Revista Exame

Japão quer um mercado de trabalho com idosos mais fortes

Para enfrentar os desafios do envelhecimento da população, o Japão procura um mercado de trabalho com mais idosos e mais equidade

Mantendo a forma: um em cada quatro japoneses tem 65 anos ou mais de idade | Yuya Shino/Getty Images /

Mantendo a forma: um em cada quatro japoneses tem 65 anos ou mais de idade | Yuya Shino/Getty Images /

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Da Redação

Publicado em 5 de julho de 2018 às 05h00.

Última atualização em 5 de julho de 2018 às 05h00.

Localizada em Sumida, na região metropolitana de Tóquio, a Hamano Products, pequena indústria de metalmecânica, parece uma janela para o futuro. Uma de suas principais apostas é uma parceria para desenvolver uma turbina eólica com um novo design, atualmente em fase de testes. A empresa acredita que seu modelo é à prova de tufão, sonha com uma fatia do mercado japonês e, quem sabe, do mundial. Mas, independentemente do que venha a ocorrer com a turbina, a Hamano já é uma empresa, digamos assim, à frente de seu tempo. Quase 20% de sua mão de obra tem mais de 50 anos de idade. Em 2011, a procura por um novo operador para uma das máquinas de estampagem de metal de sua linha acabou quando encontraram Noboru Saito, na época com 69 anos. No 1o andar da fábrica da Hamano, onde um aspirador à disposição deixa claro que nem a poeira é permitida ali, Saito faz suas tarefas e serve de consultor para os colegas mais novos. Ainda disposto e forte aos 76 anos, Saito não tem a menor ideia de quando vai se aposentar.

O Japão está na vanguarda da onda do cabelo branco. A expectativa de vida, de 83,7 anos, é a maior do mundo. “Os japoneses estão vivendo mais graças a fatores como um sistema de saúde universal, eficiente e relativamente acessível”, diz Andrew Gordon, professor de história do Japão na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. A permanência de pessoas mais velhas no mercado de trabalho também tem relação com a contínua queda da taxa de natalidade. No final dos anos 70, nasciam cerca de 2 milhões de crianças japonesas por ano. Em 2016, o número de nascimentos caiu para menos de 1 milhão pela primeira vez em décadas, e a previsão é que a queda continue. Líder em longevidade e, ao mesmo tempo, integrante do pelotão dos países de baixa natalidade, o Japão fica devendo no cálculo da demografia.

A população japonesa está encolhendo desde o começo desta década, quando atingiu o pico de 128 milhões. Pelas estimativas do Instituto Nacional de Pesquisa da População e de Seguridade Social do Japão, os japoneses serão 88 milhões em 2065. Sabendo que há um limite para o uso de expressões do tipo “os 80 anos são os novos 70, os 70 anos são os novos 60 e os 60 são os novos 50”, muitos especialistas apontam a necessidade de o Japão recorrer à imigração. Mas essa parece ser uma opção politicamente inaceitável num país onde a unidade étnica é vista como uma virtude. O influxo anual de imigrantes está na casa dos 50 000 e inclui estudantes e trabalhadores temporários. Para recuperar a população já perdida e estabilizar o encolhimento, o país precisaria atrair imigrantes permanentes e o fluxo teria de ser quase dez vezes maior.

Velhinho produtivo: aos 76 anos, Noburu Saito segue firme como operador de máquina na metalúrgica Hamano, perto de Tóquio | Eduardo Salgado

O envelhecimento visto no Japão é uma prévia do que está por vir, em menor ou maior medida, em várias partes do mundo. A população mundial está ficando velha. Em 2015, apenas uma pessoa tinha 60 anos ou mais em cada grupo de oito. Na metade deste século, a proporção chegará a uma para cinco, segundo prevê a Organização das Nações Unidas. Em 2030, o mundo terá mais idosos do que crianças de até 9 anos. O quadro é atualmente mais agudo em países ricos — além do Japão, Itália, Alemanha, Finlândia e Portugal enfrentam essa questão. Mas esse fenômeno será sentido também em países em desenvolvimento. “Em termos demográficos, o Japão hoje é parecido com o que o Brasil será daqui a algumas décadas”, diz o médico brasileiro Alexandre Kalache, presidente da Aliança Global de Centros Internacionais da Longevidade, uma rede de estudos. A fatia de pessoas com 60 anos ou mais na população brasileira deverá sair dos atuais 13% para 29% em 2050 pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Nem todos os países que estão ficando mais velhos vão ver o encolhimento da população. Para que isso ocorra é preciso que o número de nascimentos e a imigração caiam a um nível inferior ao de mortes. As Nações Unidas estimam que nas próximas três décadas esse vai ser o caso de 51 países, entre os quais Bulgária, Croácia, Polônia e Ucrânia. No Brasil, o encolhimento vai demorar um pouco mais para ocorrer. A população brasileira deve continuar crescendo até 2050, alcançando 232 milhões. Olhando mais para a frente é que o número começa a cair e pode chegar a 190 milhões no final do século.

