Revista Exame

Entenda os motivos da queda do "crescimento chinês"

Gigantes chineses de tech se preparam para a nova era de crescimento mais lento

Jack Ma, do Alibaba: o comando da big tech e o prestígio ficaram para trás (Andrew Burton/Getty Images)

Jack Ma, do Alibaba: o comando da big tech e o prestígio ficaram para trás (Andrew Burton/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 19 de janeiro de 2023 às 06h00.

Sucumbindo a uma repressão do governo e a uma pandemia que se recusou a ir embora, os principais conglomerados de internet do país, o Alibaba Group e a Tencent Holdings, experimentaram suas primeiras quedas de receita no trimestre e cortaram milhares de postos de trabalho.

A guinada que deixou as empresas mais humildes foi resultado de uma estratégia explícita do governo da China e marcou o início de uma nova era no modo como o setor de tecnologia do país opera. O presidente Xi Jinping tem se mostrado disposto a sacrificar o crescimento econômico e outras prioridades em troca de controle. Durante dois anos, o governo dele pressionou os gigantes de tecnologia que celebrava no passado, ao mesmo tempo que os deixou incertos sobre o que esperar em seguida.

Quer receber os fatos mais relevantes do Brasil e do mundo direto no seu e-mail toda manhã? Clique aqui e cadastre-se na newsletter gratuita EXAME Desperta.

Agora, Xi e o imenso setor de tecnologia da China parecem ter chegado a uma trégua incômoda. O Partido Comunista vem abrindo mão de sua campanha de repressão súbita e severa a favor de um esforço de injetar mais clareza no que considera boa cidadania corporativa. Em troca dessa previsibilidade, Alibaba, Tencent e outras empresas estão fazendo as pazes com um crescimento sedado, se alinhando à agenda de Xi para frear os monopólios de tech e promover o que ele descreve como prosperidade comum. A corrida de ouro de uma década da internet acabou.

Pandemia na China: o país ainda sofre os efeitos mais agudos da covid-19, o que traz incertezas às empresas de tecnologia locais (Qilai Shen/Bloomberg/Getty Images)

“Xi Jinping está domando os cavalos selvagens do setor privado”, afirma Ming Xia, professor de ciências políticas na Universidade da Cidade de Nova York. “O problema é que ele fez um estrago tão grande com sua política econômica que a confiança de alguns empreendedores e investidores estrangeiros já foi destruída.”

As maiores empresas de internet da China do passado pareciam as contrapartes de pesos-pesados americanos como a Apple e a Amazon. Grande parte de seu sucesso veio de sua capacidade de gastar mais, copiar ou comprar rivais para ganhar supremacia em qualquer esfera digital, seja e-commerce, seja compartilhamento de veículos, sejam jogos.

Nos Estados Unidos, autoridades do governo nunca conseguiram chegar a um acordo sobre como botar rédeas em tais gigantes. A China, porém, entrou em ação assim que os produtos que suas maiores empresas de tecnologia ofereciam se tornaram populares em todos os aspectos da vida online do país.

O primeiro e mais visível alvo da repressão foi Jack Ma, o bilionário por trás do Alibaba e do Ant Group, que não demonstrava dificuldade alguma para atacar o governo. Em novembro de 2020, o governo chinês naufragou o plano de Ma de tornar a Ant pública; na primavera seguinte, multou o Alibaba em um valor recorde de 2,8 bilhões de dólares por comportamentos monopolistas.

Posteriormente, o governo ordenou uma revisão de segurança do gigante de compartilhamento de caronas Didi depois da oferta pública inicial da empresa nos Estados Unidos, que culminou numa multa de 1,2 bilhão de dólares no ano passado. Pequim também parou de aprovar lançamentos de jogos de videogame e forçou grande parte do setor de educação privada, que movimenta 100 bilhões de dólares, a se converter para o status de organização sem fins lucrativos.

Conforme essas medidas passaram a valer, uma série de condições econômicas difíceis passou a pesar nas empresas de tecnologia grandes e pequenas, tanto na China quanto em outros lugares. A captação de recursos de risco focada na China caiu 81% nos primeiros 11 meses de 2022, contribuindo para a maior queda global em investimento em startups em duas décadas, segundo a empresa de dados Preqin.

Investidores trocaram outrora prósperas empresas de internet para o consumidor por áreas mais alinhadas com as prioridades da política econômica de Xi, como inteligência artificial e semicondutores. “A tática de jogo da China sempre foi muito direta”, diz Chibo Tang, sócio-gerente da Gobi Partners. “Coloque seu dinheiro no lugar para onde o governo estiver apontando.”

O sucessor de Ma no Alibaba, Daniel Zhang, parece estar sinalizando que também seguirá nessa direção. “Nós acreditamos nas perspectivas de desenvolvimento econômico e social da China”, afirmou ele em uma teleconferência com investidores pós-divulgação de resultados, em novembro. “Acreditamos que as metas de desenvolvimento do Alibaba estejam bastante alinhadas aos objetivos de longo prazo da China.” Alibaba e Tencent não responderam a pedidos para comentar.

A China tem respondido a tais sinais de submissão, que também têm incluído bilhões de dólares em doações corporativas para causas sociais, aliviando um pouco a pressão. As autoridades estão quase finalizando a emissão da licença de que Ant precisa para abrir caminho para um IPO, ao mesmo tempo que regulamenta a empresa de modo mais semelhante a um banco. Depois de observadores da indústria especularem que os principais executivos da Didi podem acabar na cadeia, o governo os livrou de uma detenção e só aplicou a eles multas por violação das regras de segurança de dados.

