Revista Exame

Apesar da ressaca no mercado de vinhos, o interesse por novidades traz oportunidades para o setor

Os consumidores querem novidades em suas adegas, e pós o crescimento do consumo nos últimos anos, novas tendências devem orientar a produção

 (Divulgação/Divulgação)

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Publicado em 22 de março de 2023 às 06h00.

Última atualização em 27 de março de 2023 às 12h54.

O mercado de vinhos vive uma leve ressaca. Bem leve mesmo. Apesar da estagnação, o momento não é crítico, visto que o consumo teve grande crescimento durante a pandemia. Para ter uma ideia, em 2021 o Brasil atingiu a 14a posição no ranking de mercados de vinhos mais atraentes do mundo, depois de subir 12 colocações, de acordo com a consultoria Wine Intelligence. “O Brasil foi o país que mais cresceu em consumo de vinhos durante a pandemia. Mesmo com dados negativos previstos para este ano, a tendência no longo prazo é positiva”, comenta Rodrigo Lanari, consultor de mercado e fundador da Winext.

O crescimento do consumo é seguido pelo aumento do número de apreciadores da bebida. Nos últimos 12 anos, a população de consumidores regulares de vinho dobrou de 22 milhões em 2010 para 44 milhões em 2022, segundo dados da Wine Intelligence. E de 2016 a 2021 foram consumidos mais de 20,2 milhões de litros no país — a expectativa é de que esse valor dobre até 2026, segundo dados da Euromonitor International, provedor de pesquisa de mercado.

O perfil dos consumidores também mudou. Agora as mulheres têm maior participação na categoria. “Elas representavam 47% dos consumidores regulares em 2019 e em 2022 já eram 54%, o que reflete melhor a distribuição da população brasileira”, comenta Lanari sobre dados do estudo Wine Intelligence Brazil Landscapes 2022.

O resgate de 207 trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão por uma empresa que prestava serviço às vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi mostra que o setor ainda enfrenta desafios diversos. O devido cancelamento dessas marcas nas redes e no mercado não deve trazer impacto ao mercado como um todo. Mas certamente o caso deve ser encarado como uma deixa para o segmento rever processos.

O que fica, no fim, é que, após dois anos de mudanças no comportamento do consumo de vinhos, descobertas foram feitas e mais oportunidades para o mercado surgiram. Um brinde a esses novos tempos!


Bruno Bertoli, do Bar Beverino, em São Paulo: os rótulos não estão mais restritos a eventos formais (Divulgação/Divulgação)

Sem esnobismo

O vinho deixou de ser simplesmente uma bebida que acompanha pratos para ser o protagonista em bares dedicados à bebida. Segundo o consultor Rodrigo Lanari, o vinho já não é mais visto apenas como uma bebida sofisticada e que deve ser apreciada somente em grandes centros e ambientes formais. Ele se tornou uma opção mais acessível e apropriada para ambientes informais. “Isso tem levado a uma especialização maior e a um aumento significativo na oferta de vinhos, permitindo aos bares oferecerem cartas cada vez mais completas e diversas”, diz Lanari.

É o caso do Beverino Vinhos Naturais, em São Paulo, que, como o nome já adianta, apresenta uma carta de bebidas naturais desde 2018. A proposta surgiu após passagens de Bruno Bertoli, proprietário e sommelier da casa, por restaurantes na Itália, França e Geórgia. “Eu queria reproduzir o que tinha vivido na Europa e oferecer vinhos naturais e acessíveis para os jovens”, explica. São mais de 300 rótulos na casa, que variam de 129 a 900 reais.

A capital mineira também possui uma proposta parecida. Fixado no Mercado Novo desde 2019, a Gira Vinho oferece, em taças e garrafas, vinhos naturais, em sua maioria brasileiros, como o Amantikir Syrah, produzido na Serra da Mantiqueira, por 156 reais a garrafa. “Não temos apenas vinhos naturais e orgânicos, mas são os carros-chefe da casa”, comenta Daniel Iglesias, sócio do local. No mesmo piso do mercado, o bar ganhou um irmão caçula no final do ano passado: o Gira Drinks. A carta de bebidas é baseada em vinhos, com clássicos como sangria, clericot, portonic e drinques autorais, como o Guimarães Rosé, feito com rosé mineiro e limão capeta. O perfil de público varia entre os bares. “O Gira Vinho é mais voltado para enófilos e, por estar em um canto mais calmo do mercado, é perfeito para um atendimento de vinhos. Já o Gira Drinks está em um ponto mais central no mercado, com fluxo maior, e é frequentado por um público mais jovem”, diz.

Para Spencer Amereno, chefe dos bares Guilhotina e Carrasco, as variedades de vinhos fizeram com que a bebida ganhasse cada vez mais presença em drinques. “O vinho é um modificador e traz complexidade à coquetelaria. Vemos drinques clássicos voltando à moda, como o Bellini, a Mimosa e o Rossini, feitos com espumantes e presentes em brunches, por exemplo.”


