Revista Exame

Em empresas como Ambev, Boticário e Burger King ativismo dá resultado

Uma pesquisa exclusiva revela que quase um terço dos consumidores já identifica empresas que investem em marketing de causa no Brasil

Funcionários da Ambev: o programa de voluntariado agora é aberto na internet a quem se interessar (Alexandre Battibugli/Exame)

Funcionários da Ambev: o programa de voluntariado agora é aberto na internet a quem se interessar (Alexandre Battibugli/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 24 de outubro de 2019 às 05h38.

Última atualização em 24 de outubro de 2019 às 12h20.

Um grupo de 300 líderes com cargo a partir de supervisão da fabricante de bebidas Ambev afastou-se por alguns dias do escritório ao longo do último ano para fazer algo totalmente fora da rotina. Eles se tornaram mentores voluntários dedicados a melhorar a gestão de 221 ONGs selecionadas em todo o país. Com a adesão interna, os executivos sentiram-se estimulados a ampliar o escopo da iniciativa para fora dos muros da empresa.

Em outubro, a Ambev lançou uma campanha aberta na internet para recrutar mais voluntários, com inscrição livre. “Percebemos que as pessoas reclamam da falta de acesso à educação e a outras oportunidades de melhorias sociais. Nosso objetivo é transformar essa indignação em ação”, diz Carla Crippa, diretora de sustentabilidade da Ambev. A inscrição é online, e qualquer pessoa pode acessar o site do projeto VOA (sigla para Voluntários de ONGs Ambev), cadastrar-se para alguma das vagas disponíveis pelo Brasil afora ou mesmo registrar uma área de atuação de seu interesse.

Levantar uma bandeira diante dos consumidores em prol de uma demanda social tem sido uma estratégia de reputação cada vez mais frequente entre grandes empresas. Uma pesquisa feita com 1 200 brasileiros pela consultoria Cause, de identificação e gestão de causas, junto com a empresa de inteligência de mercado Ipsos, o Instituto Ayrton Senna e a ESPM, obtida com exclusividade por EXAME, mostrou que os consumidores começam a entender esse movimento e a privilegiar as empresas que o abraçam. Dos entrevistados, 29% já ouviram falar em “marketing de causa”, expressão usada para designar essas iniciativas. O índice sobe para 38% quando se considera apenas a geração Z, formada por nascidos de 1995 a 2009.

No caso de consumidores de uma faixa de renda mais elevada, a proporção é ainda maior: 55%. Mesmo quem não conhece o termo reconhece as ações. Levando em conta todo o universo pesquisado, 34% dos entrevistados afirmam ter comprado algum produto que destinava parte do valor a uma causa social, cultural ou ambiental nos últimos 12 meses. “Cada vez mais os consumidores buscam empresas com propósito, e o marketing de causa é uma ferramenta para comunicar as boas iniciativas”, diz Francine Lemos, sócia da Cause.

A tendência é mundial. Segundo uma pesquisa global da consultoria Kantar com 20.000 consumidores, o valor da marca de empresas reconhecidas por seguir um propósito cresceu 175% nos últimos 12 anos. Nas demais, a taxa média foi de 70%. Estudos, porém, mostram que não basta fazer barulho sobre uma causa qualquer e achar que o reconhecimento virá automaticamente. Na pesquisa Trust Barometer 2019, divulgada pela agência global de relações públicas Edelman em setembro, há indícios de que os brasileiros se mostram receptivos ao ativismo, mas também são um tanto céticos. De acordo com o levantamento, 91% dos brasileiros afirmam que, ao decidir uma compra, dão preferência a marcas que fazem “o que é certo”. No entanto, apenas 23% têm convicção de que as causas escolhidas contemplam os principais interesses da sociedade.

Nesse aspecto, o levantamento da Cause e da Ipsos aponta um caminho: combater a fome e proporcionar água potável são as duas causas consideradas mais importantes para os consumidores. Ambas são prioridade para 79% e 69% dos entrevistados, respectivamente. “Além do interesse da sociedade, os casos mais bem-sucedidos levam em conta causas que se relacionam de maneira genuína com os atributos mais relevantes da empresa”, afirma Francine.

