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O maior credor do Brasil

Mohamed El-Erian investiu 4 bilhões de dólares em títulos brasileiros. E quer mais

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h07.

O mercado financeiro americano estava perto do pânico no segundo semestre de 2002. Os escândalos contábeis de empresas como a Enron fizeram os investidores desconfiar da precisão dos balanços. Como conseqüência, os bancos americanos diminuíram sua oferta de crédito. A escassez de recursos teve efeitos drásticos sobre os países emergentes, com uma agravante no caso do Brasil. Além da crise, os investidores temiam a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, pois para eles um governo de oposição aumentava o risco de um calote na dívida externa. Esse temor derrubou os preços dos títulos brasileiros para metade de seu valor de face em setembro de 2002.

Nesse cenário, poucos investidores internacionais seguiriam o exemplo de Mohamed El-Erian, responsável pelos fundos de países emergentes da empresa americana Pacific Investment Management Co. (Pimco). Atraído pelos preços baixos, ele literalmente dobrou sua aposta. "Tínhamos 1 bilhão de dólares em papéis brasileiros e compramos outro bilhão entre agosto e outubro de 2002", diz El-Erian. O resultado foi um ganho de mais de 40% em dólares nos seis meses seguintes, quando o temor passou e os preços se recuperaram. "Nunca pensei que o Brasil iria quebrar ou deixar de pagar suas dívidas, mas ninguém acreditou; isso foi bom, porque nós ganhamos dinheiro", diz. Ele repetiu a dose em menor escala no início deste ano. Os papéis brasileiros caíram 20% em fevereiro como conseqüência das denúncias de corrupção contra Waldomiro Diniz, assessor do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Muita gente vendeu. El-Erian comprou e lucrou nos meses que se seguiram. Hoje, seus fundos têm 4 bilhões de dólares em ativos brasileiros, a maior parte títulos públicos. O total desses papéis em circulação é 57 bilhões de dólares, o que o torna o maior credor do Brasil. E ele quer mais. "Eu espero ter o dobro disso nos próximos dois anos, dependendo das condições de mercado", diz El-Erian. O desempenho não tem sido brilhante em 2004 -- os fundos estão com rendimento próximo de zero --, mas isso não o preocupa. "Nossa abordagem é de longo prazo e nossos clientes sabem disso."

A capacidade de antecipar esses movimentos consagrou El-Erian como um dos melhores administradores de fundos de países emergentes. O economista já havia chamado a atenção do mercado no início do ano 2000, ao vender todos os papéis argentinos que possuía um ano antes da desvalorização do peso. Bola de cristal? Não, análise. "Olhamos para a Argentina e vimos duas coisas que não gostamos", diz ele. "A economia não tinha condições de crescer, e os argentinos estavam mandando seu dinheiro para fora do país." Essa conjunção significa crise à frente, e a decisão foi tirar o dinheiro de lá quanto antes.

Para chegar a essa precisão em antecipar os movimentos do mercado, ele conta com uma vasta experiência em países emergentes. Economista com mestrado e doutorado em Oxford, ele começou sua carreira em 1983, trabalhando como analista no Fundo Monetário Internacional (FMI), onde ficaria até 1997. Quase duas décadas de crises em três continentes tornaram países em dificuldade algo mais fácil de interpretar, permitindo que se saiba a hora de entrar e, principalmente, de sair. "Ele se destaca pela profundidade de suas análises", diz Francisco Petros, economista e sócio da Nix Asset Management e ex-presidente da Associação dos Analistas do Mercado de Capitais de São Paulo. Além disso, El-Erian é conhecido por fazer a lição de casa e valorizar informações obtidas em primeira mão. "Ele visita o país com freqüência, sabe quem deve procurar e faz as perguntas certas", diz Alexandre Schwartsman, diretor de assuntos internacionais do Banco Central. "É um daqueles analistas para quem você não tem de explicar o óbvio."

Essa precisão confere grande credibilidade às suas avaliações sobre o Brasil. Seus prognósticos são mais positivos do que a média. "O Brasil será um país com grau de investimento (investment grade) em três ou, no máximo, cinco anos", diz El-Erian. Essa classificação de risco indica que um país é porto seguro para os inesgotáveis recursos dos fundos de pensão europeus e americanos. Uma vez obtido, o grau de investimento poderá solucionar de vez a crônica escassez de capital de longo prazo no Brasil. Para isso, o país terá de demonstrar que tem condições e vontade de pagar suas dívidas, mesmo em condições adversas. El-Erian diz que isso é plenamente possível. Ele observa um respeito crescente aos bons princípios da economia de mercado e um fortalecimento das instituições como o Banco Central e o Judiciário. Além disso, está otimista quanto às futuras relações comerciais entre Brasil e China. "As duas economias são muito complementares." Sua única crítica é quanto à característica brasileira de não valorizar o que é local. "Vocês precisam perder essa mania que têm de achar que seus produtos e empresas não têm valor", diz El-Erian. "Aprendam com os vizinhos argentinos a dizer que um copo pela metade está meio cheio, em vez de dizer que ele está meio vazio."

Perfil
Mohamed El-Erian
46 anos, casado
Cidadão egípcio, nascido em Nova York, filho de um diplomata
Economista por Cambridge, mestre e doutor em economia por Oxford
Trabalhou por 15 anos no Fundo Monetário Internacional (FMI). Especializou-se
em assessorar países emergentes
Diretor da empresa americana Pacific Investment Management Co. (Pimco)
desde 1999
Os fundos que administra têm 4 bilhões de dólares em títulos da dívida
pública brasileira
Comprou papéis de empresas privadas, como Itaú, Bradesco, Petrobras e
Vale do Rio Doce
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