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Os EUA nasceram como uma nação pirata, diz especialista em propriedade intelectual

O advogado Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Stanford, é conhecido por sua oposição às leis draconianas de proteção à propriedade intelectual. Foi Lessig quem defendeu o programador Eric Eldred no caso em que o Congresso americano era acusado de ter ido contra o interesse público ao estender para até 95 ano o prazo […]

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h33.

O advogado Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Stanford, é conhecido por sua oposição às leis draconianas de proteção à propriedade intelectual. Foi Lessig quem defendeu o programador Eric Eldred no caso em que o Congresso americano era acusado de ter ido contra o interesse público ao estender para até 95 ano o prazo de vigência do direito autoral, antes que as obras caiam em domínio público. No início do ano, Lessig perdeu o caso Eldred por sete votos contra dois. Leia abaixo a íntegra da entrevista que o advogado concedeu a EXAME:

Por que o senhor acha que perdeu o caso Eldred? O que o senhor deveria ter feito para ganhá-lo?

Lessig -
Perdemos porque a visão dos sete juízes sobre a natureza da propriedade intelectual é consistente com a da maioria dos americanos, de que a propriedade intelectual deve ser protegida de forma absoluta e para sempre. Essa visão é, segundo o meu julgamento, inconsistente com nossa tradição de que a propriedade intelectual deve ser balanceada de modo a trazer incentivo aos autores, mas acesso ao público. Há um mal-entendido básico sobre o caráter da propriedade intelectual que deve mudar profundamente para que tenhamos mais sucesso nos tribunais. Esse é um movimento político, que é mais natural no contexto dos países em desenvolvimento, pois eles têm mais consciência da inconsistência e hipocrisia da visão americana sobre a propriedade intelectual. Mas cada vez mais os americanos comuns têm de entender isso para entender como o extremismo vai ferir o crescimento da tecnologia e da criatividade no futuro.

O que o senhor acha que pode acontecer se essa visão prevalecer?

Lessig -
Se a propriedade intelectual for estendida em prazo e escopo, a concentração dos meios de comunicação vai aumentar. É mais fácil para grandes empresas de mídia negociar os obstáculos aos direitos de propriedade intelectual do que para organizações pequenas e independentes. Não é coincidência que tenhamos testemunhado um aumento colossal de concentração da mídia no mundo ao mesmo tempo que aumentou colossalmente o escopo dos direitos à propriedade intelectual.

E os obstáculos à criatividade?

Lessig -
Eles também aumentarão, em especial à medida que as tecnologias para a criatividade digital se tornarem disponíveis de modo mais amplo. Estamos num tempo em que a tecnologia digital permitiria que uma quantidade muito maior de gente fosse criadora do que nunca na história. Mas, por causa dos direitos de propriedade intelectual, eles têm de saltar uma barreira de proteção que está mais alta do que nunca. A criatividade potencial que a internet foi projetada para produzir será sufocada pela proteção estendida.

O senhor argumenta que as leis de direito autoral hoje funcionam mais para limitar a criatividade e a inovação do que para incentivá-las. Mas elas foram criadas para aumentar os incentivos à criatividade. Onde deveria ser traçada a linha no que diz respeito às leis de copyright? O senhor poderia dar exemplos em áreas como música, filmes ou software?

Lessig -
É melhor pensar nisso do ponto de vista da natureza dos direitos. Acho que uma regra clara deveria ser: o prazo de copyright para uma obra que já existe nunca deveria ser estendido. Porque estendê-lo seria criar um monopólio sem nenhuma criatividade dada em troca desse monopólio. Seria estendê-lo em troca de nada. Esse é o princípio mais simples. E é independente de quão longo você acredita que o prazo deva ser para novas obras. Você pode acreditar que 70 anos são adequados ou não para as novas obras. Mas é pelo menos uma regra simples.

A segunda coisa é que precisamos de um sistema muito mais simples do que o atual para permitir a reutilização de conteúdo em outros meios. No contexto da música, temos uma longa tradição que tem permitido que músicos regravem obras dos outros pagando uma licença compulsória muito simples. Esse mesmo tipo de simplicidade é necessária agora para uma ampla gama de conteúdo digital. Deveria ser possível usar imagens ou trechos de filmes ao criar novas imagens ou apresentações em multimídia sem ter de procurar um advogado para entrar em contato com quem ter os direitos e depois negociar um direito particular. Temos de simplificar esse processo para que as pessoas possam pagar pelo trabalho e usá-lo de modo muito mais fácil e criativo. Além disso, temos de ser muito mais céticos a respeito da extensão dos chamados direitos derivados. Não há problema algum se o copyright for muito forte para proteger alguém de quem quiser fazer uma exata cópia do seu trabalho e simplesmente assaltá-lo desse modo. Tenho menos simpatia pelo copyright num contexto de alguém que quer fazer um trabalho derivado, como um comentário ou uma adaptação ou alguma mudança.

Isso não seria uma extensão do conceito de uso legítimo ("fair use")?