Loja da Evino, em São Paulo: rótulos variados de mercados menos conhecidos (Leandro Fonseca/Exame)

Vai um rosé marroquino?

O consumidor brasileiro se destaca por ter uma atitude aberta à experimentação, é um consumidor que está em modo exploratório. Segundo dados da Wine Intelligence, 70% dos brasileiros afirmam estar abertos a provar novos tipos e estilos de vinho. “Esse número é bem superior ao de outros mercados mais maduros, como Estados Unidos (51%) e Inglaterra (43%), ou mesmo vizinhos, como Colômbia (52%). Através do e-commerce, esse público explorador tem acesso a rótulos de diferentes países e regiões, e isso tem impulsionado a busca por vinhos de localidades menos convencionais.

No Brasil, a maioria dos vinhos comprados é da América Latina e do Velho Mundo, com destaque para rótulos do Chile, da Argentina, de Portugal, da Espanha e da Itália. Buscando surpreender o consumidor, a Evino tem explorado países menos conhecidos no mercado, como Bulgária, Romênia, Marrocos, Líbano e Israel, e também de regiões próximas, mas que nem sempre o consumidor brasileiro conhece, como os vinhos brasileiros da região de altitude, “que têm conquistado cada vez mais espaço no mercado nacional e internacional”, segundo Ari Gorenstein, cofundador e co-CEO da Evino. Durante a Copa do Mundo no Catar, quando o Marrocos eliminou a Espanha nas oitavas de final, o rosé marroquino Domaine de Sahari esgotou no e-commerce.

À esquerda: Procedências diversas: vinhos de países não tradicionais, como a Romênia e à direita: Copa do Mundo no Catar: alta nas vendas do rosé marroquino (Arte/Exame)

Dentro das buscas da empresa também estão vinhos de regiões que nem sempre estão no radar, como a Patagônia argentina e a região de Alicante, na Espanha. “A gente faz questão de trazer esses vinhos e começar a colocar essas regiões no mapa.”

A busca de consumidores por novidades também chegou aos vinhos do Novo Mundo. “Exploramos rótulos de países do Novo Mundo que não são mainstream, principalmente da Austrália, da África do Sul e da Nova Zelândia, que têm uma boa recepção e custo-benefício”, diz Gorenstein.


Vinícola no Rio Grande do Sul: primeira Denominação de Origem brasileira para espumantes (Zéto Telöken/Divulgação)

Borbulhas em alta

Dados da Ideal Consulting mostram que o mercado de espumantes nacional cresceu 2% em 2022, enquanto o de importados cresceu 28%, alcançando uma participação de mercado de 17%. A expectativa de quem acompanha o mercado é de que a evolução dos espumantes continue positiva, com um crescimento superior ao dos vinhos tranquilos. Essa evolução pode ser explicada pelo aumento global no consumo de borbulhas, pela capacidade de investimento em comunicação e marketing dos produtores locais e globais, pela reputação positiva dos espumantes brasileiros e pelo aumento do número de consumidores regulares de vinho no país.

Em novembro do ano passado, o Brasil ganhou a primeira Denominação de Origem (DO) exclusiva para espumantes do Novo Mundo, recorte que exclui apenas os espumantes feitos na Europa. A DO Altos de Pinto Bandeira fica no Rio Grande do Sul e abrange 65 quilômetros quadrados de área contínua, sendo 76% localizados no município de Pinto Bandeira, 19% em Farroupilha e 4% em Bento Gonçalves.

O processo para a obtenção da Denominação de Origem levou cerca de uma década e foi conferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o Inpi. “O que se vê em Champagne, na França, é o que a gente observa aqui. O papel mais importante de uma Denominação de Origem é o norteamento de uma região. Quando um investidor chega à região, ele tem os rumos que deve tomar”, diz Daniel Panizzi, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra).

À esquerda, Cave Geisse: espumante da vinícola tem Denominação de Origem e a à direita, Espumante Mía: feito com uva moscato, mais doce ao paladar (Arte/Exame)

Entre as regras que precisam ser cumpridas na DO Altos de Pinto Bandeira está a produção de espumantes com as uvas chardonnay, pinot noir e riesling itálico. O sistema de condução precisa ser pelo método espaldeira, e a segunda fermentação deve ser feita em garrafa, método chamado de champenoise. Para ter o selo no rótulo, os espumantes devem ser aprovados anualmente por um conselho regulador.

A versatilidade do espumante também é um reflexo do crescimento do consumo. Nas praias, agora é possível notar garrafas da bebida no cardápio ao lado de conhecidas nacionais, como a cerveja e a caipirinha. “É uma bebida mais social, descontraída e versátil, capaz de agradar até quem prefere bebidas mais doces”, diz Lanari. É o caso do Espumante Mía Moscato Sweet, da Freixenet. Feito com uva moscato, o espumante possui aroma com essências de flores brancas, pêssego e ameixa. “A linha Freixenet Mía tem uma penetração muito importante na Região Sul do país, sendo consumida pelos mais jovens, que preferem a uva moscato, de paladar mais adocicado. É um case de sucesso dentro da Freixenet”, comenta Fabiano Ruiz, diretor executivo do Grupo Henkell Freixenet no Brasil.


