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Comprou um imóvel? Se deu bem

Nos últimos três anos, o preço dos imóveis no Brasil subiu bem mais que a renda da população. Ainda há mais espaço para valorização ou chegamos ao teto?

Bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro: os cariocas precisam trabalhar sete meses para comprar 1 metro quadrado (Wikimedia Commons)

Bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro: os cariocas precisam trabalhar sete meses para comprar 1 metro quadrado (Wikimedia Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 12 de junho de 2012 às 15h08.

São Paulo - O empresário Fauze Farhat, de 39 anos, sempre se considerou um excelente investidor. Em 2009, quando os preços dos imóveis no Brasil subiam quase todos os meses, ele vendeu seu apartamento de um quarto em Moe­ma, na zona sul da capital paulista, por 150 000 reais — valor, na época, considerado justíssimo.

Sua meta era usar a quantia para dar uma bela entrada em outro imóvel, na mesma região, que lhe servisse de moradia definitiva — a nova casa, esperava, teria três ou até quatro quartos.

Mas, tão logo começou a procurar seu novo imóvel, Farhat deu de cara com a dura realidade: os apartamentos que mais lhe agradaram não sairiam por menos de 400 000 reais, o que lhe obrigaria a fazer uma dívida muito maior do que estava disposto inicialmente. Ele então aplicou o dinheiro no banco e foi morar com a mãe, na esperança de que houvesse uma queda nos preços. Não houve.

Pelo contrário — subiram mais ainda. Vencido, Farhat conseguiu em dezembro do ano passado uma carta de crédito no valor de 350 000 reais e saiu novamente em busca de seu tão sonhado apartamento. Descobriu, então, que aqueles de que mais havia gostado agora custavam entre 600 000 e 800 000 reais, valor que ele se recusa a pagar.

“É muito dinheiro”, diz Farhat. “Não faz sentido assumir uma dívida como essa.” Farhat saiu da casa da mãe e hoje mora de aluguel em um apartamento em Moema, pelo qual paga 2 000 reais por mês.

Um recente estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo, explica a frustração de Farhat em termos matemáticos.

Depois de cruzar dados sobre rendimento familiar, valorização dos imóveis e condições de financiamento em São Paulo e no Rio de Janeiro, os dois maiores mercados do país, os pesquisadores concluí­ram que, de fato, ficou mais difícil adquirir um imóvel. Em 2008, os moradores da capital paulista precisavam trabalhar pouco mais de três meses para comprar 1 metro quadrado de um imóvel usado.

Hoje, é necessário trabalhar o dobro disso: seis meses. No Rio, o esforço é ainda maior. O carioca deve trabalhar mais de sete meses para comprar 1 metro quadrado, ante quatro meses em 2008. O que mais pesa na conta é o descasamento entre o aumento do preço do imóvel e o dos salários. 

Em São Paulo, o metro quadrado aumentou, em média, 80% entre 2008 e 2011, mas a renda cresceu cerca de 5%. No Rio, a valorização dos imóveis passou de 100% no mesmo período, enquanto a renda aumentou 27%.

Ou seja, quem comprou seu imóvel lá atrás, quando os preços ainda não tinham explodido, se deu bem; quem esperou vai precisar de um reforço de caixa se quiser se livrar do aluguel.

“Como os imóveis são bens de valor elevado, quem comprou antes da escalada de preços dos últimos anos ficou mais rico do que aqueles que resolveram esperar”, diz o economista Eduardo Zylberstajn, responsável pela pesquisa.


Ao contrário do que aconteceu em mercados desenvolvidos nas últimas décadas, por aqui, o salto no preço dos imóveis não é consequência de especulação imobiliária por parte de grandes fundos ou instituições financeiras — mas do aumento da demanda interna.

Em 2002, o número de contratos de financiamento imobiliário não passava de 27 000 — pouco mais de 1 000 por estado. No ano passado, esses mesmos recursos financiaram a construção e a reforma de quase meio milhão de imóveis. Era natural que a procura por imóveis desse um salto. E que os preços subissem junto.

O impacto na economia 

Não foi somente a disparada no valor bruto dos imóveis que complicou a vida da classe média. As prestações também ficaram mais caras. A queda nos juros do financiamento, que passaram de 14%, em média, em 2007, para cerca de 10%, neste ano, e o alongamento no prazo máximo de pagamento não foram suficientes para diluir o peso das parcelas. A Fipe fez uma simulação usando as condições mais usuais de financiamento em 2007 e hoje.

Há cinco anos, a prestação de um apartamento de 360 000 reais na região dos Jardins, na zona sul de São Paulo, custaria 5 700 reais por mês. A conta considerou que o comprador financiaria 80% do valor por seis anos, com um juro anual de 14%, o mais comum na época.

A prestação para quem compra o mesmo imóvel hoje custaria 7 000 reais — mesmo levando-se em conta que os juros caíram para 10% e o prazo passou para 13 anos. Para voltar ao antigo valor da prestação, seria necessário esticar o financiamento em pelo menos mais oito anos.

“Estamos diante de uma mudança cultural no Brasil”, diz Zylberstajn, da Fipe. “A compra da casa própria vai passar a ser encarada como um investimento de longo prazo, cujo financiamento compromete boa parte do orçamento familiar por 20, 30 anos, como ocorre nos Estados Unidos.”  

Ainda falta muito para que o setor de habitação se consolide como um dos pilares da economia brasileira. Primeiro porque o financiamento imobiliário ainda responde por uma parcela muito pequena do produto interno bruto, de 5% — nos Estados Unidos, equivale a 70% do PIB.


E, depois, porque o país padece de graves problemas de infraestrutura em cidades vizinhas a grandes centros urbanos, o que  torna mais difícil a ocupação da periferia, algo que poderia ajudar a derrubar o preço dos imóveis nas metrópoles.

“Nos Estados Unidos e na Europa, as pessoas aceitaram morar longe das áreas centrais porque havia boas condições de transporte, saneamento, lazer e emprego”, diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Estudos de Construção Civil da Fundação Getulio Vargas. “Por isso, o mercado imobiliário cresceu tanto.”

Não por acaso, já é possível encontrar sinais de arrefecimento no setor.  Segundo o índice Fipe-Zap, que mede a valorização dos imóveis no Brasil, a menor demanda foi a principal razão por trás da alta de 2,9% nos preços de janeiro a março deste ano — no mesmo período de 2011, o aumento havia sido de 4%.

Com menos disposição para se endividar, cerca de 200 000 famílias com renda mensal igual ou superior a 10 000 reais engrossam a massa de sem-imóveis no Brasil. A má notícia, pelo menos para elas, é que nada indica que a situação vá mudar tão cedo.

Embora o país já tenha o metro quadrado mais caro da América Latina, o preço dos imóveis ainda está bem abaixo do verificado em algumas cidades da Europa, dos Estados Unidos e até de alguns países emergentes, como Índia e Rússia, o que, pelo menos em tese, abre espaço para futuras valorizações.

“É pouco provável que São Paulo e Rio cheguem ao nível de preços de Paris, até por uma questão de renda e disponibilidade de crédito”, diz Octavio de Lazari Jr., presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. “Mas é fato que os valores por aqui estavam defasados.”

Em bom português, quem ainda não deu entrada no apartamento corre o risco de ficar ainda mais pobre nos próximos anos. Claro, há sempre a possibilidade de que os preços caiam. O risco, para quem pensa assim, é ter de voltar a morar com a mãe.

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