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‘A indústria brasileira pode se tornar um ator significativo na economia de baixo carbono’, diz CNI

Presidente Ricardo Alban apresentou estudo sobre descarbonização da indústria nacional na COP28, em Dubai, que prevê investimentos de R$ 40 bilhões até 2050

CNI defende investimentos em fontes de energia limpas e renováveis, como a eólica offshore, em alto mar (Esfera Brasil/Divulgação)

CNI defende investimentos em fontes de energia limpas e renováveis, como a eólica offshore, em alto mar (Esfera Brasil/Divulgação)

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Publicado em 15 de dezembro de 2023 às 08h30.

Última atualização em 15 de dezembro de 2023 às 10h53.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, esteve na 28ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, onde apresentou o estudo “Oportunidades e riscos da descarbonização da indústria brasileira – roteiro para uma estratégia nacional”, sobre o qual fala em entrevista exclusiva à Esfera Brasil.

O levantamento indica que serão necessários R$ 40 bilhões até 2050 para descarbonizar a indústria nacional. De acordo com Alban, o montante pode ser ainda maior: “Ele não considera os investimentos indiretos para aumentar a oferta de energia renovável e alternativas, como estradas, portos e telecomunicações, que contribuiriam para o aumento da eficiência da economia”.

O presidente da CNI também discorre sobre as oportunidades para o Brasil liderar a transição energética, os setores mais desenvolvidos e os desafios para a classe produtiva rumo à economia de baixo carbono.

A descarbonização da indústria brasileira é uma das metas do País e foi defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao longo do ano, a Esfera Brasil abordou a temática em eventos e destacou a importância da iniciativa para que o setor se desenvolva e melhore em competitividade, sem deixar de agir pela preservação do meio ambiente.

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Esfera Brasil: A CNI fez um estudo que mostra o montante necessário para descarbonizar a indústria. De onde virá esse recurso?

Ricardo Alban: De acordo com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, o País precisa reduzir em 53% as emissões – com base nos patamares de 2005 – e alcançar a neutralidade climática em 2050. Para a indústria, o processo de descarbonização exigirá investimentos de cerca de R$ 40 bilhões nesse período, segundo o estudo que divulgamos na COP28. Boa parte do recurso virá de orçamento das próprias empresas ou de linhas de financiamento, sejam privadas ou públicas. É preciso ressaltar, no entanto, que esse montante não considera os investimentos indiretos para aumentar a oferta de energia renovável e alternativas, como estradas, portos e telecomunicações, que contribuiriam para o aumento da eficiência da economia. Dessa forma, o valor de R$ 40 bilhões pode ser maior, a depender como esses investimentos se consolidem.

O governo Lula valoriza a economia verde e a neoindustrialização. De fato, o setor produtivo já está na rota de desenvolvimento sustentável e descarbonização?

R: O conceito de neoindustrialização parte da premissa de o Brasil aproveitar as oportunidades trazidas pela necessária descarbonização da economia, de modo a promover o desenvolvimento econômico e social, com o uso sustentável dos recursos naturais e inclusão social. O Brasil tem importantes vantagens competitivas, como uma matriz energética limpa, investimentos e iniciativas feitas por empresas e setores industriais, que têm contribuído para a descarbonização da produção. O governo tem dado importantes sinais de que essa será a tônica do projeto de desenvolvimento do País, o que é um bom indício. Até porque a indústria precisa estar próxima dos governos, federal e estaduais, para que o Brasil tenha êxito em cumprir as metas que foram pactuadas no Acordo de Paris.

A agenda ambiental é uma questão central e um fator de competitividade para a indústria no Brasil. A nossa indústria, principalmente aquela intensiva em uso de energia, como a do cimento, fez o dever de casa. As emissões de gases de efeito estufa dos fabricantes de cimento instalados no País são 10% menores do que a média mundial.

Quais as oportunidades para o Brasil tornar os processos produtivos mais verdes e menos poluentes?

