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Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 22 de novembro de 2024 às 10h40.
Última atualização em 22 de novembro de 2024 às 10h46.
Após o Carrefour da França anunciar que não comercializará carne de países do Mercosul, o grupo varejista francês Les Mousquetaires também declarou boicote à carne brasileira na noite desta quinta-feira, 21.
"Sobre essas questões, que dizem respeito diretamente à nossa soberania alimentar, devemos agir coletivamente. Todos devemos nos mobilizar", disse o CEO do grupo, Thierry Cotillard.
A medida intensifica a pressão francesa contra o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que enfrenta crescente resistência e parece cada vez mais distante de ser concretizado.
Além da oposição do governo do presidente Emmanuel Macron, produtores agrícolas franceses têm intensificado protestos contra o acordo.
Nesta semana, agricultores realizaram manifestações contra a assinatura do tratado, prevista para 6 de dezembro, segundo anúncio do ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, na terça-feira, 19.
Na quinta-feira, o sindicato Coordination Rurale (CR47) bloqueou estradas de acesso ao porto de Bordeaux, o sétimo maior da França em tráfego de mercadorias, que conecta a cidade ao Atlântico pelo rio Garonne. Na manhã desta sexta-feira, 22, os agricultores ligados à entidade liberaram as vias.
De acordo com José Perez, presidente do sindicato, o desbloqueio ocorreu após o primeiro-ministro da França, Michel Barnier, atender às exigências relacionadas à "sobretransposição" das regras impostas pela União Europeia, que penalizariam determinados setores agrícolas.
“Solicitamos ao Sr. Barnier um compromisso contra a transposição excessiva [das regras europeias]. Ele respondeu abertamente ao que pedimos e declarou, na quarta-feira, no Senado, que 'os agricultores têm razão, há exigências demais'”, afirmou Perez à Agence France-Presse (AFP). O bloqueio ao porto de Bordeaux começou na noite de quarta-feira e marcou a última grande ação da semana.
A CR47 organizou a ação para criticar a importação de cereais estrangeiros, alegando que são submetidos a normas diferentes das praticadas na França. "A guerra está longe de estar vencida, queremos ações agora, não palavras, não vamos desistir. A partir de segunda-feira ligaremos para o primeiro-ministro", disse Perez.
Na quarta-feira, 20, o presidente global da rede Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou que não comprará carne proveniente dos países do Mercosul. A decisão foi comunicada em uma carta enviada a Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores (FNSEA).
No documento, Bompard justificou a medida com base na “solidariedade com o mundo agrícola” e reafirmou o compromisso do Carrefour em não comercializar nenhuma proteína animal vinda de países membros do bloco, como Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
A decisão gerou repercussão internacional. Tanto o governo brasileiro quanto entidades do setor pecuário criticaram a medida, classificando-a como uma ação “protecionista”.
O Brasil argumenta que o boicote prejudica os esforços de negociação e reforça barreiras comerciais em um momento crucial para a aprovação do tratado entre Mercosul e UE.
Na avaliação de Fernando Iglesias, coordenador de Pecuária e Setor Carnes de SAFRAS & Mercado, os movimentos dos produtores franceses estão alinhados a uma estratégia de proteção ao mercado interno.
Na atual temporada, a União Europeia importou cerca de 90 mil toneladas de carne bovina em equivalente carcaça, um volume significativamente inferior ao adquirido por países como Egito, Chile, Estados Unidos e, principalmente, China.
O bloco, que atravessa um período de redução nos rebanhos de bovinos, suínos e aves, não é autossuficiente em produção de carne. A realidade, diz Iglesias, pode levar o bloco a retomar as compras em volumes expressivos do mercado sul-americano, especialmente do Brasil, nos próximos anos.
“Mesmo com exigências ambientais rigorosas, o Brasil é o único país com condições de atender às demandas europeias sem comprometer florestas. Contamos com 158 milhões de hectares de pastagens, o que nos permite expandir a produção de carne e grãos sem derrubar uma única árvore”, diz o especialista.