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México vai às urnas em meio a dúvidas sobre qual será o futuro do presidente Obrador

País deve eleger primeira presidente mulher, mas há dúvidas sobre qual será o papel do presidente após deixar o cargo

Andrés Manuel López Obrador: presidente tem brincado que vai para rancho ao fim do mandato (Luis Barron/Eyepix Group/LightRocket/Getty Images)

Andrés Manuel López Obrador: presidente tem brincado que vai para rancho ao fim do mandato (Luis Barron/Eyepix Group/LightRocket/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 23 de maio de 2024 às 06h00.

Andrés Manuel López Obrador criou um ritual depois de tomar posse como presidente do México, em dezembro de 2018: uma entrevista coletiva diária, geralmente às 7 horas da manhã. Daquele púlpito, ao longo de seis anos, Obrador, ou AMLO, como é conhecido, falou de muitas coisas: sua relação com Donald Trump, as formas de enfrentar a pandemia, os acordos negociados com Joe Biden e os avanços da economia mexicana. Também foi perguntado sobre as dificuldades em conter a violência. Nas contas do governo, foram mais de 1.200 coletivas, mantidas mesmo durante viagens dele a outros estados. Obrador é conhecido por gostar de falar, mas em breve precisará deixar o microfone. Seu mandato termina em 30 de novembro. Em um país sem reeleição, as pesquisas mostram que ele deverá eleger uma aliada como sucessora, Claudia Sheinbaum, e as atenções se concentram em como ela poderá mudar — ou não — os rumos do país.

Pesquisas mostram Sheinbaum, de 61 anos, com vantagem confortável, de até 25 pontos percentuais nas pesquisas, sobre Xóchitl Gálvez, ex-senadora e empresária que lidera uma frente de partidos de oposição, como o PRI e o PAN, rivais históricos que se alternavam na Presidência antes de o Movimento de Regeneração Nacional (Morena) chegar ao poder. Não há segundo turno no México, e tudo se resolverá na votação de 2 de junho. Assim, é dado como praticamente certo que o México terá uma presidente mulher, pela primeira vez em sua história. Nas Américas, atualmente há apenas três de 35 países chefiados por mulheres: Barbados, Peru e Trinidad e Tobago.

Sheinbaum entrou na política depois de ser líder estudantil. Ela foi também a primeira mulher a governar a Cidade do México, e ficou no cargo de 2018 a 2023, mesma época em que Obrador estava na Presidência. Analistas afirmam que ela tem um perfil mais técnico e menos comunicativo do que o do atual­ presidente, que deixa o cargo em alta, com aprovação de 53%, segundo pesquisa do jornal El Economista. A candidata governista promete dar continuidade ao trabalho, como o avanço de programas sociais, que fazem pagamentos diretos à população, e a aumentos robustos do salário mínimo.

Na campanha, Sheinbaum defende combater ideias neoliberais. Uma de suas propostas é aumentar o papel do go­verno no planejamento econômico do país, para beneficiar regiões mais pobres e estimular a oferta de empregos mais bem remunerados. No entanto, ações assim custam dinheiro, e o novo governo terá ainda de lidar com um desarranjo nas contas. Obrador deixa o maior déficit fiscal mexicano desde os anos 1980, hoje em 5,9% do PIB. Apesar disso, a economia está aquecida.

O país se beneficiou do movimento de near-shoring: após as dificuldades de produção e a logística que surgiram em meio à pandemia nos países asiáticos, empresas dos Estados Unidos buscaram aproximar suas cadeias de produção, especialmente do setor automotivo. Com isso, o México se tornou o principal fornecedor de importações para os Estados Unidos, desbancando a China. Isso ajudou a economia mexicana a atingir bons números, como fazer o PIB crescer a uma média de 4,8% ao ano entre 2021 e 2023, manter o desemprego abaixo de 3% e elevar a renda per capita, de 10.130 doláres em 2018 para 13.641 em 2023, em valores correntes.

Porém, um dos desafios é fazer com que os avanços do near-shoring, hoje concentrados em alguns setores e na região mais próxima da fronteira norte, melhorem as condições de vida nas outras partes do país. Embora a economia tenha melhorado, a desigualdade­ de renda e falhas no acesso à saúde e educação permanecem. “Desde a pandemia, houve problemas importantes na saúde e na educação. O sistema tem se deteriorado e tido muito menos verbas. Há muitas notícias de clínicas que não dão conta da demanda”, diz Gerardo Maldonado, professor no Cide, um centro de pesquisa econômica ligado ao governo mexicano. 

