Revista Exame

Fundos não seguem alta da Bolsa - vale investir com eles?

Levantamento feito a pedido de EXAME mostra que apenas 20% dos gestores de fundos de ações ativos conseguiram superar o Ibovespa em 2016

Operadores na Bovespa: o desempenho relativo dos fundos decepcionou (Germano Luders/Exame)

Operadores na Bovespa: o desempenho relativo dos fundos decepcionou (Germano Luders/Exame)

PV

Patrícia Valle

Publicado em 22 de março de 2017 às 18h00.

Última atualização em 22 de março de 2017 às 18h40.

São Paulo — O conflito entre o absoluto e o relativo se manifesta com alguma frequência na vida das pessoas. Quando um amigo descreve as maravilhas da escola do filho, a escola que você achava tão boa de repente parece mais ou menos. Ainda que pouca gente admita, é difícil ficar feliz com o bônus do fim do ano quando se sabe que o colega de baia recebeu duas vezes mais. Aquela sonhada casa na praia também parece meio caída quando o melhor amigo compra uma bem maior. É esse desgosto que muitos investidores vêm sentindo recentemente no Brasil.

Em tese, sobram motivos para comemorar. Depois de três anos de martírio, a bolsa voltou a subir no ano passado, e subiu bem. Ações como as da empresa aérea Gol e as da siderúrgica Gerdau valorizaram mais de 150% nos últimos 12 meses. Só que a maioria dos investidores aplica na bolsa por meio de fundos, e pouquíssimos chegaram perto desse desempenho. Na média, os fundos não foram mal — bateram o CDI de longe —, mas quem estava olhando o CDI, e não a alta de 610% dos papéis do varejista Magazine Luiza?

Um levantamento feito, a pedido de EXAME, pela empresa de análise financeira MorningStar mostra que apenas 20% dos gestores de fundos de ações ativos (aqueles em que o gestor tem liberdade para escolher quais papéis comprar) conseguiram superar o Ibovespa em 2016. Neste ano, o percentual está em 29%. Na média, os fundos renderam 37% de janeiro de 2016 a fevereiro de 2017, enquanto o Ibovespa subiu 54%.

Gestores e analistas têm várias explicações sobre por que não conseguiram bater o mercado: o comportamento dos investidores foi influenciado por eventos políticos, difíceis de prever; houve uma euforia injustificada com empresas estatais, em razão do novo governo; o dólar deveria ter valorizado mais com a perspectiva de alta dos juros nos Estados Unidos, o que beneficiaria as exportadoras, mas isso não aconteceu; os fundos estrangeiros voltaram a ficar otimistas com o Brasil e compraram as ações mais negociadas da Bovespa sem avaliar os fundamentos. Mas para que pagar um gestor que não consegue antecipar tendências? Não é melhor aplicar num fundo que cobra taxas baixíssimas e simplesmente acompanha o Ibovespa? Ou comprar ações diretamente na bolsa?

Essa é uma das discussões mais acaloradas do mercado financeiro mundial — e a má notícia para os investidores é que não existe uma resposta definitiva. No Brasil, apesar da derrapada recente, a maioria dos fundos conseguiu superar o Ibovespa de 2012 a 2015. No acumulado dos últimos dez anos, os fundos de ações ativos renderam 163%, em média, o dobro do Ibovespa. Em um estudo sobre a rentabilidade dos fundos de ações de 2008 a 2016, a consultoria financeira Lockton conclui que eles geraram retornos de 4% a 6% acima da média do mercado por ano.

“Vimos, pela experiência de 2016, que os gestores têm dificuldade em prever eventos políticos, e eles passaram a ter um peso relevante no desempenho das bolsas”, diz Lauro Araújo, consultor da Lock-ton. Além disso, não foi preciso ser um gênio do mercado para bater o Ibovespa nos últimos anos. O desempenho do índice foi bastante prejudicado pelos resultados ruins de empresas específicas, como as estatais (especialmente a Petrobras) e a OGX, petroleira de Eike Batista que hoje está em recuperação judicial. “O gestor que evitou catástrofes como essas bateu o Ibovespa”, diz Luis Eduardo Pinho, estrategista da assessoria financeira Andbank.

Os gênios também erram

Nos Estados Unidos, os fundos vêm perdendo do principal índice da bolsa de Nova York, o S&P 500, há anos. Segundo a MorningStar, a rentabilidade média acumulada na última década ficou em 86%, enquanto o S&P subiu 99%. A média é ruim, e há gestores no vermelho. Um dos “gênios” de Wall Street, Bill Ackman, dono da gestora Pershing Square, é símbolo da má fase da turma. Ele perdeu 4 bilhões de dólares nos últimos dois anos com as ações da empresa farmacêutica Va-leant, que caíram de 260 para 11 dólares. A situação tem provocado o crescimento dos fundos que apenas acompanham os índices de mercado (e, por isso, cobram taxas mais baixas).

Um terço do patrimônio do setor de fundos está em fundos de índice — em 2007, o percentual estava em 18%. A crise de 2008 deu um novo impulso aos fundos de índice. A gestora americana Vanguard, a maior do mundo especializada em fundos de índices, já tem 3,5 trilhões de dólares sob gestão. Fã da Vanguard, o bilionário Warren Buffett deu corda ao debate. Em sua última carta a investidores, publicada em fevereiro, ele diz que está prestes a ganhar uma aposta de 500 000 dólares, feita há dez anos. Ele apostou que os gestores de fundos não seriam capazes de superar o rendimento médio da bolsa americana no longo prazo.

A aposta terminará em dezembro, e Buffett está confiante porque o fundo que escolheu (e acompanha o S&P 500) rendeu 85%. Do outro lado da aposta está o gestor Ted Seides, que escolheu cinco fundos que considerava vencedores — o melhor deles rendeu 63%; o segundo colocado, 28%. “Quando trilhões de dólares são geridos em Wall Street cobrando altas taxas, geralmente são os gestores que colhem os grandes lucros, não seus clientes”, escreve Buffett na carta (os 500 000 serão doa-dos à caridade).

Diante de tanta incerteza, a maioria dos assessores financeiros acha que não é hora de sacar dinheiro de fundos que não acompanharam o Ibovespa. Quem quiser amenizar o risco pode, daqui para a frente, dividir os recursos destinados à bolsa em fundos de índice e fundos ativos (EXAME publica anualmente um ranking dos melhores gestores, feito pela Fundação Getulio Vargas e disponível em Exame.com). Uma alternativa aos fundos de índice são os ETFs do Ibovespa, que reúnem as mesmas ações do indicador e são negociados na bolsa como se fossem ações.

Em geral, os índices costumam superar os fundos em momentos de grande euforia do mercado, quando quase todas as ações sobem de forma indiscriminada, e os gestores acabam tendo pouco a agregar, como aconteceu no ano passado. Quando o oba-oba acaba, bons gestores têm a chance de bater o mercado com o que fazem de melhor: analisar as empresas no detalhe e escolher as que parecem ser as melhores opções da bolsa. Foi assim que atuaram os gestores de fundos de ações Dynamo, Fama, IP, Opportunity e Tempo Capital, entre outros, nas últimas duas décadas no Brasil. Enquanto o Ibovespa subiu 600% desde 1997, esses fundos renderam mais de 1 500% — e fizeram a alegria, absoluta e relativa, dos investidores.

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