Revista Exame

MM 2023: como o agronegócio impulsiona a economia brasileira

Responsável por um quarto do PIB brasileiro, a produção agrícola consolidou sua força com inovação

Plantação de soja em Mato Grosso: a colheita de grãos cresceu 577% em 50 anos (Lucas Ninno/Getty Images)

Plantação de soja em Mato Grosso: a colheita de grãos cresceu 577% em 50 anos (Lucas Ninno/Getty Images)

Marcus Lopes
Marcus Lopes

Jornalista colaborador

Publicado em 14 de setembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 14 de setembro de 2023 às 09h31.

No começo dos anos 1970, o panorama do agronegócio no Brasil era bem diferente do atual. Até o termo que se tornou referência para definir o setor, derivado do agribusiness americano, era praticamente desconhecido no campo e nas cidades. Por causa de fatores como a intensa industrialização que predominava na economia nacional e o rápido processo de urbanização, a agropecuária carregava resquícios dos anos 1950 e 1960, como as baixas mecanização e produtividade. O cultivo da soja ainda era inexpressivo há 50 anos, e a produção de grãos e carnes não atendia sequer o mercado de consumo interno de maneira satisfatória.

O cenário atual é bem diferente. Em 2022, o agronegócio respondeu por 24,8% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em cifras, foram cerca de 2,4 trilhões de reais injetados na economia por toda a cadeia agropecuária no ano passado, incluindo insumos, produção e serviços ligados ao setor, como venda de máquinas agrícolas, seguros e outros.

Em quase cinco décadas, a colheita de grãos cresceu 577%, saltando dos 46,9 milhões de toneladas colhidas na safra 1976/1977 para os 317,6 milhões de toneladas estimadas para a safra atual (2022/2023), em novo recorde de produção. Sozinha, a soja deverá atingir até o fim de 2023 uma produção de 154,6 milhões de toneladas, 23,1% mais do que na safra anterior. Os números são da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Mais da metade dessa produção vem das cooperativas, algumas delas gigantes do setor, como a Coamo, do Paraná, e a ­Comigo, de Goiás. “O forte da produção agrícola brasileira está dentro do sistema cooperativo, sendo que 71% dos agricultores ligados às ­cooperativas têm perfil familiar”, diz o presidente do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), Márcio Lopes de Freitas.

O desempenho do campo se reflete em toda a economia nacional, em um círculo virtuoso de desenvolvimento e crescimento das empresas relacionadas ao setor. Em 2022, a receita líquida das 73 companhias agropecuárias analisadas por ­MELHORES E MAIORES somou 544,7 bilhões de reais, 34,4% mais do que o resultado registrado no ano anterior — 405,1 bilhões de reais. O lucro líquido foi de 42 bilhões de ­reais; e a margem líquida, de 7,72%.

Centro de armazenagem da SLC: a empresa registra crescimento expressivo e lidera ranking setorial (Divulgação/Divulgação)

A SLC Agrícola manteve a liderança no ranking setorial, com receita líquida apresentada de 7,3 bilhões de reais no ano passado, 3 bilhões de reais a mais do que a receita registrada em 2021. A companhia, com sede em Porto Alegre, possui cerca de 670.000 hectares de área plantada de algodão, milho e soja em 22 unidades de produção, que estão espalhadas por sete estados. Os negócios também abrangem a criação de gado, produção e comércio de sementes.

Os efeitos sociais do agronegócio

O lucro líquido da SLC nesta edição foi de 1,3 bilhão de reais, e os ativos totais da companhia gaúcha somaram 14,8 bilhões de reais, mais do que o dobro dos ativos da segunda colocada: a 3Tentos Agroindustrial, cujos ativos atingiram 6 bilhões de reais em 2022, e cujo lucro líquido registrado foi de 571,1 milhões de reais.

“Os números falam por si. Seja pela produção de riquezas, seja pela geração de empregos, o agronegócio é fundamental para a economia brasileira”, resume André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, empresa especializada em compra e venda de propriedades rurais, produção de alimentos, fibras e bioenegia. Ele tem razão. No primeiro trimestre deste ano, o agronegócio era responsável por 28 milhões de empregos, cerca de 27% do total de postos de trabalho no país, segundo dados da CNA.

“Esse número de empregos gerados no campo inclui o trabalho de subsistência, por exemplo, o pequeno sitiante”, explica o zootecnista Bruno Lucchi, diretor-técnico da CNA, referindo-se à importância do trabalho agrícola para a geração de renda da população. A posição é compartilhada pelo coordenador-geral de políticas públicas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), José Garcia Gasques, que cita o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBPA) brasileira, que neste ano deve superar 1,1 trilhão de reais. O VBPA é o faturamento recebido pelos produtores em suas propriedades.

“O agronegócio tem efeitos sociais importantes. Isso ocorre devido à sua contribuição para a geração de renda e emprego”, diz Gasques, que destaca a integração do agro com outros setores da economia, como indústria e serviços. “Essa integração com outras atividades reforça a importância do setor na economia nacional”, explica.

O crescimento segue além das porteiras e contribui não apenas para o desenvolvimento rural mas também para o urbano. Ao longo dos últimos 50 anos, cidades inteiras nasceram e se desenvolveram com a ajuda de produtores desbravadores no Centro-Oeste, e hoje são centros importantes do agronegócio, como Sorriso, Lucas do Rio Verde e Sinop, todas em Mato Grosso.

