Sul, e fortalecer ela e Rússia. Mas também poderia ser uma oportunidade de o Brasil trazer contrapesos às autocracias desses dois países, trazendo, por exemplo, Argentina ou Colômbia.”
O futuro do Brics, bem como a proposta de paz brasileira na Ucrânia, prometem estar na agenda da próxima viagem de Lula para se reunir com Xi (acima), que gera grandes expectativas tanto de analistas internacionais, quanto de setores da economia que tem no país o seu maior comprador.
“Existe uma expectativa muito positiva nessa viagem do presidente Lula, porque serão tratados temas importantes para o País”, avalia Christopher Mendonça. “Além da própria guerra na Ucrânia, também veremos meio ambiente, tecnologia, comércio. E a diplomacia brasileira acerta em recuperar as boas relações com a China depois dos atritos da era Bolsonaro.”
A montagem do cronograma de viagens do presidente, segundo os especialistas, demonstra quais serão os três pilares da diplomacia brasileira. A primeira foi à Argentina, parceira histórica do Brasil, o que reforça os laços com a América Latina. Em seguida, ele foi aos EUA, uma viagem que Joe Biden queria que Lula fizesse até antes da posse, mas ocorreu em janeiro. Agora é a vez da China.
Ao utilizar os primeiros meses de seu governo para viagens essenciais, do ponto de vista do interesse brasileiro, Lula resgata algo que se perdeu na última década, que é a diplomacia presidencial, aponta Barbosa. “Ele e o Fernando Henrique Cardoso criaram essa diplomacia presidencial.”
Nos primeiros 100 dias de governo, houve encontros e conversas telefônicas com 27 chefes de Estado, segundo levantamento feito pelo Estadão.
Contudo, a maior expectativa da política externa de Lula 3, sendo a principal diferença dos seus dois primeiros mandatos, é a questão ambiental. Foi o ponto de maior tensão entre o governo de Bolsonaro e países europeus - que levou ao congelamento das negociações do acordo Mercosul-União Europeia.
Logo após a vitória de Lula, o Fundo Amazônia foi descongelado pela Noruega e os EUA sinalizaram que pretendem colaborar. A nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente é vista como um acerto da administração, já que ela possui reconhecimento internacional que se refletiu na recepção que a ministra teve na COP 27.
“Mais de 80% potencial do Brasil está na área ambiental”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco. “O Lula tem de dar a prioridade que essa área merece. A chance de a gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remota. Se isso acontecer, vai surpreender todo mundo. Enquanto que no caso do meio ambiente a gente está na frente. É como dizem: o cavalo está arriado, com sela, é só montar. Essa que é, a meu ver, a grande linha da política externa brasileira.”