(Ricardo Davino/Exame)
Luísa Granato
Publicado em 16 de setembro de 2021 às 05h36.
Última atualização em 20 de setembro de 2021 às 10h58.
O banco BV focou um grupo particularmente vulnerável na pandemia: o de mães. A ideia é recrutar mulheres retiradas do mercado de trabalho por causa da maternidade para cargos de liderança. A meta é ter 50% de mulheres nessas posições até 2030. Atualmente, o índice é de 34%. “É preciso entender o processo de adaptação desse retorno”, diz Ana Paula Tarcia, diretora de pessoas e cultura do BV. Para isso, sessões de mentoria individuais com executivos da empresa foram organizadas pelo time de recursos humanos. A companhia criou um banco de currículos de mães — elas são presença VIP na fila de novas contratações. “Não podemos ignorar as soft skills essenciais que as mães naturalmente têm. Precisamos disso tanto quanto elas precisam de empresas como o BV”, diz. Os ganhos para o negócio começam pelo clima organizacional. Uma pesquisa interna mostrou que 98% dos colaboradores sentem orgulho de trabalhar no banco. A percepção da marca BV também mudou com a visibilidade da iniciativa nas redes sociais.
Maria Clara Dias
O Grupo Natura &Co (das marcas Natura, Avon, Aesop e The Body Shop) apostou no apoio psicológico da startup Zenklub e em aulas de meditação e ioga na tentativa de manter a calma dos funcionários nos últimos meses. “O cuidado com as pessoas é algo que está em nosso DNA. Quando alguém entra na Natura, em qualquer empresa do grupo, isso é muito claro”, diz Mariana Talarico, diretora da Natura &Co para desenvolvimento de cultura. Em paralelo, um sistema de telemedicina foi estendido para todos os funcionários e até quatro dependentes — familiares ou não. “Consideramos as pessoas importantes na vida do colaborador: o funcionário da casa, o porteiro, a amiga, a sogra”, diz Talarico. O pacotão de bem-estar à disposição dos funcionários ajudou na retenção de talentos nas empresas do grupo — um feito e tanto num mercado tão disputado como o de revenda porta a porta de higiene e beleza. Em pesquisas internas, o índice de satisfação da mão de obra (as revendedoras estão no cálculo) atingiu 89 pontos numa escala até 100. A média do mercado, segundo a empresa, é de 79. O clima favorável na companhia coincide com bons resultados financeiros. Em 2020, a receita líquida da Natura &Co no Brasil, de 20,5 bilhões de reais, foi 9,4% acima de 2019.
Maria Clara Dias
O desafio para a inclusão nas empresas está longe de ser um tema monolítico. Pessoas do grupo LGBTQIA+ enfrentam problemas por vezes diferentes de mulheres ou negros, por exemplo. E o que fazer com os indivíduos pertencentes a mais de um grupo? Jogar luz sobre a situação dessa parcela da população, que costuma ser a mais excluída nas empresas, virou uma prioridade na rede de shopping centers Iguatemi. Desde 2017, a varejista vem contratando refugiados, um dos grupos com menos visibilidade. No ano passado, em plena pandemia e com o abre e fecha dos shoppings, a rede abriu um processo seletivo em conjunto com a Turma do Jiló, ONG dedicada ao recrutamento com critérios de inclusão. No fim, as vagas foram para dez refugiadas em abrigos de Boa Vista, em Roraima. “Escolhemos mulheres que representam diversidades interseccionais, sendo elas com deficiência, LGBTQIA+ e com mais de 50 anos”, diz Vivian Broge, diretora de RH do Iguatemi. Hoje são 28 refugiados contratados. A empresa ajudou os novos funcionários com coisas do dia a dia no país, como abrir uma conta bancária.
Marina Filippe
O Neon aposta na experiência de profissionais acima dos 50 anos para dar conta de uma das áreas mais espinhosas de um negócio: o atendimento aos clientes. Do início do ano passado para cá, a Neon triplicou o número de usuários — hoje são 12 milhões de contas. Atender às expectativas dessa leva de pessoas, boa parte delas neófita no mundo da tecnologia e também nos meandros do sistema financeiro, exige uma boa dose de paciência, uma qualidade que costuma ser mais frequente entre quem está calejado de anos de ralação no mercado de trabalho. Durante a seleção, foram mais de 900 inscritos. Em paralelo, a fintech quer ampliar a diversidade em cargos de tecnologia, o coração de uma empresa 100% digital como a Neon. Nos últimos meses a fintech lançou cursos de tecnologia para grupos pouco representados, como o de refugiados, e para famílias de baixa renda. Tudo isso já trouxe resultados concretos. Só no primeiro trimestre foram 25 contratações de pessoas acima dos 50 anos, e 20 imigrantes ganharão seu diploma do curso de tecnologia. “O propósito da Neon é diminuir desigualdades, mostrando caminhos financeiros mais simples e justos”, diz Juliana Yamada, vice-presidente de pessoas da Neon.