Numa escala global, o envelhecimento é resultado da vitória da civilização. É um claro sinal de mais acesso à educação, a oportunidades de emprego e a serviços de saúde muito mais tecnológicos e eficientes do que nossos pais e avós tiveram. Ao mesmo tempo, também é verdade que a conquista da longevidade traz novos desafios. Que o diga o Japão. A proporção de japoneses em idade de trabalho em relação à dos que são dependentes está caindo, o que significa menos gente para pagar as contas de aposentadorias e serviços de saúde e fazer a economia crescer. Em conversas no banco central do Japão, economistas não escondem a preocupação. Analistas do setor privado concordam. “Olhando para a frente, o envelhecimento da população é o maior desafio econômico do Japão”, diz Takahiro Sekido, estrategista em Tóquio do banco japonês MUFG, parte do Mitsubishi UFJ Financial Group, um dos mais importantes grupos do setor financeiro no país.

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Como demografia é destino, no sentido de que as tendências não são revertidas rapidamente, a opção é acionar as forças atualmente subutilizadas. Uma delas é o grupo dos idosos. O país precisa de mais velhinhos que trabalhem, como Saito, o operário da foto ao lado. No Japão, a aposentadoria é aos 65 anos de idade, mas existe a percepção dentro do governo de que será necessário aumentá-la. Quase 30% dos homens com 65 ou mais anos continuam trabalhando. Na Alemanha, o percentual é de 8%; e na França, de 3%. Como ressalta Yukihiro Matsuyama, diretor de pesquisa no Canon Institute for Global Studies, um centro de pesquisa com sede em Tóquio, o problema é que nem todo mundo concorda com as mudanças. “Quando se vive na ‘democracia do cabelo branco’, com muitos eleitores idosos, os políticos relutam em alterar certos benefícios”, diz Matsuyama.

Às margens do Rio Katsura, que corta a cidade de Kyoto, a 3 horas e meia de trem de Tóquio, Katsuhito Matsumi faz uma pausa no trabalho de remoção de pedras com uma retroescavadeira e conta que contribui para a previdência pública e também para um fundo privado. Aos 53 anos, dono de uma microempresa de construção com apenas quatro empregados, Matsumi diz que já fez as contas. Os dois fundos só vão gerar uma renda que ele considera satisfatória se continuar trabalhando até os 80 anos. Matsumi não pretende parar até lá, mas se pergunta se terá saúde para continuar fazendo o trabalho pesado de molduras de madeira para concreto, sua especialidade. “Se o governo aumentar a idade mínima da aposentadoria e eu não tiver força física para trabalhar, vou me sentir como se estivesse sendo morto”, diz Matsumi.

Womenomics

Ainda que o governo consiga levar situações como a de Matsumi em conta, vença as resistências a mudanças e passe uma lei com uma nova idade mínima, o problema da falta de braços não estará resolvido. Outra meta igualmente importante é elevar a presença das mulheres no mercado de trabalho. Atingindo os dois objetivos, a situação muda de cara. “Se a participação de mulheres de 31 a 40 anos e de homens de 61 a 70 subir no mercado de 10 a 15 pontos percentuais, o tamanho da força de trabalho deverá se estabilizar até 2030”, disse recentemente numa palestra nos Estados Unidos Atsushi Seike, professor de economia do trabalho e ex-presidente da Universidade Keiko.

Ikumen: assim são chamados os homens que estão se envolvendo mais na criação dos filhos | Issei Kato/Reuters

A executiva Mika Matsuo chefia o setor de recursos humanos da AIG, multinacional americana do setor de seguros, no Japão e na Coreia do Sul, à frente de uma equipe de 80 funcionários. Depois de terminar a pós-graduação em administração nos Estados Unidos nos anos 80, ela voltou para o Japão. Quando casou, combinou com o marido que não deixaria de investir na carreira mesmo após o nascimento do filho. Trabalhou por mais de uma década no Citibank, foi para o JP -Morgan Chase, outro banco americano, passou pela agência de avaliação de risco Moody’s e pelo banco Tokyo Star — a maior parte do tempo em cargos do alto escalão. Um dos problemas do Japão é que trajetórias como a de Mika são raríssimas. As mulheres são metade da população, mas ocupam menos de 20% dos cargos da gerência para cima. O índice é baixo em comparação ao de Estados Unidos, boa parte da Europa e também do Brasil — todos acima de 35%. As japonesas também são sub-representadas nos chamados “empregos para toda vida” das grandes corporações e acabam tendo uma fatia desproporcionalmente grande dos empregos mal pagos de meio turno. No quesito igualdade de pagamento para homens e mulheres com a mesma posição, o Japão fica na posição número 52 no mundo, de acordo com o mais recente relatório sobre as distâncias entre gêneros do Fórum Econômico Mundial, com sede na Suíça. É melhor do que o Brasil, na 114a posição, mas ainda assim é um papelão em comparação com outros países ricos. “Por causa do problema do envelhecimento, o governo tem tentado mudar essa situação”, afirma Mika.

