Revista Exame

Estácio ignorou a Kroton. Agora pode ser engolida por ela

Seis anos atrás, a rede de ensino superior Estácio valia 50% mais do que a rival Kroton. Hoje, a Estácio pode ser engolida pela concorrente


	Sala de aula da Estácio: a empresa vale um quinto do que vale a Kroton
 (Eduardo Monteiro/Exame)

Sala de aula da Estácio: a empresa vale um quinto do que vale a Kroton (Eduardo Monteiro/Exame)

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Da Redação

Publicado em 23 de junho de 2016 às 05h56.

São Paulo — É um velho clichê do mundo dos negócios, daqueles que teimam em assustar os que duvidam de sua validade: quem não engole os concorrentes acaba engolido por eles. A dupla formada pelas redes de ensino superior Kroton e Estácio é um caso clássico. Seis anos atrás, a Kroton era a terceira maior empresa do setor, distante das rivais Estácio e Anhanguera.

A Estácio, então, valia na bolsa 50% mais. Foi ali, no entanto, que a Kroton começou a pisar no acelerador. Saiu comprando o que via pela frente, num movimento que culminou na aquisição da Anhanguera, anunciada em 2013 e concluída em 2014. Ali, tornou-se a maior empresa de educação do mundo. A Estácio, por sua vez, decidiu seguir um caminho próprio, diferente — tentou ser uma espécie de “anti-Kroton”.

Nada de aquisições retumbantes: a proposta era ser uma nova cultura de educação, mais pé no chão e centrada na qualidade em “gerar valor no longo prazo”. Podia até ser verdade, mas o mercado — cruel como ele só — não estava nem aí. Enquanto a Kroton continuava crescendo, a Estácio estacionou. Em maio, valia pouco mais de 4 bilhões de reais, quase um quinto do valor de mercado da Kroton.

Pior, a Es­tácio pensava no longo prazo sem ter um acionista controlador que bancasse o ­investimento — a empresa tem controle pulverizado na bolsa. Quem não engole é engolido: no dia 2 de junho, a Kroton resolveu partir para cima. Naquele dia, a Kroton informou publicamente, sem nenhuma negociação prévia com a Estácio, que tinha interesse em comprar a rival.

Propôs uma troca de ações em que avaliou a concorrente pela média das cotações dos 30 pregões anteriores, período que embutiu dias de forte queda dos papéis.

Isso porque as ações da Estácio haviam sido retiradas do índice MSCI, que reúne empresas de mercados emergentes — como muitos investidores são obrigados a comprar ações que formam esse índice, é natural que vendam ações de uma empresa que deixou de fazer parte dele. A Kroton fez a oferta num momento em que a diferença de preço entre suas ações e as da Estácio era a maior em cinco anos.

Por causa disso, se a operação for concretizada, os atuais acionistas da Kroton ficarão com 84,3% da empresa combinada; e os da Estácio, com apenas 15,7%. Foi o início de um leilão, ainda sem vencedor definido.

Dias depois, a Ser Educacional, outra grande companhia de ensino superior de capital aberto, apresentou uma proposta concorrente: uma fusão com um pagamento de 590 milhões de reais em dinheiro para os acionistas da Estácio. Nessa alternativa, os acionistas da Ser ficariam com 31,3% da nova empresa; e os da Estácio, com 68,7%.

Controlada pelo empresário Janguiê Diniz, a Ser é a terceira maior companhia do setor, com valor de mercado de 1,6 bilhão de reais. A Estácio contratou o banco BTG Pactual para assessorá-la na avaliação das propostas junto com um comitê formado por quatro conselheiros.

Esse comitê tem a missão de conseguir o maior valor possível para a empresa, o que inclui procurar novas ofertas, segundo pessoas próximas às negociações. O interesse da Kroton pela Estácio começou a ganhar corpo há cerca de três meses. Quando concluiu a integração da Anhanguera, em julho de 2015, Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, decidiu que era a hora de voltar às compras.

EXAME apurou que a Kroton estudou a compra de todas as grandes companhias de capital aberto e fechado do setor, e concluiu que a Estácio era o alvo mais promissor. Além de ser a segunda maior empresa de educação, ela domina o ensino superior no Rio de Janeiro, onde estão sua sede e metade da base de alunos.

O mercado carioca é considerado difícil para novos entrantes em razão do alto custo dos aluguéis, da guerra de preços nas mensalidades e dos salários, em média, mais altos dos professores, por causa de um sindicato atuante. A Estácio também tem forte presença no Nordeste, onde a Kroton tem atuação mais tímida.

