Taciana Mello, da Credicard: dificuldade em achar uma nova vaga depois de anos afastada do mercado (Leandro Fonseca/Exame)
Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.
A carreira da publicitária Taciana Mello, de 52 anos, sempre foi voltada para a área de marketing. Após passagens em diferentes multinacionais, ela chegou a ser líder da área de uma grande consultoria no Brasil. Em 2012, a profissional decidiu que era hora de experimentar a vida no exterior.
Ela e a família mudaram para a Califórnia, nos Estados Unidos, onde passaram seis anos, durante os quais Mello se dedicou a estudar de antropologia a design thinking e chegou até a desenvolver um projeto sobre empreendedorismo feminino mundo afora.
Apesar de trazer na bagagem novas experiências, a volta ao mercado de trabalho no Brasil foi mais difícil do que ela imaginava. “Achava que tinha um currículo robusto em termos de formação e de experiência profissional e comecei a partir daquele momento a procurar vagas que estivessem absolutamente alinhadas à minha experiência profissional, ao meu perfil”, afirma ela. Embora fosse chamada para processos seletivos, as conversas não evoluíam. “Obviamente não era explícito, mas aos poucos a questão do etarismo foi ficando mais clara”, diz Mello.
Menos discutido entre pautas de inclusão e boas práticas empresariais, o etarismo é o preconceito relacionado à idade. Seus efeitos, porém, são igualmente onerosos tanto para quem é afetado como para a economia e para as companhias que fazem distinção quanto à idade de seus funcionários.
Um dos trabalhos científicos mais abrangentes do mundo sobre o assunto, conduzido por pesquisadores da Universidade Yale, nos Estados Unidos, analisou 422 estudos sobre o tema, nos quais participaram mais de 7 milhões de pessoas em todo o planeta. Os dados revelados são impressionantes.
Segundo a pesquisa de Yale, idosos enfrentam preconceito por sua idade em todas as fases do ciclo de emprego. Em 91% dos estudos analisados, os empregadores eram significativamente menos propensos a contratar candidatos mais velhos do que mais jovens. Uma vez empregados, os trabalhadores mais velhos tiveram menos acesso a formação em 79% das análises, e aqueles que enfrentavam o preconceito de idade no local de trabalho tinham maior probabilidade de se aposentar mais cedo, evidenciada em 62% dos estudos.
Para além da saúde e da qualidade de vida da população, esse tipo de preconceito tem impactos econômicos negativos. O Relatório Global sobre Etarismo, publicado pela Organização das Nações Unidas no início deste ano, calcula que o preconceito relacionado à idade custa bilhões de dólares à sociedade todos os anos.
Uma estimativa da Comissão de Direitos Humanos da Austrália, por exemplo, mostra que, se 5% mais pessoas com 55 anos ou mais estivessem empregadas, o país teria uma adição de 48 bilhões de dólares australianos (o equivalente a 35 bilhões de dólares) em sua economia todos os anos.
No Brasil, ainda não há estudos sobre o impacto do etarismo no mercado de trabalho e na sociedade, porém a questão tem ganhado força entre as pautas de inclusão do setor privado conforme o envelhecimento da população e a inversão da pirâmide etária do país aceleram.
Entre 2012 e 2019, a proporção das pessoas acima de 50 anos no Brasil aumentou de 23,5% para 28% da população total do país, segundo dados da Pnad Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As projeções do instituto para os próximos anos apontam para uma alta crescente da população de idades mais avançadas e uma redução da população de crianças e jovens proporcionalmente — e a expectativa é que a população de 50 anos ou mais cresça cada vez mais nas próximas décadas. Os dilemas dessa fatia da população, no entanto, são bem visíveis no presente.
Na pandemia, a taxa de desemprego entre os que têm 50 ou mais atingiu 7%, o maior índice desde 2012. Historicamente, a falta de emprego entre os mais velhos é menor em comparação com a população geral, uma vez que só é considerado desempregado quem está à procura de recolocação. E no grupo dos 50 anos ou mais há quem já esteja usufruindo de renda da aposentadoria e busque apenas renda complementar.
Pensando na mudança do perfil da população brasileira, o empreendedor Mórris Litvak fundou a Maturi, empresa que trabalha com inserção e recolocação de pessoas acima de 50 anos no mercado de trabalho. “O público consumidor envelhece e a força de trabalho também. Isso vai afetar os negócios, queiram as empresas ou não”, afirma Litvak.