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Em 2015, o primeiro-ministro Shinzo Abe lançou a ideia de “ativar” a participação das mulheres. O objetivo de Abe era incentivar a entrada feminina no mercado de trabalho e sua ascensão profissional. Pela nova lei aprovada no Parlamento naquele mesmo ano, as empresas com mais de 300 empregados passaram a ter a obrigação de analisar sua situação em áreas como número de mulheres recrutadas, fatia feminina nos cargos de gerência e número de horas trabalhadas por todos os funcionários. Para pelo menos uma das áreas, as empresas tiveram de traçar uma meta. Parte delas escolheu a redução da carga horária. Fazia todo o sentido. “Uma das razões que explicam o baixo número de gerentes mulheres é a cultura de jornadas longas”, diz Makiko Tachimori, presidente da Harmony Jinzai, empresa de procura de executivas com sede em Tóquio.

Quando o assunto é hora extra, os japoneses são um páreo duro. De acordo com a economista Yoko Tanaka, professora de estudos japoneses na Universidade de Tsukuba, que faz pesquisas por amostras mais detalhadas do que as conduzidas pelo governo, a média de horas trabalhadas por semana está em 53, impossível para mulheres com filhos que não contam com a ajuda do marido, situação que é quase uma regra no Japão. De um grupo de sete países ricos, que inclui Japão, Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia e Noruega, os japoneses são os pais de filhos pequenos que menos ajudam a mulher nas tarefas domésticas e nos cuidados com a criança — em média, 1 hora e meia por dia. Os franceses, os mais próximos, ajudam o dobro do tempo. Num país onde impera a hora extra, o papel destinado ao homem é trabalhar e se desconectar das coisas da casa.

Como às vezes ocorre, as regras mudam, mas a cultura é mais forte. Uma das novas palavras surgidas depois de começarem as tentativas de reduzir as horas extras foi furarimen. É a fusão de duas outras expressões. Furari frurari, que significa “caminhar de forma trôpega”, e sararimen, uma corruptela do inglês –salary men, que no Japão é sinônimo de “homens provedores que trabalham longas horas”. Embaladas pela nova lei, empresas começaram a apagar as luzes e a expulsar os funcionários dos escritórios. Mas boa parte deles, em vez de ir para casa dividir com a mulher os afazeres domésticos, passou a encher os bares ou a tomar bebidas alcoólicas em parques. Com os sararimen caminhando de forma meio furari frurari ao sair de bares e parques, não demorou a surgir a nova palavra. Há ainda outro fenômeno chamado –mochikaeri-zangyo. São funcionários de empresas que reduziram as horas, mas não a carga de trabalho. Esses acabam enchendo os cafés ou vão para casa trabalhar.

Caminhos ainda desiguais: o Japão está entre os países em que a presença de mulheres em cargos executivos é muito inferior à de homens | Xavier Arnau/Getty Images

Mesmo com todos os percalços, a reforma de Abe costuma ser elogiada por grupos de feministas. Eles argumentam que os papéis de homens e mulheres não mudam de uma hora para a outra. E dizem que algumas transformações começam a ser sentidas. Em março, a Toyota anunciou Teiko Kudo, alta executiva do Sumitomo Mitsui Banking Corp, uma instituição financeira, como a primeira mulher a ter lugar em seu conselho de administração. O número de funcionários públicos que passaram a fazer uso da licença-paternidade também está subindo. De quase nada chegou a 10% no ano passado. É uma vitória dos ikumen, neologismo criado para descrever uma nova geração de homens que se envolvem ativamente na criação dos filhos. A esperança é que um maior apoio dos homens torne a maternidade menos assustadora e ajude as mães a não abandonar a carreira profissional.

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A resposta sobre se o Japão conseguirá enfrentar os desafios do envelhecimento e o encolhimento da população vai depender de vários embates na sociedade. Um deles é entre idosos como o operário de 76 anos, ainda na ativa na fábrica em Tóquio, e profissionais como o dono da pequena construtora em Kyoto, contrário à mudança da idade mínima para aposentadoria. Há também a disputa entre mulheres e chefes machistas, que pagam mais a homens no mesmo cargo. E, sim, existe ainda o embate entre os pais ativos na criação dos filhos e os trôpegos alcoolizados. Pelo ganho possível, todas são batalhas que vale a pena enfrentar. 

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