Lessig -
Um modo de expressar isso é dizer que se trata de uma extensão do direito ao uso legítimo. Mas eu preferiria dizer que é uma restrição no escopo do copyright. Originalmente, o direito autoral só cobria exatamente o mesmo trabalho. Ele foi estendido para cobrir trabalhos derivados. Quando, por exemplo, fazem um filme sobre Jornada nas Estrelas, ninguém está autorizado a fazer filmes sobre Jornada nas Estrelas ou trabalhos derivados sem a permissão do dono do copyright de Jornada nas Estrelas. Isso por causa dos direitos derivados que ele detém. Acho que isso deve ter feito feito sentido um dia, mas faz cada vez menos sentido. A idéia de que a lei proíba sites de fãs de ficção científica de ter ficção sobre os filmes de Jornada nas Estrelas me parece absurda, extrema e sem nenhum objetivo, especialmente no que diz respeito aos requisitos de uso legítimo. Deveríamos pensar de modo muito mais extenso sobre restringir o escopo dos direitos derivados. E, finalmente, mas de modo muito mais importante, temos de pensar de modo muito mais flexível nas exigências para estender o direito autoral a países em desenvolvimento. Isso também deve valer no caso das patentes. Os Estados Unidos não respeitaram o direito autoral de países estrangeiros de forma alguma até 1891. Nascemos como uma nação pirata. É hipócrita, na melhor das hipóteses, insistirmos que todo e qualquer país em desenvolvimento no mundo deva pagar por todo o nosso material protegido por direito autoral ao usá-lo. Isso é pior no contexto das patentes que impedem o desenvolvimento de drogas para salvar vidas. Em vez disso, os países em desenvolvimento (e o Brasil tem sido muito bom nisso) deveriam ter muito mais flexibilidade para poder decidir quando faz sentido respeitar os direitos à propriedade intelectual. As nações desenvolvidas devem ser muito menos irredutíveis a respeito de permitir esse tipo de flexibilidade para permitir um crescimento criativo muito maior nesses outros países.

Isso se tornou crucial aqui no caso das patentes de drogas. Mas é menos claro no caso do direito autoral ou de produtos culturais. O que o senhor acha disso? Haveria algum tipo de combate para o Brasil e países em desenvolvimento nessas arenas, para que as coisas fossem diferentes?

Lessig -
Bem. As coisas deveriam ser diferentes. Mas os Estados Unidos adotaram uma política muito danosa para essa possibilidade. Obviamente, no contexto do TRIPS (o tratado internacional para a proteção à propriedade intelectual), foi estabelecido um acordo reforçado em Doha, que permite um conjunto de direitos muito flexíveis nbo contexto dos países em desenvolvimento. Mas os Estados Unidos adotaram uma política de negociações bilaterais para, basicamente, forçar os países em desenvolvimento a assinar obrigações mais restritivas do que fariam sob um acordo multilateral. Isso é errado e imoral. Usar o poder dos Estados Unidos para forçar esses países a assumir uma posição pior do que sob o TRIPS é um dano para esses países e tem efeitos grotescos, porque as restrições impostas pelos direitos à propriedade intelectual aos países em desenvolvimento que não têm nenhuma relação com criatividade e inovação são apenas ataques aos pobres em benefício dos ricos. É um ultraje que os Estados Unidos defendam essas políticas em geral.

O senhor criou e faz parte de uma iniciativa chamada Creative Commons. O senhor poderia explicá-la aos nossos leitores? Como ele funciona? O senhor acha que ele poderia ser uma alternativa ao sistema atual baseado em propriedade intelectual?

Lessig -
O Creative Commons é uma empresa sem fins lucrativos dedicada a transmitir a maior quantidade de conteúdo possível para um espaço em que ele seja mais fácil de usar e de construir coisas com ele. A motivação para isso é nossa visão de que a lei de direitos autorais é interpretada hoje do modo mais extremo possível. Esse extremismo pode fazer sentido para alguns tipos de donos de conteúdo, mas não para a vasta maioria deles. A grande maioria dos produtores e distribuidores de conteúdo não têm muita objeção a que ele seja usado por uma série de motivos e de vários modos, mesmo que não desejem abdicar de seus direitos e colocá-lo em domínio público. Decidimos construir tecnologia e uma camada razoável de leis de direitos autorais em cima da camada atual de extremismo. A motivação foi descobrir licenças que possam ser adotadas voluntariamente para expressar a visão dos autores de que um regime mais livre é o regime em que eles acreditam.

Por exemplo?

Lessig -
Temos um punhado de licenças que podem ser adotadas e interpretadas por computadores, que dizem, basicamente, que o conteúdo pode ser usado sem fins comerciais, ou desde que a autoria seja atribuída. Estamos montando uma nova série de licenças que dirão, basicamente, que países em desenvolvimento podem usar o conteúdo ou que instituições educacionais podem usá-lo de graça. No fundo isso equivale a reservar alguns direitos, mas garantir muitas liberdades para quem quiser usar o conteúdo, para além das liberdades garantidas de uso legítimo. Se conseguirmos que muita gente construa conteúdo usando essas licenças, então poderemos ter uma camada de leis de copyright razoáveis. Isso pode começar a competir com o modelo extremo de "Todos os direitos reservado" usado pela maioria dos geradores de conteúdo.