R: Investimentos em fontes de energia limpas e renováveis, como a eólica – em terra e em alto mar [offshore] –, ampliação do uso da biomassa e a consolidação de uma cadeia de produção e consumo do hidrogênio de baixo carbono podem tornar o País mais atrativo para a instalação de elos de cadeias produtivas de empresas em busca de locais com esses atributos, o chamado powershoring. Temos grandes oportunidades também em bioeconomia, a partir do uso sustentável dos nossos recursos da biodiversidade, e em economia circular, com o uso mais eficiente dos recursos naturais ao priorizar insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. Com isso, o impacto ambiental é mitigado, os custos e perdas produtivas reduzidos e criam-se novas fontes de receita.

Por outro lado, quais são os desafios?

R: O estudo da CNI aponta uma série de desafios que precisamos superar, do ponto de vista da indústria. Há fatores a serem considerados na transição para uma economia de baixo carbono, como o elevado custo do capital no País e o Custo Brasil, que torna especialmente altos os investimentos em novas tecnologias e processos de produção mais limpos. É preciso também assegurar que o financiamento climático saia do papel, para que projetos de adaptação às mudanças do clima se consolidem. Com as condições adequadas, a indústria brasileira pode se tornar um ator significativo na economia global de baixo carbono. Para tanto, são necessárias condições econômicas e políticas claras e estáveis para podermos atrair investimentos e impulsionar a inovação.

Estudo da CNI mostra que serão necessários ao menos R$ 40 bilhões para descarbonizar a indústria brasileira (CNI/Divulgação) (CNI/Divulgação)

O Brasil, assim como outros países, precisa cumprir metas para reduzir emissões. Elas são factíveis? Como a indústria vai contribuir para que sejam alcançadas?

R: Acreditamos que as metas são factíveis, mas há um dever de casa a ser feito. Um exemplo é a Contribuição Nacionalmente Determinada [NDC, na sigla em inglês], que é o compromisso de redução das emissões assumido pelo Brasil. Observamos que ela não veio acompanhada de um plano estratégico de implementação, e o setor privado precisa ser parte do debate para entender o que lhe cabe fazer para executar os planos de mitigação e de adaptação às mudanças do clima. A indústria continuará a fazer sua parte, porque entende que é preciso colocar a sustentabilidade como estratégia de negócio, sob risco de perder mercados e consumidores que, cada vez mais, exigem isso das empresas.

Alguns setores vão se destacar nesse cenário? Onde o desafio é maior?

R: O plano de descarbonização da indústria foca nos setores que respondem pelo maior consumo energético. Ao mapear os cenários, tendo a criação de um mercado doméstico de carbono como premissa, pudemos apontar caminhos para os setores nos quais a adoção de medidas terá maior impacto para a indústria como um todo. Consistem, por exemplo, em melhorias de eficiência energética e processos de produção com tecnologias mais avançadas. Hoje, um grande desafio é podermos contar com marcos legais equilibrados e que ajudem a fomentar a inovação e atrair os investimentos necessários para realizarmos a transição para a economia de baixo carbono.

O Congresso disse estar alinhado à agenda verde. Quais os projetos que precisam ser aprovados e regulamentados?

R: O Congresso tem debatido importantes projetos e seus líderes têm mostrado compromisso com a agenda de sustentabilidade. É fundamental ser aprovado, com a regulamentação adequada, o mercado doméstico de carbono, que tem potencial de movimentar até R$ 128 bilhões em receitas, segundo estimativas do projeto Partnership for Market Readiness [PMR]. Também temos o marco das eólicas offshore e do hidrogênio de baixo carbono. São duas propostas que a indústria tem contribuído com insumos técnicos, para que o texto aprovado auxilie a desenvolver energia renovável e limpa, importantes para a transição energética do País.

O Brasil está mesmo próximo de liderar a transição energética no mundo?

R: O Brasil tem uma oportunidade única. Mas há muito a ser feito até que as oportunidades sejam convertidas em ação, investimentos, inovação e empregos, para que o País se desenvolva de forma sustentável e com inclusão social. Estivemos na COP28 ajudando a fortalecer a posição do Brasil como nação em desenvolvimento, principalmente na busca para que os países desenvolvidos cumpram a promessa de financiar as ações necessárias à neutralidade climática nos países que menos contribuíram para as mudanças climáticas. A indústria tem feito sua parte, contribuindo com o governo e o Legislativo nos debates sobre as políticas públicas e os marcos legais ligados à essa agenda.

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