André Lopes
A francesa Faurecia é uma das dez maiores fabricantes de peças do setor automotivo do mundo — o negócio está em 35 países. Em todos eles, a diversidade virou um mantra impulsionado pelo período de pandemia. “Temos um papel importante na aceitação das diferenças”, diz Abdo Kassisse, diretor-geral para a América do Sul. Parte do esforço é criar comitês para discutir o assunto, fazer a lição de casa e identificar fornecedores sem práticas desse tipo — e auxiliá-los a adotar boas práticas. Com tantos projetos sobre inclusão na cadeia de fornecedores, o assunto virou natural no cotidiano dos 114.000 funcionários da companhia pelo mundo. O esforço foi importante para manter a competitividade nos últimos anos num mercado em crescente pressão por custos e com mudanças constantes no estilo de vida. Os clientes estão dando cada vez mais valor às empresas com políticas claras de diversidade — e setores como o automotivo, historicamente tido como um “clube do Bolinha”, é um dos que mais precisam evoluir para se alinhar às demandas atuais. Segundo Kassisse, as medidas elevaram a produtividade em 23% em dois anos.
Gabriel Aguiar
A Ambev Global Tech, unidade de tecnologia da cervejaria Ambev, começou há três anos o trabalho de diversidade inspirada na empresa-mãe, onde esse tema já tem tração há algum tempo. A primeira medida foi criar grupos de afinidade. Nessa hora, ajudou o fato de ser de uma indústria criativa. Os grupos têm nomes de estilos de cerveja: Weiss, de gênero; Bock, de étnico-racial; Lager, de orientação sexual e identidade de gênero; e IPA, de pessoas com deficiência. Além de discutir como evoluir na inclusão dos grupos, são trabalhados temas de interesse de todos. O grupo de gênero levanta discussões sobre recrutamento, além da inclusão de homens nas conversas sobre desenvolvimento de carreira das mulheres, enquanto o grupo de afinidade étnico-racial prepara um evento para auxiliar os pais e as mães na inserção de pautas de diversidade e inclusão com filhos. “Os funcionários repassam para suas famílias o que aprendem”, diz Danilo Martins, líder do tema na Ambev Global Tech.
Marina Filippe
O novo presidente da Crop Science, divisão de agricultura da Bayer na América Latina, torce para deixar de ser notícia pelo cargo que ocupa. Maurício Rodrigues é o primeiro negro a assumir a função na multinacional de capital alemão. Para isso, a empresa vem investindo internamente na evolução incremental do tema. “A sementinha que estamos plantando agora está começando a dar fruto e vejo dias mais brilhantes à frente”, diz Rodrigues. Há um ano, a Bayer foi pioneira em montar um trainee 100% para negros. Agora investe num programa de mentoria de jovens negros. A iniciativa vem após quase uma década de existência de um programa de afinidade de funcionários negros, a BayAfro. O grupo faz o acolhimento das pessoas negras na empresa e ainda traz um aspecto educacional sobre as questões de raça. Além disso, faz a ponte entre a alta liderança, o time de RH e toda a equipe. Na avaliação de Rodrigues, os avanços também ocorrem com o engajamento da Bayer com consultorias especializadas em apontar os pontos de debilidade da organização. “É um trabalho contínuo. Não existe um ponto em que falamos ‘a partir de agora, a empresa é inclusiva’. Tal como praticar exercícios, se parar, seus músculos atrofiam de novo.”
Luísa Granato
A participação das mulheres no mercado de trabalho em 2020 foi a menor em 30 anos, segundo o Ipea, instituto de pesquisas do governo federal. O home office, ao que tudo indica, elevou a desigualdade de gênero. Mulheres em cargos de liderança ganharam 40% menos do que homens nos mesmos postos de trabalho em 2020, ante 38% em 2019, segundo pesquisa do instituto de pesquisas Dieese. À luz do cenário desanimador, a siderúrgica Gerdau arregaçou as mangas. Dos 30.000 funcionários, 70% são homens. Isso deve mudar até 2025, quando a empresa espera ter 30% dos cargos de liderança ocupados por mulheres. Para isso, 20% do bônus dos executivos está atrelado a metas ESG, como mais presença feminina. Desde a criação das metas, em 2017, a presença de mulheres em cadeiras de coordenação cresceu 5% — hoje está em 22,4%. No ano passado, a executiva Michele Robert se tornou a primeira mulher no comando de uma unidade da companhia, a Summit, de energia. Tudo isso em meio à boa fase da empresa, que faturou 19 bilhões de reais no segundo trimestre de 2021, alta de 36% em relação ao ano passado.