Casa Pedrucci, em Garibaldi: por lá o visitante pode produzir seu próprio espumante (Divulgação/Divulgação)

Explorar é preciso

Em um casarão de pedra de 130 anos construído por imigrantes italianos no Sul do Brasil é possível ter a experiência única de fazer o próprio espumante, na verdade sua finalização. Na Casa Pedrucci, a poucos minutos de carro do centro de Garibaldi, no Rio Grande do Sul, o visitante é recebido pelo enólogo Gilberto Pedrucci, dono da vinícola que tem produção anual de 51.000 garrafas. O tour dura cerca de 2 horas e meia, e o turista desvenda o processo de fabricação de espumantes pelo método tradicional, com a segunda fermentação em garrafa.

Todo o passeio pela vinícola termina na sala onde ocorre um dos processos mais emocionantes para os amantes do vinho: o dégorgement (“degola da garrafa”, numa tradução livre). É nesse momento que o visitante pega a garrafa e, com o auxílio de máquinas da própria vinícola, retira as leveduras do espumante, coloca o licor de expedição e, por último, a rolha. A garrafa é etiquetada com o nome do turista, que leva a bebida para casa (um nature reserva feito com as uvas chardonnay, pinot noir e riesling itálico, com lote de 5.000 garrafas). O preço da experiência é de 600 reais por pessoa e há desconto para grupos.

Com a popularização do vinho, crescem as oportunidades de experiências com a bebida, inclusive nos grandes centros. Em 2020, para ajudar as vinícolas com uma retomada sustentável, Diego Fabris fundou a Wine Locals, uma plataforma de experiências voltada para o mundo do vinho. Do local ao internacional, o mar­ketplace oferece desde eventos de vinhos em diversas capitais até visitas a vinícolas no Vale dos Vinhedos, Uruguai e Chile, e em breve na Argentina. “Focamos as experiências para que as pessoas conheçam e degustem mais produtos, seja em uma viagem, seja na própria cidade”, diz Fabris. Entre os eventos há desde harmonização de vinhos e ostras na Grand Cru, em São Paulo, até tours e piqueniques em vinhedos, que inclusive foi a experiência mais vendida em 2020. “As pessoas podem ter contato com a natureza e com o vinho com segurança”, garante.


Da haste ao bojo

Foto: Eduardo Frazão. Produção e direção de arte: Carolina Gehlen e Júlia Storch. Assistência e tratamento: Júlio Gomes (Eduardo Frazão/Exame)

1. Taça de cristal Strauss para champanhe, Linha 237, R$ 740. À venda emstrauss.com.br. Na taça, Prosecco Mionetto Orange Label D.O.C. Brut, R$ 139,90, à venda em freixenet.com.br

2. Taça coupé Baccarat para champanhe, linha Harcourt, R$ 5.292 (o par). À venda em baccarat.com.br. Na taça, Cava Freixenet Cordon Negro Brut, R$ 89,90, à venda em freixenet.com.br

3. Taça de cristal Strauss para vinho, Linha 435, R$ 142. À venda em strauss.com.br. Na taça, A Laranja Mecânica 2020, R$ 539,90, à venda em evino.com.br

4. Taça de cristal Strauss para água, Linha 435, R$ 146. À venda em strauss.com.br

5. Taça flute Baccarat, linha Harcourt, R$ 4.212 (o par). À venda em baccarat.com.br

6. Taça de cristal Strauss para vinho, Linha 237, R$ 754. À venda em strauss.com.br. Na taça, Fio Wines Fabelhaft Mosel Riesling 2019, R$ 195, à venda em cellarvinhos.com

7. Taça de cristal, Grassl Glass, R$ 295. Na taça, Closerie Saint Roc Bordeaux 2019, R$ 595, à venda em cellarvinhos.com

8. Taça de cristal para champanhe, Grassl Glass, R$ 285. Na taça, Benoît Lahaye Champagne Blanc de Noirs A Bouzy Extra-Nrut, R$ 795, à venda em cellarvinhos.com

“Nada que vá melhorar a experiência sensorial é preciosismo”, diz Julia Frischtak, sócia-diretora da Cellar Vinhos. Taças específicas potencializam os vinhos. “Tintos com complexidade e estrutura precisam de muito ar. Por isso são recomendadas taças com base e boca largas, para que haja oxigenação.” Para espumantes, a escolha da taça varia. “A taça flute mantém as borbulhas. Para entender mais as frutas, a taça coupé é sugerida”, diz.  Já as taças para vinhos brancos, rosés e laranjas são pensadas para manter a temperatura da bebida mais baixa. “Esse resultado é obtido com duas mudanças da taça bordeaux: diminuição do bojo e aumento da haste. Com menor bojo, a bebida tem menos espaço para trocar calor com o ambiente, mantendo sua temperatura. A haste maior da taça, por sua vez, reduz o contato das mãos quentes com o bojo”, explica Rafaela Reis, sommelière da Grand Cru.


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