De modo que artistas e criadores migrem naturalmente para um outro ambiente...

Lessig -
Exatamente. Temos, por exmplo, um escritor, Cory Doctorow, que acaba de publicar seu primeiro romance Down and Out in The Magic Kingdom. No mesmo dia em que era lançado nas livrarias, o livro foi posto à disposição online de graça sob uma licença do Creative Commons. Essa licença deu às pessoas a liberdade de fazer o download e imprimi-lo. Mais de 70 000 pessoas fizeram exatamente isso. Essa possibilidae tornou mais pessoas expostas ao trabalho do que se o livro estivesse disponível apenas em livrarias. E Cory acredita que, da próxima vez em que for publicar um livro, haverá muito mais gente interessada em comprá-lo e mais editoras se interessarão por publicá-lo. Essa é uma forma de dar aos artistas mais exposição, num contexto que lhes reserva alguns dos direitos. Além dos artistas, a maior parte das pessoas deveria marcar seus websites com esse tipo de licença, apenas como uma forma de dizer que acreditam que as leis de copyright devem ser mais equilibradas do que são hoje. É uma expressão desse equilíbrio licenciar o conteúdo de um modo mais livre. Acabamos de anunciar na semana passada um projeto de internacionalização. Começaremos a portar nossas licenças para a maior quantidade de países possível, de modo que essa camada de leis razoáveis de direitos autorais possa se expandir, à medida que gente de todo o mundo adotar licenças que criem uma gama maior de liberdades.

O senhor me disse uma vez que os controles são a regra em sociedades fechadas. As abertas optam naturalmente pela liberdade. Em seus escritos, o senhor menciona com freqüência exemplos como a União Soviética e o risco de que estejamos caminhando para uma Idade das Trevas em que todo o conhecimento seja propriedade de alguém. O que o senhor acha que deve ser feito politicamente para que isso não aconteça?

Lessig -
Deve haver um reconhecimento mais amplo da importância do equilíbrio no contexto da propriedade intelectual. Acredito que as sociedades fechadas adotam tecnologias de controle, e as abertas abraçam a liberdade em vez do controle. Infelizmente os Estados Unidos estão dando as costas para seu passado de sociedade liberal e abraçando muito mais o ambiente de controle de uma sociedade regulamentada. O extremismo nos direitos de propriedade intelectual é apenas um aspecto em muitas mudanças diferentes. O que deve acontecer é que as pessoas devem ter mais consciência do que está em jogo e fazer isso ao perceber o tipo de controle e de extremismo que o sistema existente está tentando impor e resistir a ele. Tenho me esforçado para ajudar a disseminar essa mensagem, mas vai custar muito mais do que o trabalho de gente como eu para fazer isso. Políticos de ambos os lados do espectro ideológico cada vez mais enxergam o perigo que o extremismo nessas questões pode criar e tentam responder a ele. Estamos perdendo agora politicamente, mas ganhamos mais e mais apoio à medida que mais gente reconhece o que está em jogo.

O senhor já entrou em contato com alguém aqui no Brasil para transferir as licenças do Creative Commons para a lei brasileira?

Lessig -
Ainda não. Embora estejamos indo para aí obviamente com a intenção de localizar esse tipo de gente. O projeto é conduzido por um alemão e estamos começando com países europeus, mas tenho muita vontade de ter alguns dos países mais progressistas fora da Europa envolvidos, e Brasil e Índia estão no alto da lista.

Se o senhor olhar para o fenômeno Linux e tentar analisá-lo, é possível dizer que ele usa as leis de copyright para torná-lo obsoleto. A GPL, a licença que desprotege o Linux, torna a propriedade intelectual virtualmente inexistente no ambiente Linux _ tanto que é chamada de copyleft. Assim foi criado um terreno comum. A maioria dos economistas que analisam o fenômeno diz que, se houver um problema no ambiente regulatório, naturalmente emergirá uma solução, as forças econômicas tomarão conta deles e o fenômeno se auto-organizará. Uma outra linha de pensamento diria que o Linux é apenas algo que está começando, que ainda não temos uma forma alternativa de desenvolver software e precisamos enfraquecer as leis de copyright. O senhor me parece pertencer à segunda linha de pensamento. O que o senhor diria àqueles que acreditam que a economia dará conta do problema?