Gilson Garrett Jr.
A diversidade costuma elevar em 35% o retorno financeiro das empresas, segundo uma pesquisa célebre de 2015 feita pela consultoria McKinsey sob os dados de 366 companhias de capital aberto. O que muitas delas estão descobrindo é o valor da diversidade, mesmo em negócios ainda sem o porte (e a pressão) das companhias abertas. Vide o caso da Medral, construtora de linhas de transmissão de energia fundada em Dracena, no interior paulista. Em 2019, os funcionários foram chamados para o embrião do Di Verdade, programa que incluiu uma espécie de roda coletiva de conversas sobre as experiências de cada um — e os traumas vividos na infância e na vida adulta. Mari Gonzalez, diretora corporativa, conta que tem uma filha autista e enfrentou diversos preconceitos e a falta de inclusão em escolas. “Um dia ela me perguntou se era um fantasma, porque as pessoas não a viam. Se eu quisesse que a aceitassem, teria de dar o primeiro passo”, diz. Boa parte dos 2.000 funcionários da Medral já participou da sensibilização.
Gilson Garrett Jr.
O atacadista Tenda aposta em palestras sobre vieses inconscientes — práticas de contratação tidas com o discriminatórias contra minorias — na tentativa de ampliar a diversidade. Além disso, faz um censo dos funcionários — na pesquisa mais recente, respondida por 4.700 dos 7.000 empregados, 41% são mulheres, 43% são negros, e 9% se identificam como LGBTQIA+, sendo 38 pessoas trans. “Ainda temos um caminho a percorrer para representar a sociedade brasileira”, diz Marcos Samaha, presidente do Tenda, que fez doutorado sobre o tema. A diversidade ganha foco também para fora da empresa. O Tenda é signatário do Movimento pela Equidade Racial (Mover), iniciativa que reúne dezenas de grandes empresas e tem um plano de ação que ambiciona gerar 10.000 novas posições de liderança para pessoas negras e gerar oportunidades para 3 milhões de pessoas até 2030. Para isso, o grupo de signatárias se compromete a criar vagas ao oferecer capacitação para empreendedores.
Marina Filippe
A fabricante de sabores e fragrâncias Symrise tem a meta de ter um quadro de funcionários com a mesma representação de negros, mulheres e outras minorias presentes na população brasileira. Em dois anos, a empresa aumentou em 53% o número de negros — hoje 29% do quadro de funcionários. No pilar de gênero, eles alcançaram 46% de mulheres na equipe, com 49% dos cargos de liderança ocupados por elas. Olhando para a intersecção de mulheres negras, elas avançaram de 11% para 16%. O segredo para esse sucesso? A empresa transformou as metas em KPIs, sigla em inglês para key performance indicator, ou indicadores-chave de performance. Essas metas viram missões para os grupos de afinidade, assim nenhuma ideia ou sugestão perde a estratégia de vista. Os dados dizem muito, mas não são a única conquista da Symrise para Barbara Zabori, líder de diversidade e inclusão. “A construção se torna colaborativa. Faz toda a diferença criar espaços para as pessoas colocarem suas ideias e se engajarem nos temas, e ainda cria senso de pertencimento”, diz.
Luísa Granato
Nas palavras de Marco Cauduro, CEO da concessionária de infraestrutura CCR, quanto mais diversas forem as equipes, melhores serão as relações com a sociedade. Em outubro do ano passado a empresa criou uma Semana da Diversidade para falar sobre o assunto aos 2.000 funcionários em contato direto com o público em aeroportos, metrôs e rodovias administrados pela empresa. Os treinamentos foram bem avaliados — o NPS foi 4,92 numa escala de zero a 5. “Realizamos ações de conscientização e treinamentos sobre ambiente de trabalho positivo, ambos executados pela área de compliance”, diz Cauduro. “Não aceitamos discriminação, preconceito ou qualquer outro tipo de atitude contrária à equidade social no Grupo CCR.” E, neste ano, a agenda ainda prevê abordagem de novos temas. Na fila estão assuntos como construção de gênero e educação antirracista. A expectativa da CCR é os funcionários virarem embaixadores dessa agenda no dia a dia de contatos com os viajantes.
Gabriel Aguiar