Foi justamente por meio da Maturi que Taciana Mello, a profissional citada no início desta reportagem, encontrou uma nova oportunidade no mercado de trabalho na Credicard, operadora de cartões do banco Itaú, em fevereiro deste ano. Mello passou por um processo de seleção intenso e concorridíssimo, com várias etapas entre entrevistas e dinâmicas, mas percebeu a abordagem diferente ao longo das fases de recrutamento: o interesse em como sua experiência acumulada poderia ser útil na organização.
A publicitária foi escolhida entre os seis profissionais de um projeto pioneiro dentro do Itaú chamado Consultores 50+. “A ideia era contratar pessoas para vagas realmente estratégicas, para trabalhar com proposta de valor, construção de produto, desenvolvimento e apoio de times técnicos”, diz Priscilla Ciolli, superintendente da Credicard. Nada menos do que 2.500 se candidataram para a primeira fase de seleção. “Pensei: ‘Como é que existem 2.500 pessoas precisando de emprego, e a gente não olha para elas?’ O mercado realmente exclui esses profissionais.”
Outra motivação veio de dentro da própria Credicard. Com uma forte concentração de profissionais de 20 a 30 anos nos times da empresa, os líderes da companhia começaram a perceber que muitos clientes não estavam entendendo o que a turma mais jovem da Credicard estava falando. “A gente começou a ficar ‘descolado demais’, de modo que pessoas acima de 40 anos às vezes nem entendiam o que a gente estava querendo dizer”, lembra Ciolli. “Se 38% da nossa base de clientes está nessa faixa etária, como a empresa vai entender o que eles estão falando e querendo se não tivermos pessoas com essa visão dentro da equipe?”
A chegada dos consultores 50+ em fevereiro de 2021 trouxe aprendizados para diferentes times. “No meu dia a dia, no trabalho na Credicard, muitas vezes tenho de lidar com jovens profissionais que têm a idade dos meus filhos. A gente fala muito em conflito de gerações, e muitas vezes ele é real. Mas o aprendizado é absolutamente contínuo e intenso”, conta Mello, cujo mentor na companhia tem 25 anos de idade. “Fui extremamente bem acolhida desde o primeiro dia como parte da equipe, como uma pessoa que colaboraria, que tinha experiência para agregar, mas ao mesmo tempo tinha a aprender.”
Os ganhos também foram percebidos pela turma dos 20 e poucos anos na interação com os 50+. A administradora recém-formada Letícia Reche, de 24 anos, começou na Credicard em 2018 como estagiária e hoje é analista de negócios digitais. Como típica representante da geração Z (a dos jovens nascidos depois de 1995), tecnologia nunca foi problema para Reche, o que facilitou também a migração do trabalho presencial para o remoto com o estouro da pandemia.
Foi justamente nesse cenário, com todo mundo fora do escritório e trabalhando à distância, que chegou o novo membro do time: o analista da área de rentabilização Antonio Alfredo Silva, de 55 anos. “Trocamos ideias e experiências. Enquanto eu sei mais dos produtos da companhia, estou há três anos e meio aqui, ele compartilha sobre soluções que vivenciou em outras empresas ao longo da carreira. Os dois aprendem juntos”, diz Reche. “É como a gente costuma dizer aqui: ultrapassadas são as coisas, não as pessoas.”
A mescla de gerações no ambiente de trabalho permite que um repertório corporativo mais amplo contribua para a solução dos problemas das companhias. “Quanto vale o aprendizado daqueles que vivenciaram, na prática, várias crises econômicas? Quanto vale o conhecimento conquistado por meio dos erros já cometidos? Esses diferenciais, que não se aprende em cursos, são extremamente valiosos no mercado de trabalho”, diz Mauro Wainstock, CEO da Hub 40+, consultoria empresarial focada em profissionais e público acima de 40 anos.
Para as empresas que começam a implementar políticas e programas de inclusão etária, os especialistas citam medidas essenciais para a superação do preconceito etário nos processos empresariais. A primeira é a introdução de debates e reflexões sobre o assunto entre os funcionários e a liderança da empresa com, por exemplo, grupos de discussão focados no tema. “É necessário mostrar para a organização que é um assunto que passa por todo mundo e vai ser cada vez mais estratégico para o negócio, mas precisa começar pela liderança”, diz Litvak, da Maturi.
A implementação de ações que aumentem na prática a contratação de pessoas com mais idade é urgente. O especialista ressalta que, à medida que mais funcionários de gerações mais velhas entram no ambiente de trabalho, o preconceito tende a diminuir. “Trazendo esses profissionais preparados e aptos ao trabalho para dentro de casa, a empresa quebra o paradigma na prática”, afirma.