Lessig -
Acredito na economia. Acredito que [ o economista ] Ronald Coase teve a melhor compreensão da economia e de quando a mão invisível do mercado toma conta das coisas. Ele acreditava que, quando o custo de transação é muito baixo, o mercado pode se auto-organizar em torno de um problema específico. Mas o ponto é que a lei é um dos custos de transação mais altos que existem. Temos hoje uma expansão no custo de transação da lei, e essa expansão tornará menos provável que o mercado por si só consiga resolver esse problema. Não sou contra a economia. Também não acredito que o Linux, ou mais precisamente a GPL, elimine a propriedade intelectual. Ela depende da propriedade intelectual para ser posta em ação. O sistema operacional GNU/Linux não está em domínio público. Ele é protegido por uma licença que, embora singular, é muito forte. Essa licença diz que você pode usar e copiar o código protegido por ela, mas, se você modificá-lo e redistribuí-lo, você também é pbrigado a redistribuir o código-fonte além do código-objeto. Isso é uma restrição particular imposta por meio de leis de copyright. É importante enfatizar que ele depende das leis de propriedade intelectual, e não as sabota.

Certo. Mas ele a usa para criar um terreno comum, um ambiente em que todos podem se beneficar do produto.

Lessig -
E isso é exatemente o que o Creative Commons está tentando fazer.

O que o Creative Commons aprende do mundo do Linux e o que o mundo do Linux poderia aprender com a experiência de vocês?

Lessig -
Aprendemos que há um modo de usar o sistema existente para fazer um movimento de jiu-jitsu. Copiamos esse movimento para uma quantidade de conteúdo muito mais abrangente que o software. Aprendemos que é preciso ser sensível às diferenças de contexto nas diferentes formas de propriedade intelectual. A GPL não faz sentido para todas as formas de propriedade intelectual, nem criará um modelo de negócios bem-sucedido em todos os contextos criativos. É preciso pensar, de modo pragmático, onde ela ajuda e onde não. E, com base nessa compreensão, adaptar-se. É isso o que estamos tentando fazer.

Pouco tempo atrás havia uma percepção de que a Internet não podia ser regulamentada e de que o ciberespaço sempre seria um espaço de liberdade. Mas o senhor afirma que recentemente já houve muitas tentativas de impor diferentes camadas de controle. O senhor acha que o ciberespaço pode ser regulamentado? Como? Isso deveria acontecer?

Lessig -
Bem. Primeiro, ele pode ser. Segundo, está cada vez mais regulamentado. Há pouca dúvida sobre isso se você analisar os controles impostos a quem quer colocar material nazista ou protegido pelo copyright na rede. São controles afetados pelos regulamentos já existentes. Se acho que deve ser regulamentada? Não sou contra isso em princípio. Só sou contra a má-regulamentação. Em minha opinião, fizemos um bom trabalho para impor a má-regulamentação e um mau trabalho para impor o que poderia ser uma boa regulamentação. Temos muitas regras sobre a super-extensão do direito autoral, muitas regras sobre o acesso que inibem o processo criativo. Sou contra elas. Poderíamos ter feito um trabalho melhor ao regular, por exemplo, o spam. Ao facilitar a filtragem. Ou então ao proteger melhor a privacidade. E não estamos fazendo isso. Não faço campanha contra a regulamentação, mas contra a regulamentação ruim.

Um dos maiores exemplos são as leis de direitos autorais. Há algum outro que seja tão notável?

Lessig -
Nos Estados Unidos, temos um acesso de banda larga muito ruim. Deveríamos estar em posição muito melhor em comparação com a Coréia do Sul ou o Japão. Isso por causa da regulamentação ruim que dá aos donos da rede poder demais para neutralizar a competição. Isso seria um lugar para mudar as coisas.

Da última vez em que esteve aqui, o senhor falou do espectro livre. Mencionou até o exemplo de uma reserva de índios em que estava havendo uma experiência com isso. Houve sucesso? O que poderíamos aprender com essas experiências e por que deveríamos adotar o espectro livre?

Lessig -
A única área da indústria de tecnologia que explodiu em crescimento nos últimos três anos foram as tecnologias em torno do acesso sem fio ao espectro que não é regulamentado por licenças, como as tecnologias Wi-Fi. O Wi-Fi é apenas o começo. Em minha opinião, países como o Brasil e aqueles que estão tentando construir sua infra-estrutura de telecomunicações deveriam abraçar tecnologias sem fio e sem licença, porque o que elas farão é facilitar o maior crescimento do acesso que esses países podem ter. E elas farão isso ao enfraquecer os monopólio existentes na proteção contra novos competidores. Infelizmente, os países em desenvolvimento tipicamente caem na armadilha do poder dos monopólios de se proteger. Países na África foram destruídos pela capacidade das empresas de telefonia de resistir a novas tecnologias para facilitar a comunicação, porque isso reduz as receitas das empresas telefônicas. É preciso que os governos enxerguem além do retorno de curto prazo e, em vez disso, se concentrem nos ganhos de longo prazo que virão da expansão dessas inovações tecnológicas e reconheçam que, especialmente no contexto da internet, essas tecnologias sem fio darão um modo extraordinariamente barato de expandir o acesso às telecomunicações muito, muito rápido.

O que o senhor teria dizer para convencer as empresas e homens de negócios que lidam com propriedade intelectual de que é do interesse deles que as leis de proteção sejam enfraquecidas?

Lessig -
Nada. Eu não tentaria argumentar com gente que tem uma visão tão extremista.