“Municípios que nasceram com a força do agro hoje são polos regionais de serviços. O dinheiro do produtor rural que fica na região ajuda no desenvolvimento das localidades e resulta em benefícios como construção de aeroportos, abertura de universidades etc.”, diz Lucchi, que também cita o caso do Vale do São Francisco. Municípios como Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), que se destacam pela produção e exportação de frutas, possuem indicadores econômicos e sociais melhores do que de outras cidades do mesmo porte na Região Nordeste. “O agronegócio foi um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento do interior do país”, diz o diretor da CNA.

As frutas produzidas no Vale do São Francisco, com as commodities agrícolas de outras regiões, contribuem para que a produção brasileira ganhe escala no mercado externo. O Brasil hoje é o segundo maior exportador de alimentos do mundo, com 7,4% do total do mercado internacional, perdendo apenas para os Estados Unidos, segundo a CNA.

O resultado se reflete na balança comercial: os números da CNA mostram que quase metade das exportações brasileiras em 2022 (47,6%) correspondeu a produtos agropecuários, totalizando 159 bilhões de dólares em divisas. “É um setor muito resiliente, que garante a segurança alimentar do país e gera excedentes para alimentar o mundo”, diz Lucchi.

(Arte/Exame)

Nesses quase 50 anos, a área de produção no território nacional, segundo a CNA, cresceu 110%, passando de 37,3 milhões de hectares de áreas cultivadas, em 1976, para os atuais 78,2 milhões de hectares. O salto em produtividade foi ainda maior, de 1,3 tonelada por hectare anual, em meados da década de 1970, para as 4,1 toneladas por hectare produzidas hoje, um incremento de 223%. O empreendedorismo dos produtores aliado às inovações tecnológicas tornou possível colher mais produtos em áreas menores.

“A agropecuária brasileira é exemplo mundial de inovação e sustentabilidade. Somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo, capazes de produzir de duas a três safras na mesma área, por meio de muita ciência, tecnologia e inovação”, explica Renata Bueno Miranda, secretária de Inovação do Ministério da Agricultura. A melhoria na conectividade e o advento do 5G no campo abrem novas oportunidades em termos de produção agrícola. “Estudos mostram que uma elevação de 23% para 50% das áreas do território brasileiro cobertas por internet permitirá um aumento de 50 bilhões de reais no valor bruto da produção”, diz Miranda.

O desafio da armazenagem de grãos

Os desafios são proporcionais às oportunidades. Entre eles, os problemas de armazenamento e logística. Atualmente, a capacidade estática de armazenagem no país é de cerca de 188 milhões de toneladas de grãos. Com a perspectiva de mais uma safra recorde superior a 317 milhões de toneladas, o Brasil acumula um déficit de mais de 128 milhões de toneladas de espaço em armazéns para estocagem adequada das colheitas — quase 30% da produção total. A Região Centro-Oeste, que concentra a maior produção de grãos do país, é a que mais sofre com o problema de estocagem.

Vista aérea de Sinop, em Mato Grosso: a receita do agronegócio levou o desenvolvimento a cidades do Centro-Oeste (Florian Plaucher/AFP/Getty Images)

“Com isso, a maior parte da produção precisa ser retirada da fazenda logo após a colheita, pressionando o sistema logístico e gerando perdas ao país”, afirma Piero Abbondi, CEO da Kepler Weber, líder na América Latina em soluções pós-colheita para beneficiamento, armazenagem de grãos e movimentação de granéis. A empresa, que possui unidades industriais em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul, ficou em terceiro lugar nesta edição do ranking setorial agro de MELHORES E MAIORES, com receita líquida de 1,8 bilhão de reais no ano passado.

“Esse fato reforça a importância de ampliar a capacidade de armazenagem de grãos no país, para que tenhamos maior segurança alimentar e possamos operar com estoques reguladores em nossa logística de produção”, diz Abbondi. Levantamento feito pela Cogo Inteligência em Agronegócio, a pedido da Kepler Weber, mostrou que o Brasil deve perder 30,5 bilhões de reais, em 2023, em deságios na venda de soja e milho. “As causas dessas perdas bilionárias são, entre outras, a forte pressão de venda no momento da colheita, fatores logísticos, custos elevados de frete e portos com problemas de carga”, diz Abbondi.

A guerra na Ucrânia expôs a dependência do Brasil em relação aos fertilizantes importados, grande parte deles da Rússia. Para contornar o problema, empresas investem na produção nacional. Em 2022, a Verde Agritech, empresa de fertilizantes potássicos, anunciou aporte de 275 milhões de reais no aumento da produção para se consolidar como alternativa à dependência, dos produtores rurais, do cloreto de potássio importado. O investimento vai permitir um salto de 3 milhões para 13 milhões de toneladas de fertilizantes produzidas por ano. “Há uma demanda global crescente por mais alimentos, e nossas inovações, criadas por meio de parcerias com universidades do Brasil e do exterior, unem o melhor da natureza e da tecnologia para colaborar com uma agricultura mais saudável, produtiva e sustentável”, comenta Cristiano Veloso, fundador e CEO da Verde Agritech.

Sustentabilidade, aliás, tornou-se obrigação em um mercado interno e externo bastante exigente em relação às boas práticas ambientais. O sucesso do agronegócio, hoje e no futuro, está diretamente ligado à proteção do meio ambiente e ao uso racional dos recursos naturais. “É natural que o consumidor queira saber onde e como está sendo produzido aquilo. É uma discussão de que ficamos um pouco distantes nos últimos anos. A partir de agora, teremos de comunicar melhor e, com isso, abriremos novos mercados”, diz Guillaumon, da BrasilAgro.


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