Revista Exame

Em meio à crise, provedores regionais facilitam acesso à internet

Cerca de 3,2 milhões de lares são atendidos por essas empresas, três vezes mais do que em 2011

Índios conectados: no interior de Minas, 60 estudantes indígenas passaram a ter acesso à banda larga (Fabiano Accorsi/Exame)

Índios conectados: no interior de Minas, 60 estudantes indígenas passaram a ter acesso à banda larga (Fabiano Accorsi/Exame)

LP

Luciano Pádua

Publicado em 29 de junho de 2017 às 07h00.

Última atualização em 29 de junho de 2017 às 07h00.

São Paulo — Em 2010, o fazendeiro Rodrigo Lopes criou a cachaçaria Prosa Mineira em Santa Rita das Caldas, cidade de 9 000 habitantes no sul de Minas Gerais. O investimento de 1 milhão de reais rapidamente deu retorno. Os três rótulos da marca já receberam uma dezena de prêmios, entre eles duas medalhas de ouro na edição brasileira de um dos principais concursos de bebidas destiladas do mundo. Com o reconhecimento, a demanda cresceu e Lopes criou um comércio eletrônico para os produtos. Mas esbarrou num problema prosaico: a conexão de internet, feita via rádio na fábrica, não era suficiente para a loja online funcionar. A solução foi abrir em 2016 um escritório no centro da cidade e contratar os serviços de banda larga do provedor local, a Nowtech. Com mais velocidade, a Prosa Mineira começou a vender para todo o Brasil e, desde então, o faturamento aumentou 40%. “Agora tenho contato direto com meus clientes e futuros consumidores. Além de a marca ficar mais visível, meu tempo de resposta está mais rápido”, diz Lopes.

Assim como a cachaçaria, outras empresas e moradores da pequena Santa Rita de Caldas passaram a se beneficiar da internet gerada pela rede de fibra óptica do provedor local. Uma mineradora da cidade que explora granito na região trocou a baixa qualidade da internet via satélite pela banda larga, 48 vezes mais rápida. A única escola estadual agora tem uma conexão de alta velocidade para auxiliar nos estudos dos 600 alunos do ensino fundamental e médio. Até uma tribo indígena — os xucurus-cariris, que vivem numa fazenda próxima — passou a se conectar, permitindo que 60 estudantes tivessem aulas a distância. “A internet tornou-se item de primeira necessidade em qualquer lugar. Com redes de fibra óptica, os provedores locais conseguem prestar esse serviço com qualidade nas pequenas cidades”, diz Marcelo Couto, dono da Nowtech. Ele criou a empresa em 1999 e tem 4 000 clientes em Santa Rita das Caldas e em outras três cidades vizinhas.

O exemplo da Nowtech ilustra um fenômeno que ocorre em diferentes regiões. Ignoradas pelas grandes companhias de telecomunicações, que reduziram os investimentos após a crise, cidades de pequeno porte viram os antigos provedores locais da lentíssima internet a rádio investir em redes de fibra óptica que sustentam conexões de alta velocidade. Cerca de 3,2 milhões de lares são atendidos por essas empresas, três vezes mais do que em 2011. No primeiro trimestre deste ano, elas foram responsáveis por 77% dos novos acessos à banda larga no Brasil. Hoje, há 3 200 empresas que operam regularmente e prestam informações à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em 1 200 municípios, esses pequenos provedores são líderes de mercado — hoje respondem por 12% do total de conexões no país. Juntos, eles formariam a quarta maior operadora de internet brasileira. Mas o alcance deles é muito maior. Estima-se que haja 10 000 empresas oferecendo o serviço, a maioria na ilegalidade. “Como as cidades menores são pouco atraentes para as grandes operadoras, as pequenas aproveitam esse vácuo”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco. Na prática, as empresas regionais vão tocando indiretamente uma promessa antiga do governo de universalizar o acesso à banda larga no país. “Enquanto os grandes reclamam, os pequenos estão assumindo uma missão que é do Estado brasileiro”, diz Aníbal Diniz, conselheiro da Anatel.

Como em muitos aspectos de nossa economia, o acesso à internet também guarda desigualdades. De acordo com um estudo da consultoria Teleco, um grupo de 250 cidades que concentram 51% da população brasileira tem uma infraestrutura considerada de alta qualidade. Ali, ocorrem 77% dos acessos à banda larga no país — quase metade deles oferecendo conexões com velocidade superior a 12 megabits por segundo. Já os 49% restantes dos brasileiros vivem em lugares que respondem por apenas 23% do acesso à banda larga, dos quais metade é feita abaixo de 2 megabits por segundo, uma velocidade com a qual é difícil carregar um vídeo de alta resolução.

