Paula Bellizia, ex-presidente Microsoft: executiva participa de evento nesta terça (Germano Luders/Exame)
Aline Scherer
Publicado em 24 de agosto de 2017 às 05h12.
Última atualização em 24 de agosto de 2017 às 09h42.
São Paulo — O indiano Satya Nadella vem conduzindo nos últimos três anos uma transformação radical à frente da Microsoft. O valor de mercado da multinacional americana quase dobrou nesse período, sobretudo por seus resultados na corrida pelo promissor mercado de serviços na nuvem. Hoje, mais de 20% das vendas globais da companhia vêm desse tipo de serviço. Em 2014, o percentual era de 5%. Os resultados da Microsoft no último trimestre surpreenderam positivamente os analistas, com receitas 10% acima das registradas no ano passado.
Nos bastidores, a agenda de Nadella para atingir esses resultados vai além de investir bilhões em equipamentos e tecnologias. Logo que assumiu o cargo, em fevereiro de 2014, ele mudou algumas rotinas na companhia. Uma delas foi a instituição de uma videoconferência online mensal. Os mais de 124.000 funcionários podem enviar perguntas a ele, que as responde ao vivo. Nesses encontros virtuais, Nadella costuma dar exemplos de projetos tocados por suas equipes nos 110 países onde a Microsoft tem operação. Também aproveita a ocasião para reforçar a ideia de que inovação implica assumir riscos e, nesse processo, é natural errar. Ele recebe em tempo real interpretações da reação dos funcionários em comentários inseridos no sistema.
A inspiração declarada de Nadella para a nova postura está numa descoberta da neurociência. Estudos recentes relacionam a sensação de incerteza e de falta de controle durante um período prolongado à redução da capacidade de ter empatia e de ser criativo, dois atributos fundamentais para a companhia neste momento.
Com o mesmo objetivo, Nadella também mudou a abordagem na hora de fazer a revisão de resultados, prática que parece estar se espalhando na empresa. “Em vez de observações em tom de cobrança, questiono: o que vocês aprenderam até chegar aos resultados? No lugar da abordagem de inspeção, faço perguntas que levam o time a refletir”, diz Paula Bellizia, presidente da subsidiária brasileira, que esteve em março na sede da companhia, em Seattle, num curso sobre neurociência. “Isso cria aproximação e confiança.”
No Brasil, Paula começou a adotar outras atitudes semelhantes às de Nadella logo que assumiu o posto de presidente, em junho de 2015. Ela reúne mensalmente um grupo diverso de 15 funcionários, num clima de happy hour no escritório, com direito a cerveja para acompanhar. Cerca de 40% dos 944 empregados participaram desses encontros e puderam expor suas sugestões de como melhorar os processos internos da companhia.
Até poucos anos atrás a teoria de gestão de pessoas estava toda baseada na psicologia. Os princípios difundidos pelo americano Abraham Maslow nos anos 50, como as necessidades sociais que levam à motivação, ainda são evocados por empresas de todos os portes e origens. Com os avanços tecnológicos, porém, tudo o que era observado empiricamente começou a passar pelo crivo da neurociência.
A análise do comportamento ganhou um componente científico com o advento da ressonância magnética funcional, criada há 26 anos, que mostra nas imagens o aumento de fluxo sanguíneo em áreas específicas do cérebro em reação a estímulos externos. Na última década, a psicologia passou do sexto para o primeiro lugar na lista dos temas mais estudados entre os neurocientistas, segundo um levantamento da Universidade de Hong Kong.
No campo corporativo, um exemplo está no amplo estudo conduzido pelo economista americano Paul J. Zak, divulgado em janeiro no livro Trust Factor: The Science of Creating High Performance Companies (“Fator confiança: a ciência da criação de empresas de alto desempenho”, ainda sem tradução no Brasil).
Zak descobriu em 2001, com a ajuda de neurocientistas, que a capacidade de confiança e cooperação está relacionada a mecanismos químicos no cérebro e no sistema nervoso, como o nível de um hormônio chamado ocitocina. Zak fundou e dirige o centro para estudos em neuroeconomia da Universidade Claremont, na Califórnia, e há 20 anos pesquisa os processos cerebrais envolvidos na sensação de confiança, generosidade e sacrifício. Seu time realizou experimentos com funcionários das 50 maiores empresas do mundo — e testou as hipóteses em ambientes diferentes, como o Pentágono e uma tribo na floresta tropical de Papua-Nova Guiné.
Comparados às pessoas em companhias com baixo índice de confiança, os empregados de empresas com um clima de alta confiança são 50% mais produtivos, possuem 76% mais engajamento, sentem 74% menos estresse e têm 13% menos dias de afastamento por doença. É um campo de estudo oportuno num momento em que, em todo o mundo, a sensação de incerteza passou a ser regra. Uma pesquisa exclusiva da consultoria de gestão de riscos e seguros Willis Towers Watson, com 31.000 funcionários de 2.004 empresas em 29 países, mostra que 52% deles não confiam nos altos executivos da companhia. No Brasil, o mesmo levantamento indica que 56% dos empregados não confiam no gestor imediato.
