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Acúmulo de denúncias e investigações coloca Donald Trump na defensiva

O aprofundamento das investigações contra o presidente americano compromete sua situação no poder — e atrapalha os planos para uma reeleição

Donald Trump: o Congresso ampliou as investigações contra o presidente | Cheriss May/Sipa USA/FotoArena (Cheriss May/Sipa/Divulgação)

Donald Trump: o Congresso ampliou as investigações contra o presidente | Cheriss May/Sipa USA/FotoArena (Cheriss May/Sipa/Divulgação)

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Filipe Serrano

Publicado em 14 de março de 2019 às 05h40.

Última atualização em 14 de março de 2019 às 11h32.

Participação na interferência da Rússia nas eleições presidenciais. Pagamentos ilegais para abafar a relação com uma atriz pornô. Obstrução de Justiça por demitir o diretor do Departamento Federal de Investigação, conhecido como FBI. Financiamento ilegal de campanha. Sonegação fiscal. A lista de acusações contra Donald Trump é longa e tem assombrado o presidente americano desde o início do mandato. Seu envolvimento direto em crimes por enquanto não está comprovado, mas nunca as investigações estiveram tão perto do presidente.

Alguns dos assessores mais próximos de Trump foram julgados e condenados à prisão, incluindo Paul Manafort, chefe da campanha presidencial de Trump em 2016. Outro condenado é Michael Cohen, advogado que trabalhou para Trump por uma década. No fim de fevereiro, Cohen disse num depoimento explosivo ao Congresso americano que seu ex-chefe é um “racista”, um “charlatão” e uma “fraude”.

O advogado ainda apresentou cheques com a assinatura de Trump que diz ter recebido para compensar o pagamento de 130.000 dólares à atriz pornô Stephanie Clifford, conhecida como Stormy Daniels. O dinheiro fazia parte de um acordo para que ela não falasse sobre um caso com Trump em 2006. Segundo a acusação, o pagamento tinha finalidade eleitoral e a omissão do gasto nas contas da campanha é crime. Detalhe: Trump já estava na Casa Branca quando assinou os tais cheques.

O depoimento de Michael Cohen foi o baque político mais duro de Trump até agora. Mas, se depender da oposição do Partido Democrata no Congresso, a situação do presidente ficará ainda mais delicada daqui para a frente. Como os deputados democratas agora detêm a maioria dos assentos na Câmara e a liderança das principais comissões, eles estão ampliando como nunca as investigações contra o presidente.

Um exemplo: depois da fala de Cohen, a Comissão de Justiça da Câmara abriu uma nova frente de investigação sobre as suspeitas de financiamento ilegal de campanha, abuso de poder e obstrução de Justiça. Só essa comissão solicitou documentos a 81 pessoas, órgãos do governo, associações e empresas. Entre eles estão executivos que trabalharam na empresa da família, a Organização Trump, e que foram mencionados por Cohen em seu testemunho.

Há ainda outras frentes de investigação. Uma delas analisa se Trump deveria ser obrigado a tornar pública a declaração de imposto de renda (assim como fizeram todos os presidentes desde Richard Nixon). Outra ala investiga se a filha Ivanka Trump usou indevidamente uma conta de e-mail pessoal para tratar de assuntos do governo.

Por fim, Trump enfrenta ainda a investigação sobre a interferência da Rússia, conduzida pelo promotor especial Robert Mueller, que deve apresentar um relatório final a qualquer momento. “O depoimento de Cohen gerou várias pistas adicionais. Mesmo que isso não leve a um impeachment, poderá manter o presidente na defensiva enquanto ele e sua equipe combatem as intimações, resistem às investigações e enfrentam uma sequência de notícias ruins”, diz Eric Schickler, professor de ciência política na Universidade de Berkeley, na Califórnia, e coautor do livro Investigating the President: Congressional Checks on Presidential Power (“Investigando o presidente: o papel do Congresso em controlar o poder presidencial”, numa tradução livre).

Michael Cohen, ex-advogado de Trump no Congresso: o presidente é um “racista”, um “charlatão” e uma “fraude” | Carlos Barria/REUTERS

A questão agora é se as investigações de fato vão levar, ou não, a um enfraquecimento político do presidente. A imagem de Trump não é das melhores desde a campanha de 2016, quando o atual presidente dos Estados Unidos chamou imigrantes mexicanos de “estupradores”, zombou de um deficiente físico e insultou as mulheres numa conversa com um apresentador de TV, gravada em 2005. Numa pesquisa de opinião recente, 71% dos americanos disseram que o presidente não é um bom modelo para as crianças.

Ainda assim, o republicano continua energizando milhares de pessoas em seus comícios. Apenas uma minoria dos eleitores republicanos acredita que Trump tenha cometido crimes e defende a abertura de um processo de impeachment contra o presidente. Mesmo com tantas denúncias, polêmicas e escândalos, os americanos que se identificam com os republicanos continuam tendo uma visão positiva do presidente e de seu governo, principalmente no que diz respeito à condução da economia.

Nesse grupo, Trump tem apoio quase unânime. Já entre as pessoas com preferência pelos democratas a situação é a inversa. Isso ajuda a explicar por que, mesmo diante das graves acusações, os deputados e senadores do Partido Republicano continuam defendendo o presidente. Durante a audiência de Michael Cohen, a estratégia dos republicanos foi colocar em dúvida a credibilidade do advogado de Trump porque ele confessou ter mentido em seu primeiro depoimento ao Congresso, feito por escrito, em 2017.

A história americana mostra que, enquanto um presidente consegue manter uma aprovação alta entre os eleitores de seu partido, ele tende a se livrar de acusações no Congresso ou até mesmo de um processo de impeachment. Foi assim com o ex-presidente Bill Clinton em 1998. Na época, sua aprovação entre os democratas era de 90%. O processo de impeachment até passou na Câmara, mas não atingiu os votos necessários no Senado. Já a aprovação do presidente Richard Nixon entre os eleitores republicanos havia caído de 91% para 50% durante as investigações do caso Watergate entre 1972 e 1974.

Nixon renunciou quando ficou claro que o Congresso tinha os votos necessários para afastá-lo. “Num processo de impeachment, é importante observar não apenas os membros democratas do Congresso mas também os do partido do presidente. Se eles ficarem do lado dele, o impeachment pode ser um grande esforço inútil”, diz Michael Gerhardt, professor de direito constitucional na Universidade da Carolina do Norte.

Enquanto um processo de impeachment contra Trump ainda parece distante no horizonte, a dor de cabeça mais imediata para o presidente é o reflexo das investigações em sua campanha à reeleição em 2020. Uma profusão de acusações e escândalos tende a afastar os eleitores que não se identificam com nenhum dos partidos e ora votam em candidatos democratas, ora em republicanos.

“Embora o presidente Trump ainda tenha um apoio forte de sua base eleitoral, o que importa são os cerca de 30% de eleitores americanos chamados de swing voters [eleitores-pêndulo], que determinam o resultado da maioria das eleições”, diz John Campbell, professor de sociologia na Universidade de Dartmouth, uma das melhores do país. Moderar o discurso nunca foi o forte de Trump. E, com as investigações em sua cola, o presidente está diante de um impasse dos grandes. 

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