No segmento de ensino presencial, os analistas estimam que os ganhos de sinergia para a nova empresa ficarão entre 5 bilhões e 8 bilhões de reais e que a atuação, por ser complementar, não provocará grandes medidas restritivas por parte do Cade, órgão que avalia a competição na economia. O problema é o segmento de ensino a distância.

A companhia combinada teria quase 48% desse mercado — e a segunda colocada, a Uninter, apenas 9,1%. Provavelmente a Kroton seria obrigada a vender algo. A equipe da empresa conta com a possibilidade de, no pior cenário, ter de se desfazer de toda a área de ensino a distância da Estácio, o que diminuiria o faturamento da nova empresa em 5%. Ainda assim, acredita que o negócio valha a pena.

Procuradas, Estácio e Kroton não deram entrevista. Há, no mundo corporativo, inúmeros exemplos de empresas que, como a Estácio, preferem crescer de forma moderada. Em alguns casos, essa é, inclusive, a melhor estratégia. Mas companhias bem-sucedidas que fazem isso têm donos que podem bancar decisões menos populares.

Na Estácio, que não tem controlador desde que o fundo GP Investimentos terminou de vender sua participação em 2013, Rogerio Melzi, presidente da empresa, e Eduardo Alcalay, presidente do conselho de administração da Estácio até abril, tentavam desempenhar esse papel. Ambos defendiam a estratégia de crescer aos poucos.

O principal opositor da dupla era Chaim Zaher, que se tornou um dos maiores acionistas da companhia ao vender sua rede Uniseb à Estácio em 2013. Zaher defendia no conselho que a Estácio acelerasse e passasse a crescer por meio de grandes aquisições. Não adiantou muito. Após a saída de Alcalay, um novo conselho assumiu, liderado por João Cox, ex-presidente de operadora de telefonia Claro.

Zaher decidiu apresentar, até o fim de junho, um novo plano estratégico que previa uma expansão mais agressiva. Segundo EXAME apurou com executivos do setor, o empresário chegou a negociar um empréstimo com o banco Bradesco para aumentar sua participação na companhia — que, juntando as ações de outros integrantes de sua família, é de quase 14%. Foi surpreendido pela oferta da Kroton.

Segundo executivos próximos à Estácio, Zaher pode articular um grupo de investidores dispostos a fazer uma proposta concorrente pela Estácio. Cálculos iniciais do banco BTG Pactual indicam que o “preço justo” da Estácio seria em torno de 20 reais por ação. Antes da oferta da Kroton, a ação da Estácio valia 10 reais; hoje, beira os 15 reais.

Os resultados da Estácio no primeiro trimestre ficaram abaixo do esperado. Com o garrote aplicado pelo governo no Fies, programa de financiamento estudantil público, a empresa passou a dar grandes descontos nas mensalidades para atrair alunos, o que prejudicou seu desempenho. O número de estudantes aumentou 11%, mas as despesas comerciais cresceram 68% e o lucro caiu 2%.

Apesar disso, a Estácio é pouco endividada e gera caixa — ou seja, não está desesperada atrás de um comprador. A Ser já afirmou que não mudará sua oferta. A Kroton, de acordo com pessoas próximas à negociação, aceita pagar um pequeno prêmio, na casa dos 15%, mas insiste que o principal ganho para os atuais acionistas da Estácio virá das sinergias que conseguirá extrair da operação.

Se o conselho avaliar que nenhuma das propostas é adequada, pode simplesmente recusá-las. Claro, depois que as ações da Estácio subiram 50% em razão da proposta da Kroton, a pressão por um negócio será tremenda. Se o conselho rejeitar a proposta, a Kroton deverá apresentá-la diretamente aos acionistas

Apesar de a Ser ter feito uma pro­posta considerada mais amigável pela cúpu­la da Estácio, executivos ligados à empresa consideram improvável resistir ao poder de fogo da Kroton. Uma hipótese para “defender” a Estácio é questionar o direito de voto de fundos como BlackRock e Oppenheimer, que são acionistas das duas empresas e são vistos na Estácio como defensores da proposta de fusão.

Mas a tese do conflito de interesses é polêmica. Se a fusão se confirmar, a nova companhia valerá 15 vezes mais do que a segunda maior do setor, a Ser. Terá perto de 25% do mercado, o que poderá forçar os demais concorrentes a unir suas operações para sobreviver. Eles podem aprender a lição proporcionada pela história de Kroton e Estácio: quem opta por ignorar o apetite da Kroton pode acabar sendo engolido por ela.

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