A invasão do carro verde
Graças ao apelo ecológico e ao ganho econômico, os modelos movidos a gasolina e eletricidade conquistam os americanos
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h34.
Leonardo DiCaprio e Cameron Diaz já têm um. Kevin Bacon também já comprou o seu. O último a entrar na onda foi John Travolta, que propagandeia o dele no filme Be Cool -- O Nome do Jogo. Caso você ainda não tenha adivinhado, o produto em questão é a maior sensação dos últimos tempos entre celebridades, ecologistas e executivos americanos -- o carro híbrido. As vendas do veículo movido por dois motores -- um a gasolina, o outro elétrico -- mais que dobraram nos Estados Unidos nos primeiros meses de 2005, em comparação com o início de 2004. Desde 1997, a Toyota já vendeu, ao todo, 145 000 unidades do Prius, o pioneiro e mais bem-sucedido dos híbridos. Até o final do ano, espera desovar mais 100 000. Só no mês de abril, saíram 11 000 veículos, quase a quantidade vendida em todo o primeiro ano de lançamento. "O sucesso superou todas as nossas expectativas", disse a EXAME Paul Daverio, gerente de tecnologia avançada da Toyota nos Estados Unidos. Além de três modelos da Toyota, já há no mercado americano híbridos da Honda e da Ford. Com a adesão recente da Nissan e da General Motors, fica cada vez mais claro que o sonho do automóvel elétrico, que polui menos, se tornou, pelo menos em parte, realidade na forma do carro híbrido.
É verdade que o total de híbridos mal chega a 1% do mercado americano, o único no mundo em que eles têm alguma relevância. Também é verdade que 30% das vendas ainda são realizadas num único estado, a Califórnia, cuja cultura peculiar tende a acolher com avidez qualquer produto que misture tecnologia com ecologia em doses elevadas. Mas o fenômeno já transcendeu os ecochatos do Vale do Silício. De acordo com a Toyota, as vendas do Prius e dos demais modelos híbridos têm crescido vertiginosamente também em estados associados a negócios bebedores de petróleo, caso do Texas, terra natal do presidente George W. Bush. O próprio Bush criou uma dedução de impostos para estimular os veículos limpos. Graças a isso, estudos da consultoria JD Power & Associates, da Booz Allen Hamilton e da Universidade de Michigan situam a venda de híbridos nos Estados Unidos em 2010 entre 500 000 e 2 milhões de unidades, o que já representaria algo como 3% do mercado total.
O híbrido chegou às lojas | ||
Compare os híbridos à venda nos Estados Unidos com os modelos convencionais correspondentes | ||
mais caro | mais econômico | |
Toyota Prius(1) | 32,5% | 38% |
Toyota Lexus | 29% | 28% |
Toyota Highlander | 26,5% | 30% |
Honda Civic | 17% | 29% |
Honda Accord | 12% | 27% |
Ford Escape | 18,5% | 30% |
(1) Comparado com o Toyota Corolla LE Fonte: Business Week |
Nada mau para uma tecnologia que, alguns anos atrás, era vista como um delírio, capaz apenas de produzir veículos que pareciam desligados quando paravam, demoravam para acelerar e precisavam ficar na tomada o dia todo para andar algumas poucas horas. A empresa responsável pelo salto tecnológico capaz de trazer ao mercado algo que, embora diferente dos sonhos de laboratório, atraísse o consumidor foi a japonesa Toyota. O Prius não precisa ser ligado à tomada, pois suas baterias são recarregadas com a energia gerada pelo movimento e pela frenagem do carro. Na última versão, ele alcançou tempos de aceleração comparáveis aos de modelos a gasolina. Por fim, mais que o apelo ecológico, o que deu maior impulso às vendas foi o fator econômico. "Embora sejam até 30% mais caros que carros comuns, os híbridos elétricos economizam de 25% a 45% de combustível. Quando o preço for mais competitivo, os híbridos serão mais comuns", diz Daverio.
O salto tecnológico dado pela Toyota representou a primeira revolução real na forma como funcionam os carros desde que Gottlieb Daimler e Wilhelm Maybach patentearam o motor a combustão, no longínquo ano de 1885. De lá para cá, tudo o que a indústria automotiva fez em termos tecnológicos foi aperfeiçoar o mesmo sistema de locomoção, baseado na queima de combustíveis fósseis. Mesmo os modelos que funcionam com álcool e gasolina -- e devem se tornar cada vez mais comuns no Brasil -- não passam de adaptações evolutivas do motor a combustão. Em termos tecnológicos, a competência da indústria automotiva foi apenas mediana diante de outras indústrias -- de acordo com uma célebre anedota do Vale do Silício, se os carros tivessem evoluído tanto quanto os computadores nos últimos 30 anos, eles andariam a mais de 15 000 quilômetros por hora, pesariam 15 quilos, fariam mais de 400 quilômetros com 1 litro de gasolina e custariam menos de 150 reais. A resposta da indústria de Detroit a essa anedota tem sido outra piada: "Você gostaria de dirigir um carro que quebra duas vezes por dia?" Agora, com o carro híbrido, finalmente há uma resposta melhor.
A idéia do híbrido não é nova. Nos primórdios do automobilismo, o motor a combustão disputava o melhor desempenho com congêneres elétricos ou a vapor. A primeira patente de um automóvel que funcionava com um motor a combustão auxiliado por outro elétrico foi depositada em 1905. Mas os motores exclusivamente a gasolina saíram vencedores na disputa pelo melhor desempenho. A crise do petróleo, porém, pôs a indústria automotiva em alerta desde os anos 70. Enquanto várias empresas apostavam -- e algumas ainda insistem -- num modelo movido puramente a eletricidade, com base em células de combustível recarregadas com hidrogênio, a Toyota resolveu criar o híbrido. Nos anos 90, a empresa conseguiu vencer o maior obstáculo tecnológico à viabilidade do produto: a coordenação dos dois motores. A resposta veio, ironicamente, do Vale do Silício. "O sistema de controle -- hardware e software -- foi nosso maior desafio", disse a EXAME David Hermance, engenheiro executivo do Centro Técnico da Toyota na Califórnia, responsável pelo projeto do Prius. Nenhum pesquisador duvida de que, no futuro, os carros serão exclusivamente elétricos e recarregados com hidrogênio. Mas esse futuro só deve chegar daqui a uns 20 anos. E boa parte da tecnologia que o tornará possível acabará sendo fruto da evolução dos híbridos.
Como funciona o carro híbrido |
Com dois motores (um elétrico e outro a gasolina), o híbrido recorre a um sofisticado sistema para otimizar o uso da energia |
1- Motor convencional movido a gasolina, é usado em altas velocidades. Também recarrega as baterias |
2- Motor elétrico acionado na partida, em baixas velocidades e quando o outro motor precisa de ajuda |
3- Baterias alimentam o motor elétrico. Não precisam ser ligadas à tomada durante a vida útil do carro |
4- Freios também alimentam as baterias com a energia gerada pela frenagem do carro |