Revista Exame

Pode correr de máscara? Respostas sobre o novo acessório fitness

Correr de máscara não é exatamente confortável, mas será assim por um tempo — e muitos especialistas já avaliam o impacto disso na saúde

O maratonista Sérgio Maurício (André Valentim/Exame)

O maratonista Sérgio Maurício (André Valentim/Exame)

BC

Beatriz Correia

Publicado em 18 de junho de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h34.

Nos últimos meses, a prática da atividade fí­sica da maioria dos brasileiros se desenrolou na sala dos apartamentos, no quintal das casas ou na escadaria dos prédios. O motivo, claro, é a pandemia do coronavírus. Com a flexibilização do iso­lamento social, os corredores aos poucos voltam a ocupar as ruas e as academias, mas com novas regras. A que mais afeta a rotina dos atletas amadores é, sem dúvida, a recomendação ou a obrigatoriedade do uso de máscaras durante as atividades em ambientes fechados e também ao ar livre.

A Associação Brasileira das Academias divulgou um manual seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde. Entre as recomendações está a obrigatoriedade de máscaras para funcionários e personal trainers e a “orientação de uso” para clientes. O esporte ao ar livre, por sua vez, foi alvo de uma simulação computadorizada realizada por pesquisadores da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e da Universidade de Tecnologia de Eindhoven, na Holanda.

Eles constataram que, durante a corrida sem máscara, os aerossóis podendo conter coronavírus se propagam até 10 metros no rastro do atleta; no ciclismo são 20 metros. Por esses motivos, a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte também orienta o uso de máscaras durante as atividades ­outdoor.

Se a necessidade do uso de máscara é consenso, a adesão dos praticantes de esporte ao novo hábito não deve acontecer tão facilmente. O ortopedista do esporte e maratonista carioca Sérgio Maurício colocou à prova a corrida com máscara nas últimas semanas, quando a prefeitura de Niterói, cidade onde vive, divulgou as novas regras. “Imaginei que, por ser bem condicionado, eu não sentiria tanta diferença, mas tive de interromper duas vezes o primeiro treino, que era de apenas 10 quilômetros, para recuperar o fôlego”, conta.

Na semana seguinte, ele partiu para uma segunda tentativa, dessa vez paramentado com frequencímetro, que afere os batimentos cardíacos; oxímetro, aparelho que demonstra o nível de oxigênio no sangue; e dois tipos de máscara, uma de cotton e outra cirúrgica. “Com a máscara de cotton, meu batimento cardíaco estava uns 15 pontos acima do normal e a saturação de oxigênio permaneceu normal. Quando troquei para a máscara cirúrgica, a saturação de oxigênio caiu e minha percepção de esforço foi muito maior. Senti que não conseguiria correr nem mais 1 quilômetro.”

Alguns especialistas chegaram a questionar se a máscara poderia bloquear parte da liberação de gás carbônico na respiração. O cardiologista Fabrício Braga, diretor médico do Laboratório de Performance Humana do Rio de Janeiro, acredita que não. Ele está conduzindo uma pesquisa com atletas de vários níveis, ainda em estágio inicial, em diversos patamares de esforço.

“O aumento de temperatura e umidade entre a máscara e o rosto é um dos dois fatores mais relevantes para que as pessoas tenham a percepção de esforço alterada”, explica. Quando inspiramos ar quente, o resfriamento interno não é adequado e o corpo compreende que está em perigo, acionando um plano de autodefesa que, de forma simplificada, obriga o atleta a reduzir o ritmo.

O segundo fator a ser considerado, de acordo com os especialistas, é que o esforço dos músculos envolvidos na respiração, como diafragma, intercostais e abdominais, é maior para que o ar ultrapasse a barreira física da máscara. Na falta de ventilação suficiente, a frequência cardíaca também sobe para atender à demanda de oxigênio dos músculos em movimento.

Se por um lado as máscaras com mais camadas de tecido são melhores contra a contaminação, por outro as barreiras extras de tecido dificultam ainda mais a passagem do ar. “Ou seja, haverá uma fadiga proporcional à intensidade do esforço aplicada. Para pessoas mais treinadas, poderia estimar uma perda de performance acima de 20%”, acredita Páblius Staduto Braga, médico do esporte do Centro de Medicina Especializada do Hospital 9 de Julho.

Até o momento nenhuma marca esportiva de porte apresentou máscaras específicas para a prática de atividade física. “Durante as corridas senti mais facilidade com a máscara de cotton”, diz o maratonista Maurício. O cardiologista Fabrício Braga julga que as mais adequadas sejam as de algodão, com ajuste firme ao rosto. Mas, se você está esperando a ergonomia perfeita, melhor continuar treinando em casa.

O coordenador do laboratório de estudos da rede de academias TecFit, Alexandre Evangelista, pontua que o importante é a segurança. “Em consequência do aumento da respiração, as máscaras absorvem uma quantidade maior de umidade e perdem o efeito protetor após 10 a 15 minutos de exercício. Portanto, seria preciso mais de uma máscara durante a atividade”, afirma.

Se não há máscara ideal, existe o treino ideal — que deve ser, na opinião dos médicos do esporte, moderado. “A sugestão é que o atleta se mantenha abaixo de 80% da frequência cardíaca máxima”, orienta Evangelista. Habitua­do a trabalhar com esse índice com seus clientes na academia Ultra Sport Science, Ricardo Eid orienta que se deixem de lado, por algumas semanas após o retorno, os tempos e as metas e se mantenha o foco nas respostas do corpo. “Agora é hora de manter a moderação e se preocupar mais com a saúde física e mental do que com a performance”, afirma Sérgio Maurício.

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