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Esta cidade pode ser chamada de Vale do Silício do Canadá

A cidade de Waterloo conseguiu o que muitas tentam, mas quase ninguém alcança: tem uma concentração de startups semelhante à da região de São Francisco

Incubadora da universidade de Waterloo: os alunos trabalham durante a graduação (Divulgação)

Incubadora da universidade de Waterloo: os alunos trabalham durante a graduação (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 11 de novembro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 11 de novembro de 2016 às 05h55.

São Paulo – Os 100 000 habitantes de Waterloo, cidade próxima a Toronto, no Canadá, não passam um dia sem cruzar com o nome de Mike Lazaridis. Avenida Lazaridis, Teatro Lazaridis, Escola de Engenharia Lazaridis, Escola de Negócios Lazaridis...

Lazaridis é um dos fundadores da BlackBerry, empresa de tecnologia mais emblemática do Canadá, com sede na pequena cidade. Chegou a empregar 20 000 pessoas ao redor do mundo e a valer 80 bilhões de dólares na bolsa. Mas os ventos mudaram e, nos últimos cinco anos, a companhia sofreu uma das quedas mais vertiginosas da história da indústria da tecnologia. Hoje seu faturamento é de respeitáveis 2 bilhões de dólares, mas o problema é que a tendência tem sido de queda.

O valor atual é um décimo do que foi no auge. O que poderia ser uma péssima notícia para Waterloo parece não ser motivo de preocupação. “A BlackBerry ainda é importante, mas estamos de olho no futuro. Temos outras estratégias para nossa economia crescer”, afirma Dave Jaworsky, prefeito da cidade e ex-funcionário da BlackBerry.

Hoje, a região de Waterloo, que inclui as cidades de Kitchener e Cambridge, tem pouco menos de 500 000 habitantes, mas forma a segunda área com a maior concentração de startups do mundo, atrás apenas do Vale do Silício. Conhecida como Tri-City, a região tem mais de 1 100 empresas, ou mais de duas startups para cada 1 000 habitantes — o dobro de lugares também vistos como hubs do setor, como Tel-Aviv, em Israel, e Austin, nos Estados Unidos.

Entre as startups criadas em Tri-City, o maior destaque é o Kik, aplicativo de mensagens que é febre nos Estados Unidos. Com 300 milhões de usuários, o aplicativo foi apontado como o preferido na categoria de conversas por 40% dos jovens americanos. Ao contrário de apps como o Whats-App, o Kik permite que, além de conversar com outras pessoas, o usuário faça pesquisas na web, entre em contato com empresas e faça compras sem sair do ambiente do aplicativo.

O interesse do grande público pelo app criado em 2009 por alunos da Universidade de Waterloo acabou atraindo a atenção de investidores. Desde sua criação, o  Kik já recebeu mais de 120 milhões de dólares em investimentos e é avaliado em pouco mais de 1 bilhão de dólares. Em 2015, a gigante chinesa de tecnologia Tencent investiu 50 milhões de dólares no app. A empresa, que já é dona do aplicativo de troca de mensagens mais popular da Ásia, o WeChat, quer fazer do Kik sua porta de entrada no mercado da América do Norte.

Entre os destaques da região há ainda outras duas empresas. A Vidyard, uma plataforma de hospedagem de vídeos publicitários que analisa o comportamento das pessoas ao assistir às propagandas, é apontada por veículos especializados em marketing como a melhor solução no setor. A Thalmic Labs, que faz uma pulseira que permite controlar qualquer objeto eletrônico a distância, acabou de receber um investimento de 120 milhões de dólares da Amazon para melhorar o produto. Em comum, as três startups passaram pelo Velocity Garage, a incubadora da Universidade de Waterloo. A principal instituição de ensino da região é justamente a chave para entender o sucesso das empresas.

Reconhecida como uma das que melhor formam matemáticos, físicos e engenheiros na América do Norte, a Universidade de Waterloo é uma das três instituições que mais fornecem mão de obra para companhias como Microsoft, Apple, Google e Facebook. A instituição também é a segunda que mais forma novos empregados para startups do Vale do Silício, atrás apenas da Universidade Stanford.

De acordo com Paul Graham, fundador da principal aceleradora de startups do mundo, a americana Y Combinator, há algo especial acontecendo em Waterloo. Graham não se cansa de dizer que os projetos dos estudantes de lá são os melhores. “O caso de Waterloo confirma que as universidades são fundamentais para a criação de um hub de inovação. É assim com o MIT, em Massachusetts, e com Stanford, no Vale do Silício”, diz William Kerr, professor de inovação e empreendedorismo na Universidade Harvard.

Um dos primeiros diferenciais da Universidade de Waterloo é a independência que dá aos professores. As patentes dos produtos desenvolvidos por professores e alunos são totalmente dos pesquisadores, e não da instituição. Outro ponto fundamental é o programa de cooperação com o setor privado. Os estudantes passam até dois anos do período de graduação trabalhando em startups ou grandes empresas.

No ano letivo de 2015-2016, o programa foi utilizado por mais de 19 000 dos 30 000 estudantes — 15% deles foram para outros países e boa parte trabalhou em empresas do Vale do Silício. “Trabalhar enquanto estudava foi fundamental. Foi quando decidi criar meu próprio negócio”, diz Michael Litt, fundador da Vidyard, plataforma de hospedagem de vídeos publicitários. A própria BlackBerry foi criada dentro da universidade no agora longínquo ano de 1984.

“Tentamos subir os três degraus do que acreditamos ser o ideal do ensino universitário: experiência, inovação e incubação”, diz Pearl Sullivan, reitora da Faculdade de Engenharia da Universidade de Waterloo. “O papel da universidade é oferecer uma boa formação durante cinco anos e também trabalhar para que boas ideias tenham futuro na sociedade.”

A alta qualidade da mão de obra também acabou atraindo empresas globais de tecnologia. O Google, que normalmente escolhe grandes centros, como Londres e Tóquio, para ser sede de seus centros de pesquisa, no Canadá, decidiu ficar na região de Waterloo. O mesmo fizeram a chinesa do setor de equipamentos de telecomunicações Huawei, a empresa de pagamentos americana Square e a OpenText, maior empresa canadense de software.

De acordo com um estudo da consultoria KPMG, desenvolver softwares em Waterloo é até 14% mais barato do que em outros polos tecnológicos do mundo, graças, entre outras coisas, à qualidade e à fartura da mão de obra. Com esse ecossistema, é quase certo que novas BlackBerrys surgirão em Waterloo — e que mais avenidas serão batizadas com o nome dos futuros heróis do setor de tecnologia.

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