A melhor maneira então seria apenas tentar montar um sistema alternativo que começasse a ter sucesso e competisse com o atual.

Lessig -
Sim. É exatamente disso que precisamos.

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O advogado Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade Stanford, é conhecido por sua oposição às leis draconianas de proteção à propriedade intelectual. Foi Lessig quem defendeu o programador Eric Eldred no caso em que o Congresso americano era acusado de ter ido contra o interesse público ao estender para até 95 ano o prazo de vigência do direito autoral, antes que as obras caiam em domínio público. No início do ano, Lessig perdeu o caso Eldred por sete votos contra dois. Leia abaixo a íntegra da entrevista que o advogado concedeu a EXAME:

Por que o senhor acha que perdeu o caso Eldred? O que o senhor deveria ter feito para ganhá-lo?

Lessig -
Perdemos porque a visão dos sete juízes sobre a natureza da propriedade intelectual é consistente com a da maioria dos americanos, de que a propriedade intelectual deve ser protegida de forma absoluta e para sempre. Essa visão é, segundo o meu julgamento, inconsistente com nossa tradição de que a propriedade intelectual deve ser balanceada de modo a trazer incentivo aos autores, mas acesso ao público. Há um mal-entendido básico sobre o caráter da propriedade intelectual que deve mudar profundamente para que tenhamos mais sucesso nos tribunais. Esse é um movimento político, que é mais natural no contexto dos países em desenvolvimento, pois eles têm mais consciência da inconsistência e hipocrisia da visão americana sobre a propriedade intelectual. Mas cada vez mais os americanos comuns têm de entender isso para entender como o extremismo vai ferir o crescimento da tecnologia e da criatividade no futuro.

O que o senhor acha que pode acontecer se essa visão prevalecer?

Lessig -
Se a propriedade intelectual for estendida em prazo e escopo, a concentração dos meios de comunicação vai aumentar. É mais fácil para grandes empresas de mídia negociar os obstáculos aos direitos de propriedade intelectual do que para organizações pequenas e independentes. Não é coincidência que tenhamos testemunhado um aumento colossal de concentração da mídia no mundo ao mesmo tempo que aumentou colossalmente o escopo dos direitos à propriedade intelectual.

E os obstáculos à criatividade?

Lessig -
Eles também aumentarão, em especial à medida que as tecnologias para a criatividade digital se tornarem disponíveis de modo mais amplo. Estamos num tempo em que a tecnologia digital permitiria que uma quantidade muito maior de gente fosse criadora do que nunca na história. Mas, por causa dos direitos de propriedade intelectual, eles têm de saltar uma barreira de proteção que está mais alta do que nunca. A criatividade potencial que a internet foi projetada para produzir será sufocada pela proteção estendida.

O senhor argumenta que as leis de direito autoral hoje funcionam mais para limitar a criatividade e a inovação do que para incentivá-las. Mas elas foram criadas para aumentar os incentivos à criatividade. Onde deveria ser traçada a linha no que diz respeito às leis de copyright? O senhor poderia dar exemplos em áreas como música, filmes ou software?

Lessig -
É melhor pensar nisso do ponto de vista da natureza dos direitos. Acho que uma regra clara deveria ser: o prazo de copyright para uma obra que já existe nunca deveria ser estendido. Porque estendê-lo seria criar um monopólio sem nenhuma criatividade dada em troca desse monopólio. Seria estendê-lo em troca de nada. Esse é o princípio mais simples. E é independente de quão longo você acredita que o prazo deva ser para novas obras. Você pode acreditar que 70 anos são adequados ou não para as novas obras. Mas é pelo menos uma regra simples.

A segunda coisa é que precisamos de um sistema muito mais simples do que o atual para permitir a reutilização de conteúdo em outros meios. No contexto da música, temos uma longa tradição que tem permitido que músicos regravem obras dos outros pagando uma licença compulsória muito simples. Esse mesmo tipo de simplicidade é necessária agora para uma ampla gama de conteúdo digital. Deveria ser possível usar imagens ou trechos de filmes ao criar novas imagens ou apresentações em multimídia sem ter de procurar um advogado para entrar em contato com quem ter os direitos e depois negociar um direito particular. Temos de simplificar esse processo para que as pessoas possam pagar pelo trabalho e usá-lo de modo muito mais fácil e criativo. Além disso, temos de ser muito mais céticos a respeito da extensão dos chamados direitos derivados. Não há problema algum se o copyright for muito forte para proteger alguém de quem quiser fazer uma exata cópia do seu trabalho e simplesmente assaltá-lo desse modo. Tenho menos simpatia pelo copyright num contexto de alguém que quer fazer um trabalho derivado, como um comentário ou uma adaptação ou alguma mudança.

Isso não seria uma extensão do conceito de uso legítimo ("fair use")?