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Foi essa análise que levou a Ambev a escolher como uma de suas causas o acesso à água — um de seus principais insumos. Em 2017, a Ambev lançou a água Ama, produto que tem 100% do lucro destinado a levar água potável para comunidades do semiárido. Desde o lançamento, houve lucro de 3,5 milhões de reais com a venda da Ama, beneficiando cerca de 26.000 pessoas. Durante anos, antes disso, a empresa empreendeu um esforço de redução do consumo de água nas fábricas, que cortaram 40% do uso nas linhas de produção. “A Ama é mais do que um marketing de causa, é um produto de causa, que surgiu depois de percebermos a consistência de algo que havia sido feito internamente”, afirma Carla, da Ambev. Da mesma forma, o projeto com as ONGs envolveu um dos atributos reconhecidos da empresa: um sistema de gestão que se notabilizou sobretudo pelo gerenciamento eficiente de custos.

Segundo as entrevistas realizadas pela Ipsos, a campanha com causa que mais marcou o brasileiro nos últimos 12 meses foi a de Natal do Boticário. No vídeo, um menino com deficiência auditiva é integrado à apresentação de fim de ano da escola ao participar do coral e se comunicar por meio da língua brasileira de sinais. Ao perceber o impacto que a empresa tem gerado com campanhas como essa, a do Dia dos Namorados com casais homoafetivos em 2015 e a do Dia dos Pais com destaque para uma família negra em 2018, o Boticário definiu em abril o posicionamento de marca “Onde tem amor tem beleza”, com o objetivo de incentivar todas as formas de amor, diversidade e inclusão.

As ações são pauta também internamente. Há dois anos, a empresa estruturou um programa de diversidade e inclusão. Entre as iniciativas está um curso de Libras que já formou 290 funcionários e tem outros 300 na lista de espera. “Temos promovido a diversidade dentro de casa e não só da porta para fora”, diz Cathyelle Schroeder, gerente de marca e mídia do Boticário.

Campanha de Natal do Boticário: o anúncio que envolve uma causa mais lembrado pelos consumidores mostra a inclusão de um deficiente auditivo num coral infantil | Divulgação

Abraçar causas também significa assumir riscos que podem valer a pena. A segunda campanha mais lembrada foi a da rede de lanchonetes Burger King, que elegeu uma bandeira política — a campanha contra o voto em branco — na última eleição presidencial. A empresa lançou um vídeo com uma enquete na qual pessoas que se mostravam dispostas a votar em branco ganhavam um sanduíche, mas não podiam escolher os ingredientes. Nele havia apenas pão, maionese e cebola. “A ideia era encorajar as pessoas a não deixar suas decisões para os outros”, diz Ariel Grunkraut, diretor de vendas e marketing do Burger King. O saldo nas redes sociais foi claramente de vantagem para os comentários positivos a respeito do comercial.

Tocar em temas polêmicos e ainda assim somar pontos à reputação da marca nem sempre é fácil, no entanto. Uma campanha do Burger King foi alvo de críticas ao retratar num vídeo, lançado em fevereiro, o poliamor — relação afetiva que envolve a presença consensual de mais de duas pessoas — para anunciar a promoção de dois sanduíches por 15 reais. “Testamos a campanha antes de ir ao ar, muita gente não gostou, mas mesmo assim resolvemos arriscar”, afirma Grunkraut. Após a enxurrada de críticas, o Burger King decidiu mudar o mote e lançou a versão “poliamigos”, na qual o mesmo vídeo foi redublado. Para Grunkraut, é possível correr riscos quando se assume um posicionamento claro. Nos últimos anos, o Burger King patrocinou a Parada LGBTI+ de São Paulo e mapeou a contratação de funcionários com perfis diversos.

O marketing de causa tem se destacado ao redor do mundo. Em junho, no Cannes Lions, a premiação mundial de maior prestígio da publicidade, realizada na França, a vencedora na categoria saúde e bem-estar foi a varejista de móveis sueca Ikea, com uma campanha que apresentou um conjunto de adaptadores gratuitos para facilitar o uso de seus produtos por pessoas com deficiência. A autenticidade está no fato de que os itens foram desenvolvidos em parceria com Eldar Yusupov, um profissional de 32 anos que tem paralisia cerebral e trabalha na agência McCann Tel Aviv, responsável pela campanha.

Entre as premiadas também há a divulgação de adaptadores do videogame Xbox para pessoas com deficiência. Em comum, todas apresentam um vínculo genuíno com o tema em questão. “A empresa não é dona da causa, mas pode fazer muito por ela ao mesmo tempo que conquista os consumidores”, diz Francine, da Cause. É uma boa combinação. 

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