Tecnologia mais barata

O avanço dos provedores locais ocorre porque, primeiramente, os hábitos dos consumidores mudaram. Há mais gente que precisa de internet rápida para assistir a séries e filmes no Netflix e disposta a comprar o que está à venda online. A tecnologia da fibra óptica também ficou mais barata. Nos últimos três anos, o custo para expandir o cabeamento caiu pela metade. Normalmente, os provedores instalam os cabos de fibra óptica nos postes que dão suporte à rede elétrica (e pagam uma taxa por isso). A Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações estima que essas empresas vão investir pelo menos 500 milhões de reais neste ano para instalar fibra pelo país. Para tornar viável o investimento, os empresários costumam se juntar na construção de redes de infraestrutura, financiadas com capital próprio. É o caso de Jackson Almeida, dono da Mega Telecomunicações, que tem 3 000 clientes em Cícero Dantas, a 320 quilômetros de Salvador, e em outras sete cidades da região.

Em 2006, Almeida uniu-se a outros 25 provedores para investir 3,5 milhões de reais na construção, de Feira de Santana a Canindé do São Francisco, de uma rede de estações para oferecer internet a rádio, o padrão nos rincões do país na época. Em 2015, fez nova parceria com quatro empresas e juntos injetaram outros 3 milhões de reais para levar uma linha de fibra óptica de Salvador a Feira de Santana, de onde se ligará à rede já existente em Cícero Dantas. “A meta é colocar fibra óptica em toda a rede nos próximos dois anos”, diz Almeida. Há casos de empresas que se especializaram em nichos. O provedor Interjato, voltado para o segmento corporativo, fornece internet ao pujante setor eólico do interior do Rio Grande do Norte. “Fomos atender as construtoras, que precisavam de internet para a gestão da obra”, diz Erich Matos, presidente da Interjato. “E, depois de prontos, os parques eólicos nos procuraram porque precisam enviar informações da geração de energia em tempo real ao Operador Nacional do Sistema Elétrico.”

O crescimento dos provedores esbarra em alguns entraves conhecidos da economia brasileira. Quando essas empresas começam a ganhar musculatura, elas saem do regime de impostos do Simples Nacional — que prevê faturamento anual de até 3,6 milhões de reais — e correm o risco de ser acometidas pelo que se apelidou de “morte súbita”. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, ao deixar o Simples, um provedor vê a incidência de imposto subir de 4% para 24%. Com isso, o lucro cai de 20% para 7,5%, margem que torna o negócio quase impraticável, dada a necessidade de investimento. Com medo de não resistir à nova tributação, muitos empresários têm evitado revelar o número de clientes ou entregam informações subestimadas à Anatel. “Estamos tentando nos aproximar do setor para facilitar a regularização”, diz Lucia Bardi, superintendente de planejamento e regularização da Anatel.

Outro grande problema é o acesso ao financiamento. Como bancos não aceitam as redes dos provedores como garantia, eles não conseguem pegar crédito na praça. Há anos, associações batalham pela criação de um fundo garantidor para ser fiador dos financiamentos dos provedores regionais. O setor defende que a alocação de 400 milhões de reais em recursos públicos traria investimentos de 9 bilhões num prazo de oito anos. No governo, o arrocho fiscal tem impedido a liberação de verbas para o setor, mas a causa tem simpatizantes em Brasília. “Ainda precisamos encontrar a fonte desses recursos”, diz Artur Coimbra, diretor do Departamento de Banda Larga do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações. “Esse dinheiro ajudaria 1 200 municípios com menos de 100 000 habitantes.” Enquanto isso, investidores privados mais parrudos começam a se interessar pelos projetos. “Queremos entender as oportunidades de expansão da rede de provedores”, diz Evan Grayer, ex-executivo de banda larga da DirecTV na América Latina que comanda o fundo de investimentos em telecomunicações Simple Networks, de Nova York.

O aumento da presença da internet em lares e negócios é essencial para a economia do país. Hoje, 58% da população brasileira está conectada à rede — índice superior à média mundial, mas abaixo dos 82% dos países ricos.  Estudos do Banco Mundial mostram que o acesso à internet rápida é estimulante para o crescimento das atividades. Redes de telecomunicações bem distribuídas e eficientes melhoram a produtividade dos negócios — indicador em que o Brasil persistentemente vai mal — e, consequentemente, da economia. Segundo a consultoria americana BCG, a massificação da banda larga no Brasil traria ganhos de 1,4 trilhão de reais até 2025. Para isso, porém, seria necessário investir 200 bilhões de reais nos próximos dez anos em infraestrutura de rede. Se o Brasil quiser estar totalmente conectado no futuro, vai precisar do engajamento de todos na empreitada: governo, pequenas e grandes empresas.

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