Lessig -
Um modo de expressar isso é dizer que se trata de uma extensão do direito ao uso legítimo. Mas eu preferiria dizer que é uma restrição no escopo do copyright. Originalmente, o direito autoral só cobria exatamente o mesmo trabalho. Ele foi estendido para cobrir trabalhos derivados. Quando, por exemplo, fazem um filme sobre Jornada nas Estrelas, ninguém está autorizado a fazer filmes sobre Jornada nas Estrelas ou trabalhos derivados sem a permissão do dono do copyright de Jornada nas Estrelas. Isso por causa dos direitos derivados que ele detém. Acho que isso deve ter feito feito sentido um dia, mas faz cada vez menos sentido. A idéia de que a lei proíba sites de fãs de ficção científica de ter ficção sobre os filmes de Jornada nas Estrelas me parece absurda, extrema e sem nenhum objetivo, especialmente no que diz respeito aos requisitos de uso legítimo. Deveríamos pensar de modo muito mais extenso sobre restringir o escopo dos direitos derivados. E, finalmente, mas de modo muito mais importante, temos de pensar de modo muito mais flexível nas exigências para estender o direito autoral a países em desenvolvimento. Isso também deve valer no caso das patentes. Os Estados Unidos não respeitaram o direito autoral de países estrangeiros de forma alguma até 1891. Nascemos como uma nação pirata. É hipócrita, na melhor das hipóteses, insistirmos que todo e qualquer país em desenvolvimento no mundo deva pagar por todo o nosso material protegido por direito autoral ao usá-lo. Isso é pior no contexto das patentes que impedem o desenvolvimento de drogas para salvar vidas. Em vez disso, os países em desenvolvimento (e o Brasil tem sido muito bom nisso) deveriam ter muito mais flexibilidade para poder decidir quando faz sentido respeitar os direitos à propriedade intelectual. As nações desenvolvidas devem ser muito menos irredutíveis a respeito de permitir esse tipo de flexibilidade para permitir um crescimento criativo muito maior nesses outros países.

Isso se tornou crucial aqui no caso das patentes de drogas. Mas é menos claro no caso do direito autoral ou de produtos culturais. O que o senhor acha disso? Haveria algum tipo de combate para o Brasil e países em desenvolvimento nessas arenas, para que as coisas fossem diferentes?

Lessig -
Bem. As coisas deveriam ser diferentes. Mas os Estados Unidos adotaram uma política muito danosa para essa possibilidade. Obviamente, no contexto do TRIPS (o tratado internacional para a proteção à propriedade intelectual), foi estabelecido um acordo reforçado em Doha, que permite um conjunto de direitos muito flexíveis nbo contexto dos países em desenvolvimento. Mas os Estados Unidos adotaram uma política de negociações bilaterais para, basicamente, forçar os países em desenvolvimento a assinar obrigações mais restritivas do que fariam sob um acordo multilateral. Isso é errado e imoral. Usar o poder dos Estados Unidos para forçar esses países a assumir uma posição pior do que sob o TRIPS é um dano para esses países e tem efeitos grotescos, porque as restrições impostas pelos direitos à propriedade intelectual aos países em desenvolvimento que não têm nenhuma relação com criatividade e inovação são apenas ataques aos pobres em benefício dos ricos. É um ultraje que os Estados Unidos defendam essas políticas em geral.

O senhor criou e faz parte de uma iniciativa chamada Creative Commons. O senhor poderia explicá-la aos nossos leitores? Como ele funciona? O senhor acha que ele poderia ser uma alternativa ao sistema atual baseado em propriedade intelectual?

Lessig -
O Creative Commons é uma empresa sem fins lucrativos dedicada a transmitir a maior quantidade de conteúdo possível para um espaço em que ele seja mais fácil de usar e de construir coisas com ele. A motivação para isso é nossa visão de que a lei de direitos autorais é interpretada hoje do modo mais extremo possível. Esse extremismo pode fazer sentido para alguns tipos de donos de conteúdo, mas não para a vasta maioria deles. A grande maioria dos produtores e distribuidores de conteúdo não têm muita objeção a que ele seja usado por uma série de motivos e de vários modos, mesmo que não desejem abdicar de seus direitos e colocá-lo em domínio público. Decidimos construir tecnologia e uma camada razoável de leis de direitos autorais em cima da camada atual de extremismo. A motivação foi descobrir licenças que possam ser adotadas voluntariamente para expressar a visão dos autores de que um regime mais livre é o regime em que eles acreditam.

Por exemplo?

Lessig -
Temos um punhado de licenças que podem ser adotadas e interpretadas por computadores, que dizem, basicamente, que o conteúdo pode ser usado sem fins comerciais, ou desde que a autoria seja atribuída. Estamos montando uma nova série de licenças que dirão, basicamente, que países em desenvolvimento podem usar o conteúdo ou que instituições educacionais podem usá-lo de graça. No fundo isso equivale a reservar alguns direitos, mas garantir muitas liberdades para quem quiser usar o conteúdo, para além das liberdades garantidas de uso legítimo. Se conseguirmos que muita gente construa conteúdo usando essas licenças, então poderemos ter uma camada de leis de copyright razoáveis. Isso pode começar a competir com o modelo extremo de "Todos os direitos reservado" usado pela maioria dos geradores de conteúdo.

