Tecnologia

Para além do paradoxo

Por que o computador não aumentou a produtividade das empresas

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h41.

No início, computadores não eram máquinas. Eram gente. Nos séculos 18 e 19, prodígios matemáticos capazes de fazer contas a velocidades incríveis eram conhecidos na Inglaterra como computers. Eles calculavam enormes tabelas de logaritmos, essenciais para a engenharia naval que sustentava o poderio do império britânico. Quando, na mesma época, o inglês Charles Babbage concebeu os primeiros computadores mecânicos, sua idéia era substituir por uma máquina o trabalho de dezenas de computadores humanos. Dizia ele: "Uma das vantagens que podemos tirar das máquinas é o freio que elas garantem contra a desatenção, o ócio e a desonestidade dos agentes humanos".

Por trás do pensamento de Babbage está a primeira fantasia que surge na mente de qualquer empresário ou executivo quando se fala em computador ou outra tecnologia: o controle sobre o trabalho. Graças à máquina, professa tal fantasia, os funcionários podem trabalhar de modo ordenado e menos sujeito às intempéries. Nesse ponto, Babbage foi precursor de Frederick Taylor, que, anos depois, em seus escritos sobre a gestão científica, enfatizava o controle que os gestores deveriam ter sobre cada detalhe do trabalho de seus funcionários. São célebres as medições de Taylor com cronômetro, que culminariam na linha de montagem de Henry Ford. Cada operário com uma tarefa monótona definida a executar, enquanto o conhecimento, o controle e a cadência da produção permaneciam nas mãos da gestão. Ou você acredita que a conversa de hoje em dia sobre ERP ou CRM é muito diferente?

Na década de 50, quando chegou ao mercado o Univac, o primeiro computador eletrônico com fim comercial, essas idéias estavam bastante vivas em livros sobre o que se chamava então de cibernética: a tentativa de substituir por máquinas automáticas o cérebro humano (alguém aí já viu o prefixo ciber em algum lugar?). As fantasias cibernéticas, oriundas da comunidade científica, eram diferentes das fantasias dos executivos. Acreditavam alguns acadêmicos ser possível reproduzir em uma máquina o funcionamento do cérebro humano. Desde o início, toda e qualquer visão dos computadores sempre pareceu atrelada a uma dessas fantasias: ou bem eles eram a máquina de controle, capaz de disciplinar a mão-de-obra, ou então eram a máquina cerebral, que tornaria programável e previsível todo tipo de criatividade. A questão é que nenhuma máquina, por si só, é capaz de causar milagres como a ida do homem à Lua ou desastres como a bomba atômica.

Homens são.

É, portanto, na relação entre homens e máquinas que deve ser buscada a origem de todo e qualquer problema com computadores. Inclusive do paradoxo da produtividade, o célebre enigma que tem ocupado economistas desde que o Nobel Robert Solow afirmou na década de 80 que os computadores estavam por toda parte, menos nas estatísticas de produtividade. O psicólogo americano Thomas Landauer, um estudioso do assunto, compara os computadores a outra maravilha tecnológica em seu tempo: a máquina de fiar a vapor conhecida como spinning jenny. Por volta de 1860, antes da Revolução Industrial, um fiador indiano levava 50 mil horas (ou 20 anos) para produzir 50 quilos de fio de algodão. Em 50 anos, a tecnologia reduziu esse tempo a 150 horas, ou numa proporção de 1 para 300.

Durante toda a história humana, nenhuma tecnologia evoluiu tão rápido quanto o computador. Em apenas 40 anos, eles aumentaram seu poder de cálculo em uma proporção de 30 mil para 1. Mas até o fantasma de Babbage seria capaz de perceber que a maior velocidade para fazer contas não se traduz necessariamente em mais produção, mais vendas, mais lucro ou em qualquer outra medida de produtividade. Landauer chegou a fazer, nos anos 80, um estudo em que comparava secretárias que usavam máquinas de escrever às que usavam processadores de texto e concluiu - acredite - que as primeiras eram mais produtivas. Desde então, é claro, os processadores de texto evoluíram muito, mas estudos tão recentes quanto o que o McKinsey Global Institute lançou no ano passado continuam confirmando o descompasso entre o colossal investimento em computadores e o pífio retorno econômico.

As explicações usuais para o paradoxo dos computadores costumam variar de "espere um pouquinho, só agora começamos a ver os primeiros efeitos do computador na economia" a "não há paradoxo: as medidas de produtividade é que são incapazes de captar os benefícios das máquinas". Explicar o paradoxo por negação, porém, equivale a não entendê-lo. Não é em uma insípida numeralha só compreensível a doutores em economia que se encontrará a raiz de um problema que todos nós - você, eu e até o Bill Gates - já sofremos na pele: sistemas são projetados de forma cifrada e só os sagrados guardiães do código são capazes de compreendê-los e de usá-los. Enquanto o computador for encarado como um local sacrossanto, onde só penetram os sumos sacerdotes do sistema, ninguém pode se espantar com nenhum paradoxo. E essa visão está enraizada na fantasia da máquina cerebral. Como não deve ser sedutor fazer parte do seleto grupo que domina os mínimos segredos de uma máquina que se imagina ser um protótipo do cérebro humano, segredos esses inacessíveis ao comum dos mortais?

Mas a outra fantasia, a da máquina de controle, parece ter conseqüências ainda mais graves para a produtividade das empresas. Como os teóricos da administração já cansaram de provar, idéias como as de Babbage ou Taylor são inaplicáveis à nossa espécie. Enquanto os gestores não pararem de responsabilizar a máquina por não dar o retorno esperado, nada acontecerá. Quem pode conseguir algum tipo de ganho de produtividade são só as pessoas. A máquina, como demonstra a reportagem aqui do lado, não passa de um instrumento.

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