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IF Design, em Berlim, premia o design sustentável e destaca o pioneirismo brasileiro

Prêmio alemão concede três medalhas de ouro a projetos brasileiros, que buscam impacto positivo e usar o design para melhorar o mundo

IF Design, em Berlim: premiação atraiu designers do mundo inteiro, reunidos na Alemanha para celebrar os melhores projetos de 2023 (Rodrigo Caetano/Exame)

IF Design, em Berlim: premiação atraiu designers do mundo inteiro, reunidos na Alemanha para celebrar os melhores projetos de 2023 (Rodrigo Caetano/Exame)

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 3 de maio de 2024 às 06h30.

De Berlim*

Fora do mundo do design, o nome Dieter Rams talvez não desperte muita atenção. No palco do IF Design Awards, um dos principais prêmios de design do mundo, Rams é tratado como uma lenda. O alemão recebeu, na edição deste ano, um reconhecimento especial pela carreira, uma das trajetórias mais influentes do segmento. A quem não o conhece, pode-se explicar sua dimensão ao dizer que muitos produtos da Apple, entre eles o iPod e o iMac, foram inspirados em suas criações. É a primeira vez que a instituição concede esse tipo de honraria.

Rams aproveitou o momento para fazer um pedido. “Façam design para melhorar o mundo”, afirmou, ao receber o prêmio das mãos de Uwe Cremering, CEO da IF Design. Suas palavras abriram a cerimônia de premiação, realizada nesta segunda-feira, 29, em Berlim, na Alemanha. Os projetos premiados mostram que os designers, ou ao menos uma parte deles, já levam o conselho de Rams a sério. Especialmente os brasileiros.

O Brasil recebeu três reconhecimentos na categoria ouro, a mais importante – são 75 premiados. Todos tinham a sustentabilidade como linha central de desenvolvimento. Alguns designers brasileiros que foram agraciados com prêmios em outras categorias também focavam no desenvolvimento de ideias promotoras de impactos positivos. Ao que parece, melhorar o mundo através do design, um pedido da lenda Dieter Rams, é um legado que os brasileiros pretendem construir.

Dieter Rams, ao centro, recebe o prêmio da IF Design: "Façam design para melhorar o mundo" (Rodrigo Caetano/Exame)

Escola Campana

Primeiro estúdio brasileiro premiado da noite, o Pharus Design apresentou o projeto de rebranding, ou reformulação, da marca Campana, criada pelos irmãos Humberto e Fernando Campana, estes lendas do design brasileiro. Num momento em que a sustentabilidade ocupa um espaço cada vez maior no processo de criação e desenvolvimento de produtos e marcas, como destacou Cremering em sua fala no evento, o nome Campana aparece como pioneiro e guia desse movimento de promover o design como solução para problemas globais, como as mudanças climáticas e as desigualdades sociais.

Vivi Kano, criativa líder do escritório, destacou como os Campanas trouxeram, ainda na década de 90, conceitos modernos de produção. “Eles diziam que os materiais não eram os objetos, eles ‘estavam’ os objetos. O sentido é que tudo pode ser formulado e reformulado, num processo circular contínuo”, afirmou Kano à EXAME.

Nascidos e criados no interior de São Paulo, Humberto e Fernando se inspiravam na natureza, a partir de experiências que tiveram na infância brincando com pedaços de madeira, troncos e folhas. Suas criações ressaltam aspectos imperfeitos das formas, como no caso da famosa cadeira Vermelha, de 1999, primeira peça a impulsionar a carreira dos dois no exterior, feita com corda trançada num processo inovador de preenchimento.

A nova identidade ressalta essas características do trabalho dos irmãos e busca representá-las nas formas, cores e nos elementos tipográficos da marca Campana, e reforça na comunicação o pioneirismo da dupla. O prêmio é também uma homenagem da IF Design a Fernando Campana, que morreu em 2022.

Vivi Kano e Luca Bacchiocchi, do Pharus Design: legado dos Irmãos Campana materializado em formas, cores e tipografias (Rodrigo Caetano/Exame)

Novas matérias-primas

Cofundador do aclamado escritório Furf, Rodrigo Brenner segue a tradição dos Campana de pensar em formas naturais e usar novos materiais. Brenner foi agraciado com o prêmio IF Design, uma categoria abaixo da gold. O projeto apresentado ressignifica a tradição de espalhar as cinzas de entes falecidos no mar, um desejo de muitos. Ele desenvolveu uma urna funerária biodegradável, que se dissolve lentamente na água salgada. É uma forma poética de homenagear os mortos e refletir sobre a fluidez da vida, a inevitabilidade da morte, imaterialidade e materialidade da alma e do corpo.