De modo que artistas e criadores migrem naturalmente para um outro ambiente...

Lessig -
Exatamente. Temos, por exmplo, um escritor, Cory Doctorow, que acaba de publicar seu primeiro romance Down and Out in The Magic Kingdom. No mesmo dia em que era lançado nas livrarias, o livro foi posto à disposição online de graça sob uma licença do Creative Commons. Essa licença deu às pessoas a liberdade de fazer o download e imprimi-lo. Mais de 70 000 pessoas fizeram exatamente isso. Essa possibilidae tornou mais pessoas expostas ao trabalho do que se o livro estivesse disponível apenas em livrarias. E Cory acredita que, da próxima vez em que for publicar um livro, haverá muito mais gente interessada em comprá-lo e mais editoras se interessarão por publicá-lo. Essa é uma forma de dar aos artistas mais exposição, num contexto que lhes reserva alguns dos direitos. Além dos artistas, a maior parte das pessoas deveria marcar seus websites com esse tipo de licença, apenas como uma forma de dizer que acreditam que as leis de copyright devem ser mais equilibradas do que são hoje. É uma expressão desse equilíbrio licenciar o conteúdo de um modo mais livre. Acabamos de anunciar na semana passada um projeto de internacionalização. Começaremos a portar nossas licenças para a maior quantidade de países possível, de modo que essa camada de leis razoáveis de direitos autorais possa se expandir, à medida que gente de todo o mundo adotar licenças que criem uma gama maior de liberdades.

O senhor me disse uma vez que os controles são a regra em sociedades fechadas. As abertas optam naturalmente pela liberdade. Em seus escritos, o senhor menciona com freqüência exemplos como a União Soviética e o risco de que estejamos caminhando para uma Idade das Trevas em que todo o conhecimento seja propriedade de alguém. O que o senhor acha que deve ser feito politicamente para que isso não aconteça?

Lessig -
Deve haver um reconhecimento mais amplo da importância do equilíbrio no contexto da propriedade intelectual. Acredito que as sociedades fechadas adotam tecnologias de controle, e as abertas abraçam a liberdade em vez do controle. Infelizmente os Estados Unidos estão dando as costas para seu passado de sociedade liberal e abraçando muito mais o ambiente de controle de uma sociedade regulamentada. O extremismo nos direitos de propriedade intelectual é apenas um aspecto em muitas mudanças diferentes. O que deve acontecer é que as pessoas devem ter mais consciência do que está em jogo e fazer isso ao perceber o tipo de controle e de extremismo que o sistema existente está tentando impor e resistir a ele. Tenho me esforçado para ajudar a disseminar essa mensagem, mas vai custar muito mais do que o trabalho de gente como eu para fazer isso. Políticos de ambos os lados do espectro ideológico cada vez mais enxergam o perigo que o extremismo nessas questões pode criar e tentam responder a ele. Estamos perdendo agora politicamente, mas ganhamos mais e mais apoio à medida que mais gente reconhece o que está em jogo.

O senhor já entrou em contato com alguém aqui no Brasil para transferir as licenças do Creative Commons para a lei brasileira?

Lessig -
Ainda não. Embora estejamos indo para aí obviamente com a intenção de localizar esse tipo de gente. O projeto é conduzido por um alemão e estamos começando com países europeus, mas tenho muita vontade de ter alguns dos países mais progressistas fora da Europa envolvidos, e Brasil e Índia estão no alto da lista.

Se o senhor olhar para o fenômeno Linux e tentar analisá-lo, é possível dizer que ele usa as leis de copyright para torná-lo obsoleto. A GPL, a licença que desprotege o Linux, torna a propriedade intelectual virtualmente inexistente no ambiente Linux _ tanto que é chamada de copyleft. Assim foi criado um terreno comum. A maioria dos economistas que analisam o fenômeno diz que, se houver um problema no ambiente regulatório, naturalmente emergirá uma solução, as forças econômicas tomarão conta deles e o fenômeno se auto-organizará. Uma outra linha de pensamento diria que o Linux é apenas algo que está começando, que ainda não temos uma forma alternativa de desenvolver software e precisamos enfraquecer as leis de copyright. O senhor me parece pertencer à segunda linha de pensamento. O que o senhor diria àqueles que acreditam que a economia dará conta do problema?

Lessig -
Acredito na economia. Acredito que [ o economista ] Ronald Coase teve a melhor compreensão da economia e de quando a mão invisível do mercado toma conta das coisas. Ele acreditava que, quando o custo de transação é muito baixo, o mercado pode se auto-organizar em torno de um problema específico. Mas o ponto é que a lei é um dos custos de transação mais altos que existem. Temos hoje uma expansão no custo de transação da lei, e essa expansão tornará menos provável que o mercado por si só consiga resolver esse problema. Não sou contra a economia. Também não acredito que o Linux, ou mais precisamente a GPL, elimine a propriedade intelectual. Ela depende da propriedade intelectual para ser posta em ação. O sistema operacional GNU/Linux não está em domínio público. Ele é protegido por uma licença que, embora singular, é muito forte. Essa licença diz que você pode usar e copiar o código protegido por ela, mas, se você modificá-lo e redistribuí-lo, você também é pbrigado a redistribuir o código-fonte além do código-objeto. Isso é uma restrição particular imposta por meio de leis de copyright. É importante enfatizar que ele depende das leis de propriedade intelectual, e não as sabota.