(Arte/Exame)

Há pouco mais de um ano, a imprensa estatal acusou empresas como a Tencent e a ­NetEase de venderem “ópio espiritual”. Em abril de 2022, contudo, os censores começaram a aprovar novos lançamentos de jogos de videogames, após uma interrupção de oito meses. O último lote de aprovações de grande porte do fim de dezembro incluiu blockbusters estrangeiros como Valorant, da Riot Games, e Pokémon Unite, ambos com previsão de serem lançados pela Tencent.

Naquele mesmo mês, em sua primeira reunião de planejamento econômico depois de garantir um histórico terceiro mandato, Xi prometeu apoiar as empresas de plataformas — casos de Alibaba, Tencent e do gigante de entrega de comida Meituan — para que desempenhem papéis de liderança no “desenvolvimento, criação de empregos e competição internacional”. Dois dias depois, o dirigente local do partido em Zhejiang, província natal do Alibaba, fez uma visita à sede da empresa para reproduzir o pensamento de Xi. Foi um sinal claro de que a sorte mudou para a empresa chinesa atingida mais fortemente pelas duras políticas econômicas de seu governo.

Ajustar-se aos desejos do governo vem tornando as empresas chinesas mais avessas ao risco e menos ambiciosas, mesmo com a pandemia ainda apertando o crescimento. Por ora, executivos e investidores de tecnologia têm focado em cortar custos.

Os grandes gastadores dos últimos anos, inclusive a “netflixesca” iQIYI e a Kuaishou Technology, rival do TikTok, tentam continuar lucrativos resistindo à tentação de torrar dinheiro em novos conteúdos ou em mais usuários.

Potências como Alibaba e ByteDance estão fechando as unidades de negócios que podem prejudicar seu resultado final, ao mesmo tempo que abrem mão de investimentos de risco que não prometem retorno imediato. “Temos de gastar dinheiro onde vale mais a pena, e evitar desperdiçá-lo”, disse o CEO da ByteDance, Rubo Liang, a funcionários durante uma reunião em dezembro, segundo uma transcrição do encontro a que a Bloomberg News teve acesso.

O crescimento da receita da proprietária chinesa do ­TikTok vem desacelerando, e o crescimento de usuários também tem sido menor do que o esperado, afirmou ele. Uma porta-voz da empresa não quis comentar as declarações.

As empresas chinesas de tecnologia estão cada vez mais se voltando para fora na busca por crescimento. As mais visíveis entre elas são o TikTok e a varejista de fast fashion Shein, ambas especializadas em uma abordagem rápida e personalizada de conteúdo viral para clientes globais da geração Z.

Depois de se consolidarem como ameaças formidáveis às empresas americanas como Amazon e Meta, elas também se tornam para-raios de críticas à medida que crescem as tensões entre Estados Unidos e China.

O Tik­Tok está buscando um acordo de segurança com o governo Biden para se poupar de uma proibição nos Estados Unidos aventada pelo presidente anterior, Donald Trump, enquanto a Shein vem retrabalhando sua imagem de empresa insustentável. É improvável que o IPO de qualquer uma das duas empresas aconteça antes de esses problemas serem resolvidos.

O presidente Xi Jinping: intenção de domar os cavalos selvagens do capitalismo chinês (Kevin Frayer/Getty Images)

Para as empresas chinesas, o sucesso financeiro no longo prazo “vai exigir delas que construam uma relação de confiança com os órgãos reguladores e as autoridades públicas, o que não será fácil, dada a tensa relação Estados Unidos-China”, diz Caitlin Chin, pesquisadora de tecnologia no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington.

Também estão na mira trabalhadores que ainda tentam se ajustar à queda no setor de tecnologia. Estima-se que quase 11 milhões de universitários formados tenham inundado o mercado de trabalho em 2022, um número recorde. Muitos vinham se preparando para entrar num setor em expansão na área de tecnologia, apenas para descobrir que o setor não oferece mais os grandes salários que eles esperavam.

Zhang Hao, de 22 anos, estudou tecnologia automotiva na faculdade e se candidatou a mais de 100 empregos na área de tecnologia no verão passado. Só conseguiu uma entrevista, com uma startup de e-commerce inspirada na Shein.

O fundador perguntou a Zhang se ele toparia fazer horas extras frequentes, o que tinha se tornado comum em tecnologia. Contudo, os jovens do país vêm adotando o estilo de vida “menos é mais” em resposta ao agravamento da economia e às restrições impostas pela ­covid-19. Zhang acabou se tornando instrutor no setor de conserto de automóveis, ganhando metade do que a startup lhe pagaria. “Aqui é mais estável”, diz ele. “Não quero sofrer burnout só por causa de um emprego.”

(Colaborou Sarah Zheng)

Receba as notícias mais relevantes do Brasil e do mundo na newsletter gratuita EXAME Desperta.

LEIA TAMBÉM:

Acompanhe tudo sobre:Chinaeconomia-internacional

Mais de Revista Exame

O plano da nova Sabesp: empresa corre para investir R$ 68 bilhões até 2029

Com três filhos, nove netos e três bisnetos, esta amapaense de 76 anos abriu sua primeira startup

De volta ao conselho de administração do Grupo RBS, Nelson Sirotsky fala sobre o futuro da mídia

Novos conceitos: como este engenheiro carioca entendeu que nunca é tarde para começar um negócio

Mais na Exame