Batizada de Sale, a urna tem o formato de um barco de papel e sua matéria-prima é obtida a partir do micélio, elemento que, apesar do nome remeter a algum metal do tipo do nióbio, é totalmente orgânico. O micélio é um emaranhado de fibras que dá sustentação e alimenta fungos, como os cogumelos – para quem já cultivou shitake ou shimeji, é a parte branca embaixo da camada de terra. O material foi desenvolvido pela Mush, startup brasileira criada por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná.

Ubiratan Sá, CEO da Mush, detalhou à EXAME os diversos usos possíveis para o micélio. “Temos produtos homologados para a construção civil, por exemplo, como placas com propriedades térmicas e acústicas. Elas absorvem o som, mantêm a temperatura e, o mais importante, retardam as chamas em caso de incêndio”, disse. Além da urna funerária e das placas termoacústicas, a empresa comercializa produtos de decoração, como luminárias, e utilidades domésticas. “Temos planos de expandir e produção e faremos uma nova rodada de captação de investimentos”, destacou Sá.

Rodrigo Brenner (à esq.), Ubiratan Sá (à dir.) e a equipe da Mush: pesquisa científica aliada ao design viabiliza a introdução de novos materiais sustentáveis (Rodrigo Caetano/Exame)

Design contra mudanças climáticas

Premiado na categoria ouro, o estúdio VCA, de São José dos Campos (SP), uniu o desenho inspirado nas formas da floresta com a tecnologia para criar um sistema de monitoramento de indicadores ambientais voltado à proteção de matas nativas. O trabalho aproveita o ecossistema de produção industrial da cidade, sede da fabricante de aeronaves Embraer, para adicionar funcionalidades e melhorar a usabilidade de bons produtos pensados por engenheiros.

O Treevia Smart Forest é resultado de um trabalho conjunto entre o VCA e a Treevia Technologies, empresa de tecnologia focada em sistemas de monitoramento florestal. Ele aproveita as capacidades de equipamentos simples, utilizados em grande escala nas fazendas de eucalipto, mas adiciona funcionalidades, como sensores, viabilizadas pelo design. Victor Colhado, fundador do VCA, destaca a importância desse tipo de colaboração: “Nós levamos um olhar diferente aos engenheiros, o que nos permite pensar em diferentes usos para uma tecnologia. A chave é ter curiosidade e fazer perguntas”, disse à EXAME.

As caixinhas do Smart Forest são instaladas em árvores por meio de uma fita autoajustável, e coletam dados de temperatura, humidade, precipitação etc. O sistema de análise dos dados, criado pela Treevia, conta com uma interface amigável, que facilita a visualização das informações. Colhado também pensou no desenho da caixa que protege os circuitos de forma a reduzir o uso de plástico e facilitar seu manuseio, além, é claro, de ser agradável aos olhos.

Victor Colhado (ao centro) com sua esposa, filha e a equipe do VCA no palco do IF Design: parceria entre engenharia e design para gerar novas ideias (Rodrigo Caetano/Exame)

Há, em todo esse processo de levar sustentabilidade ao design, uma tentativa de reconexão da vida moderna e digital com o significado essencial de comunidade e colaboração, pilares de qualquer sociedade, seja ela contemporânea ou ancestral. O terceiro brasileiro gold da noite traz essa reflexão de maneira lúdica, tendo como ponto de partida o desastre de Brumadinho.

Em 2019, o rompimento de uma barragem da mineradora Vale na cidade mineira deixou um rastro de destruição e causou a morte de 272 pessoas. A empresa foi condenada, e fez uma série de acordos com autoridades que a obriga a indenizar as vítimas. Entre eles, o compromisso de construir um memorial para manter viva a memória da tragédia, um exemplo material dos prejuízos que a negligência corporativa com a responsabilidade socioambiental pode gerar.

O projeto vencedor, assinados pelos escritórios Greco Design e Blackletra e projetado pelo arquiteto Gustavo Penna, propõe uma jornada meditativa por entre flores de ipê em aço, uma para cada vítima, luzes e natureza viva. Gustavo Greco, que assina o design, disse à EXAME que é importante, numa sociedade cada vez mais rápida e tecnológica, manter essas conexões com o aspecto transcendental da vida, com o que é sagrado e imaterial.

Nada disso é exatamente novidade no mundo do design. Se os Campana já traziam, nos anos 90, a ideia de circularidade e natureza para a fabricação de móveis, nos anos 70, Dieter Rams incorporava a preservação ambiental em seus 10 princípios para um bom design: o nono, dizia que o design contribui para a preservação do meio ambiente, conserva recursos e minimiza a poluição física e visual. Na breve conferência realizada após a premiação, surgiu uma pergunta crucial. O designer profissional será substituído pela inteligência artificial? Enquanto ele estiver conectado ao que, de fato, importa no trabalho, é provável que não.

Gustavo Greco: memorial para as famílias de Brumadinho propõe uma jornada medidativa entre aço e natureza para manter viva a memória do desastre (Rodrigo Caetano/Exame)

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