A neurociência ajudou a comprovar que criatividade e capacidade de colaboração não são, por definição, atributos permanentes. Mas em geral prosperam — ou minguam — de acordo com determinados fatores externos. Esses dois atributos fundamentais para a produtividade vinham sendo aniquilados, segundo neurocientistas, por um mecanismo até pouco tempo atrás usado justamente com o intuito de moldar funcionários mais eficientes: o sistema tradicional de avaliação de desempenho.
Segundo o neurocientista David Rock, fundador da Neuroleadership Institute, consultoria presente em 24 países, inclusive no Brasil, o sistema que avalia com a intenção de rotular o desempenho desperta a danosa sensação de ameaça. “O cérebro funciona o tempo todo se defendendo de ameaças e buscando recompensas”, diz Rock. “Nossas pesquisas sugerem que dar uma nota ao desempenho e colocar o funcionário num ranking desencadeia uma reação negativa que torna as pessoas menos colaborativas e menos dispostas a inovar.”
É a conclusão a que chegaram empresas como a Microsoft, a gigante de tecnologia IBM, o conglomerado industrial GE e a consultoria Accenture. De acordo com uma pesquisa da consultoria Deloitte com 10.000 executivos de RH em 140 países, 79% dizem considerar prioridade máxima redesenhar seus modelos de gestão de desempenho. Entre os que seguiram nesse sentido, 90% verificaram melhorias no engajamento dos funcionários.
Não é o caso de relevar o que vai mal, mas, sim, apontar erros — e até elogiar — de outra maneira. Uma pista do que fazer está nos achados da psicóloga americana Carol Dweck, professora na Universidade Stanford e autora de Mindset — A Nova Psicologia do Sucesso. Publicado em 2006, continua na lista de livros mais vendidos dos Estados Unidos, auditada pela empresa de pesquisas Nielsen BookScan. Ela analisou o efeito do que chama de “mentalidade fixa”, ou a atitude de pessoas que pensam em si mesmas ou nos fatos como obras acabadas, em contraposição à “mentalidade de crescimento”, segundo a qual tudo pode ser melhorado.
Para Dweck, é possível desenvolver a segunda atitude ao centrar a discussão nos pontos necessários para melhorar o desempenho futuro. O estudo levou em conta crianças que recebiam repetidamente o elogio “você é esperto”, enquanto outras ouviam “você trabalhou duro”. O primeiro grupo passou a desistir mais rápido das atividades, enquanto o segundo desenvolveu a habilidade de perseverar.
O viés inconsciente, conceito introduzido nos anos 70 por Amos Tversky e Daniel Kahneman, estudiosos do campo da economia comportamental, tornou-se outro alvo favorito dos neurocientistas, dispostos a desvendar a influência involuntária de referências e crenças nas decisões das pessoas.
Matthew Lieberman, diretor do laboratório de neurociência cognitiva social da Universidade da Califórnia, identificou, por exemplo, que as pessoas tendem a confiar mais em quem está fisicamente próximo. Executivos da empresa de tecnologia IBM adotaram táticas para diminuir a influência disso no dia a dia. “Orientamos que os gestores dediquem mais tempo a quem trabalha num escritório distante”, diz Christiane Berlinck, diretora de RH da IBM.
Com o conhecimento de que recompensas desencadeiam no organismo a produção de dopamina, neurotransmissor ligado ao foco, à memória, ao estusiamo e à disposição para assumir riscos, a IBM fez outra mudança. Primeiro, criou um sistema online de avaliação em tempo real, em que todos podem analisar qualquer colega com o qual tenham trabalhado. Depois elaborou um mecanismo para tornar visível o acúmulo de elogios para determinada competência. Nesses casos, o empregado recebe uma medalha digital visível para todos. A medalha também vale presentes, como viagens.
As novidades da IBM na gestão de pessoas levam em conta cinco aspectos que, segundo estudos da neurociência, ajudam na motivação: status, certeza, autonomia, relacionamentos e senso de justiça. A preocupação em reduzir vieses inconscientes, por exemplo, dá às pessoas um senso de justiça. O elogio público e o prêmio dão status. Fazer parte de uma rede social com os colegas estimula a criação de vínculos e relacionamentos.
“A abordagem científica do treinamento me ajudou a conquistar gestores mais céticos, como os de finanças”, diz Miguel Bermejo, diretor de RH do grupo hoteleiro Hyatt na América Latina, responsável por um treinamento local apoiado na neurociência que poderá ser multiplicado em outros países.
A nova abordagem busca aumentar a eficiência dos funcionários num momento em que a indústria hoteleira enfrenta concorrentes como o site Airbnb, que fatura mais de 1 bilhão de dólares sem ter um único quarto para hospedagem. Os cerca de 30 gestores de todas as áreas, incluindo o presidente Yann Gillet, participam de palestras mensais e sessões quinzenais de mentoria para treinar novos comportamentos. Um deles é ter diálogos mais longos para provocar insights no lugar de reações de autoproteção.
Exemplo: em vez de mandar um funcionário adotar o hábito de tirar as bagagens do corredor, é melhor perguntar a ele o que poderia acontecer com um cliente que não as visse no meio do caminho. Em outras palavras, simplesmente dar ordens em tom de ameaça não tem efeito duradouro. Muita gente já desconfiava, mas agora está demonstrado cientificamente: não há atalhos para criar uma cultura de bons resultados.