Revista Exame

Os mascates de 400 milhões de reais

Como o ex-vendedor de rua Jeroslau Pauliki e seu filho Márcio transformaram a paranaense MercadoMóveis em uma das redes de varejo que mais crescem no interior do Brasil

Jeroslau Paulik, o fundador, e seu filho Márcio: plano safra e festa com tapete vermelho para clientes fiéis (Germano Lüders/EXAME.com)

Jeroslau Paulik, o fundador, e seu filho Márcio: plano safra e festa com tapete vermelho para clientes fiéis (Germano Lüders/EXAME.com)

Tatiana Vaz

Tatiana Vaz

Publicado em 14 de abril de 2011 às 12h05.

Aos 8 anos de idade, Jeroslau Pauliki iniciou sua longa trajetória de vendedor. Nascido em 1944 na pequena Arapoti, no interior do Paraná, filho de um casal de imigrantes ucranianos, ele batia de porta em porta para oferecer os pirulitos que a mãe fazia em casa e as verduras plantadas pelo pai. Quase seis décadas depois, Pauliki é um dos representantes de uma leva de empreendedores brasileiros que prosperaram graças à expansão do interior do país. Esse interior, com empresas e renda em crescimento, foi a base para que Paulik erguesse a MercadoMóveis, uma rede de 140 lojas de móveis e eletroeletrônicos — mais de um terço delas inaugurado nos últimos três anos. Em 2010, o faturamento cresceu 40% — ou 26 vezes a média do mercado, atingindo 400 milhões de reais. “Crescemos porque conseguimos entender as necessidades das pessoas que moram nas pequenas cidades”, diz Pauliki, hoje com 67 anos.

Como tantos outros empreendedores, Pauliki começou seu negócio quase por acaso. No final da década de 70, ele trabalhava como auxiliar de escritório em uma loja de materiais para tapeçaria e marcenaria em Ponta Grossa, no interior paranaense. Ao cobrar um cliente, recebeu móveis em troca da dívida. Como tentativa de recuperar o capital do chefe, colocou as mercadorias à venda num canto improvisado da loja onde trabalhava. Tudo foi vendido rapidamente em poucos dias. O patrão de Pauliki recuperou seu dinheiro, mas perdeu o funcionário. Animado com a experiência, ele pediu demissão para abrir sua própria empresa.

A expansão recente da MercadoMóveis resulta da combinação entre o aumento do consumo da população de baixa renda e uma tática de guerrilha para atrair esses novos consumidores. Todas as lojas da rede — à exceção das dez de Curitiba — estão localizadas em municípios com até 150 000 habitantes, aonde grandes redes, como Casas Bahia e Casas Pernambucanas, ainda não chegaram. A maior parte das unidades está concentrada no estado do Paraná, região que respira o agronegócio. Sem cartão próprio ou parceria com bancos, Pauliki se vale de uma política flexível de crédito que permite o pagamento da primeira parcela até quatro meses após a compra. Os financiamentos se estendem por até 15 meses. “Ele adaptou seu modelo de negócios ao gosto local de um jeito que as grandes redes ainda não foram capazes de fazer”, diz Nelson Barrizzelli, consultor especializado em varejo.


Crédito para todos

Antes de conceber sua estratégia, Pauliki teve de entender o funcionamento de uma economia cujos altos e baixos variam com os ciclos da agricultura. Ao abrir sua primeira loja, ele criou um sistema de financiamento até então inédito na região: o “plano safra”. A maior parte de seus clientes, pequenos agricultores, pagaria pelas compras na época da colheita, quando recebesse o dinheiro da venda dos produtos. Na prática, isso significa até seis meses de crédito. “Passamos a dar crédito a quem nunca teve”, diz Pauliki. Ainda hoje, o crédito na MercadoMóveis é concedido por meio de carnês. Segundo uma pesquisa feita em 2009 com 2 milhões de clientes ativos, o velho sistema é o preferido da população local. “Os carnês são usados até como comprovante de renda em outras lojas”, diz Márcio Pauliki, de 38 anos, primogênito de Pauliki e superintendente da rede. Atualmente, a inadimplência dos clientes da MercadoMóveis gira em torno de 6% — ante uma média de 10% do setor, de acordo com a consultoria Felisoni, especializada em varejo.

O jeito regional de conduzir os negócios se expressa também na forma como os Pauliki — pai e filho — divulgam sua marca. Cada gerente de loja tem liberdade de escolher como lidar com os clientes. Em janeiro, o responsável pela unidade de Campo Mourão, cidade paranaense com cerca de 87 000 habitantes, decidiu usar o próprio carro para divulgar uma promoção da rede que acontece durante as madrugadas. Munido de um alto-falante, com o cacarejar de um galo ao fundo, ele rodou a cidade anunciando as ofertas. Em Imbituva, com 29 000 habitantes, a rede é a maior patrocinadora de uma inusitada corrida de cágados, que ocorre uma vez por ano. “É um marketing econômico e certeiro”, afirma Márcio. Uma das poucas táticas de promoção mantidas em todas as unidades da MercadoMóveis desde a década de 70 é abri-las um domingo por ano para atender exclusivamente os melhores clientes. Além de preços especiais, o atendimento inclui tapete vermelho, música ao vivo e sessões de massagem. “No interior, esse é um evento de luxo”, diz Márcio. “E ninguém quer ficar fora desse tipo de coisa.” Iniciativas como essa fazem parte da alma de uma empresa que, até pouco tempo atrás, só era conhecida por seus próprios clientes. Mas deixam de ser suficientes à medida que o negócio atinge o patamar de centenas de milhões de reais em vendas. Recentemente, a MercadoMóveis passou a anunciar também em redes de TV. Em um dos anúncios, Márcio Pauliki, o superintendente, aparece fantasiado de mágico, numa alusão ao personagem Mister M.  

A atuação da MercadoMóveis em municípios pequenos tem sido quase uma barreira natural a concorrentes. “O custo de chegar a esses lugares ainda é alto para as grandes redes nacionais”, diz o consultor Barrizzelli. Entre as cinco maiores cadeias de móveis e eletrodomésticos do país, o Magazine Luiza é a que tem maior presença no Paraná, com 36 pontos de venda. (O Magazine Luiza tem como política instalar-se apenas em cidades com mais de 100 000 habitantes.) “Até 2012, pretendemos ter 200 lojas e cobrir 100% dos municípios paranaenses com mais de 20 000 habitantes”, diz Márcio. A partir daí, os Pauliki conviverão com um novo tipo de consumidor. O que será preciso fazer para encantá-lo?

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