AMLO também teve avanços limitados no combate à criminalidade, um dos principais problemas locais. O país tem vários cartéis, fortalecidos pela venda de drogas rumo aos Estados Unidos e que disputam entre si o controle de territórios e rotas de tráfico. Há mais de 110.000 pessoas desaparecidas no país, segundo o jornal El País. Em seu governo, Obrador apostou em aumentar o papel do Exército, atuando não só em funções da polícia mas também em obras públicas e até na administração de aeroportos. Durante seu mandato, pouca coisa mudou nos números da violência. A taxa de homicídios por 100.000 habitantes era de 30 em 2018 e chegou a 25,5 em 2022, dado mais recente. Como comparação, no Brasil essa taxa foi de 23,4 assassinatos por 100.000 pessoas em 2022.

Gálvez, da oposição, vem atacando na campanha a forma como o governo lida com a segurança e promete reduzir a atuação do Exército e endurecer as regras nas prisões, que ela chama de “hotéis e centros do crime”. Já Sheinbaum defende manter o rumo atual, reforçar o poder da guarda nacional e investir em ações de inteligência. Ela conseguiu bons resultados na área de segurança como governadora da capital, mas tem evitado dar destaque ao assunto na campanha, pois há risco de que isso a leve a criticar as medidas de Obrador.

Embora defenda reforçar o poder da promotoria, Sheinbaum propõe que os juízes da Suprema Corte possam ser escolhidos pelo voto popular. A medida é vista como uma ameaça à independência do Judiciário: quase todos os países buscam dar garantias, como mandatos vitalícios, para que os juízes possam decidir sem se preocupar com represálias políticas ou pressão popular. Obrador tentou avançar com essa proposta, mas não tinha maioria no Congresso para uma mudança desse porte. “Não creio que o Morena vai conseguir conquistar maioria ampla nestas eleições para modificar a Constituição e fazer muitas reformas, mas com certeza vai continuar sendo a primeira força legislativa”, avalia Maldonado. 

Na arena internacional, a nova presidente terá um grande desafio já nos próximos meses: lidar com o resultado das eleições americanas e a possibili­dade de que Trump volte à Casa Branca. O americano tem como uma de suas principais bandeiras o combate à imigração e pode voltar a exigir que o país vizinho seja mais duro no tema. O México tem vários acordos com os americanos para dificultar o caminho de estrangeiros que tentam rumar para a fronteira com os EUA, como a retomada da exigência de visto para turistas brasileiros.

Ao mesmo tempo, medidas de Trump acabaram beneficiando o México, como o começo da guerra comercial dos EUA com a China e a renovação do acordo de livre comércio na América do Norte, chamado de USCMA, que beneficiaram a indústria mexicana. Sheinbaum disse não ver espaço para um acordo de livre comércio com a China, que tenta se aproximar do México para acessar o mercado dos EUA. A BYD, por exemplo, anunciou recentemente que vai construir uma fábrica no país.

Outra questão em aberto é como será a relação do novo governo com a América Latina. Obrador concentrou suas atenções nos Estados Unidos, mas fez críticas a Jair Bolsonaro quando ele era presidente e deu apoio a Lula, por ambos serem de esquerda. Sheinbaum promete se dedicar mais ao combate às mudanças climáticas, e isso poderá aproximá-la do governo Lula, que tem ações na mesma linha, avalia Denilde Holzahacker, professora de relações internacionais na ESPM. “No entanto, os dois países competem muito em termos industriais e comerciais, então, mesmo que haja um discurso de aproximação, na prática há poucos movimentos”, pondera.

Um sinal do aumento da disputa entre os dois países é que o PIB mexicano, medido pela cotação do dólar, já teria ultrapassado o do Brasil, segundo relatório do banco Jef­feries. No entanto, entidades como o Banco Mundial costumam comparar o PIB dos paí­ses com base na paridade de poder de compra, ângulo pelo qual o Brasil continua na frente.

Apesar das distâncias, o momento político do México lembra o do Brasil em 2010: um presidente carismático e de esquerda deixa o cargo em alta, consegue eleger uma sucessora de perfil mais técnico e fica a dúvida se ele sairá de cena ou tentará influir no novo governo. Obrador, de 70 anos, tem dito que vai para “la Chingada”. “É uma expressão com dois sentidos. De um lado, é o nome de um pequeno rancho que Obrador tem em Tabasco, o que significaria ‘vou para o meu rancho e me afasto da política’. A outra coisa é que ‘chingada’, no México, é uma expressão muito feia, similar a f****, e ele joga com isso”, diz Maldonado, da Cide. “Não creio que ele se afaste muito da política e que vamos vê-lo ativo. Ele gosta de ser protagonista e que lhe perguntem coisas”, diz. Há grandes chances de que as entrevistas frequentes de Obrador saiam do Palácio Nacional e ocorram em um rancho. Uma das principais questões será quanto os mexicanos, e a nova presidente, estarão interessados em ouvi-lo.

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