Certo. Mas ele a usa para criar um terreno comum, um ambiente em que todos podem se beneficar do produto.

Lessig -
E isso é exatemente o que o Creative Commons está tentando fazer.

O que o Creative Commons aprende do mundo do Linux e o que o mundo do Linux poderia aprender com a experiência de vocês?

Lessig -
Aprendemos que há um modo de usar o sistema existente para fazer um movimento de jiu-jitsu. Copiamos esse movimento para uma quantidade de conteúdo muito mais abrangente que o software. Aprendemos que é preciso ser sensível às diferenças de contexto nas diferentes formas de propriedade intelectual. A GPL não faz sentido para todas as formas de propriedade intelectual, nem criará um modelo de negócios bem-sucedido em todos os contextos criativos. É preciso pensar, de modo pragmático, onde ela ajuda e onde não. E, com base nessa compreensão, adaptar-se. É isso o que estamos tentando fazer.

Pouco tempo atrás havia uma percepção de que a Internet não podia ser regulamentada e de que o ciberespaço sempre seria um espaço de liberdade. Mas o senhor afirma que recentemente já houve muitas tentativas de impor diferentes camadas de controle. O senhor acha que o ciberespaço pode ser regulamentado? Como? Isso deveria acontecer?

Lessig -
Bem. Primeiro, ele pode ser. Segundo, está cada vez mais regulamentado. Há pouca dúvida sobre isso se você analisar os controles impostos a quem quer colocar material nazista ou protegido pelo copyright na rede. São controles afetados pelos regulamentos já existentes. Se acho que deve ser regulamentada? Não sou contra isso em princípio. Só sou contra a má-regulamentação. Em minha opinião, fizemos um bom trabalho para impor a má-regulamentação e um mau trabalho para impor o que poderia ser uma boa regulamentação. Temos muitas regras sobre a super-extensão do direito autoral, muitas regras sobre o acesso que inibem o processo criativo. Sou contra elas. Poderíamos ter feito um trabalho melhor ao regular, por exemplo, o spam. Ao facilitar a filtragem. Ou então ao proteger melhor a privacidade. E não estamos fazendo isso. Não faço campanha contra a regulamentação, mas contra a regulamentação ruim.

Um dos maiores exemplos são as leis de direitos autorais. Há algum outro que seja tão notável?

Lessig -
Nos Estados Unidos, temos um acesso de banda larga muito ruim. Deveríamos estar em posição muito melhor em comparação com a Coréia do Sul ou o Japão. Isso por causa da regulamentação ruim que dá aos donos da rede poder demais para neutralizar a competição. Isso seria um lugar para mudar as coisas.

Da última vez em que esteve aqui, o senhor falou do espectro livre. Mencionou até o exemplo de uma reserva de índios em que estava havendo uma experiência com isso. Houve sucesso? O que poderíamos aprender com essas experiências e por que deveríamos adotar o espectro livre?

Lessig -
A única área da indústria de tecnologia que explodiu em crescimento nos últimos três anos foram as tecnologias em torno do acesso sem fio ao espectro que não é regulamentado por licenças, como as tecnologias Wi-Fi. O Wi-Fi é apenas o começo. Em minha opinião, países como o Brasil e aqueles que estão tentando construir sua infra-estrutura de telecomunicações deveriam abraçar tecnologias sem fio e sem licença, porque o que elas farão é facilitar o maior crescimento do acesso que esses países podem ter. E elas farão isso ao enfraquecer os monopólio existentes na proteção contra novos competidores. Infelizmente, os países em desenvolvimento tipicamente caem na armadilha do poder dos monopólios de se proteger. Países na África foram destruídos pela capacidade das empresas de telefonia de resistir a novas tecnologias para facilitar a comunicação, porque isso reduz as receitas das empresas telefônicas. É preciso que os governos enxerguem além do retorno de curto prazo e, em vez disso, se concentrem nos ganhos de longo prazo que virão da expansão dessas inovações tecnológicas e reconheçam que, especialmente no contexto da internet, essas tecnologias sem fio darão um modo extraordinariamente barato de expandir o acesso às telecomunicações muito, muito rápido.

O que o senhor teria dizer para convencer as empresas e homens de negócios que lidam com propriedade intelectual de que é do interesse deles que as leis de proteção sejam enfraquecidas?

Lessig -
Nada. Eu não tentaria argumentar com gente que tem uma visão tão extremista.

A melhor maneira então seria apenas tentar montar um sistema alternativo que começasse a ter sucesso e competisse com o atual.

Lessig -
Sim. É exatamente disso que precisamos.

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