Os líderes dos países em desenvolvimento estão tão comprometidos com o combate às mudanças climáticas quanto qualquer líder do mundo desenvolvido. Mas enfrentam urgentes desafios domésticos (Phil Leo, Michael Denora/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 17 de novembro de 2022 às 06h00.
Após a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro passado, o Egito recebeu o bastão da COP do Reino Unido, e agora espera-se que a COP27, já aclamada como “a primeira COP para a África”, também seja uma “ COP para a Ação”. Acredito que esses dois conceitos — apresentar uma ação climática pragmática e colocar a África no centro do debate climático global — estão inextricavelmente ligados.
Até 2050, um quarto da população mundial será africana, e suas necessidades de energia e desenvolvimento estão aumentando mais rapidamente do que em qualquer outro lugar do mundo. Está cada vez mais claro que tratar a África e o mundo em desenvolvimento como parceiros genuínos é um pré-requisito para tornar uma ação efetiva sobre as mudanças climáticas uma realidade.
Na minha experiência, os líderes dos países em desenvolvimento estão tão comprometidos com o combate às mudanças climáticas quanto qualquer líder do mundo desenvolvido. Mas eles também enfrentam urgentes desafios domésticos, como industrializar suas economias, transformar seus setores agrícolas para alimentar populações em rápido crescimento e fornecer empregos para seus jovens.
Eles querem lutar por esses objetivos de maneira consistente com o mundo se unindo para impedir as mudanças climáticas. Mas não se pode esperar que o façam à custa de seu próprio desenvolvimento econômico. Além disso, até que ponto eles conseguem descarbonizar ou “pular” a necessidade de combustíveis fósseis será determinado tanto pelas decisões que tomarem internamente quanto pelo apoio — financeiro, tecnológico e em termos de abertura de mercados globais — que receberem dos países desenvolvidos.
O que é necessário — e o que acredito que pode vir a ser visto como o legado duradouro da COP27 — é um novo consenso entre os países desenvolvidos e o mundo em desenvolvimento. No cerne desse entendimento precisa estar o reconhecimento entre os países mais ricos — cuja industrialização e crescimento econômico são os grandes responsáveis por causar a crise climática — de que as metas de desenvolvimento dos países mais pobres não são negociáveis. As aspirações de seu povo são legítimas, e ele merece nosso apoio para buscá-las.
O primeiro pilar desse novo consenso envolve países mais ricos trabalhando com países em desenvolvimento para formular planos nacionais de transição energética sob medida que sejam tecnicamente possíveis, financeiramente viáveis e politicamente aceitáveis. Essas soluções de energia sob medida permitirão que os países de baixa e média renda busquem seus mais elevados objetivos de desenvolvimento.
Meu instituto já trabalhou nesses planos com vários países, incluindo Indonésia, Moçambique e Nigéria, e espero que sua adoção se torne a norma nos próximos anos. Uma abordagem menos cooperativa, como tentativas de governos ocidentais de explicitamente impor planos de transição ou de restringir as opções de investimento de um país (por exemplo, financiamento para gás), provavelmente serão ineficazes, se não contraproducentes.
Em segundo lugar, precisamos que tanto os países desenvolvidos quanto os em desenvolvimento realizem as reformas necessárias para que o investimento flua para sólidos e sustentáveis projetos de energia. Os países desenvolvidos deveriam cumprir suas promessas financeiras, sendo francos sobre os termos em que são oferecidas. Infelizmente, nem sempre foi assim no passado, o que gerou desconfiança entre os líderes de países que se viram incapazes de fazer planos para suas futuras necessidades de energia sem um apoio financeiro confiável.
Por sua vez, os países em desenvolvimento precisam formar sistemas de governança mais fortes para garantir que qualquer financiamento seja bem utilizado, com o objetivo de criar um pipeline de projetos passíveis de investimento. Meu instituto trabalha com 18 governos em toda a África e aprendemos a não subestimar a importância de uma gestão robusta e eficaz para garantir investimentos substanciais em qualquer setor-chave da economia. Também será necessário avançar nos próximos anos em uma nova meta para o financiamento climático, que precisa estar alinhada com as necessidades (com foco muito mais em países em desenvolvimento do que em países de renda média, como é o caso atualmente).
Terceiro, como acontece com qualquer outro problema político complexo hoje, os líderes de todo o mundo precisam se apoiar na tecnologia. Em todos os principais setores econômicos, a tecnologia tem o potencial de acelerar a redução de emissões e fornecer aos países em desenvolvimento um caminho para o crescimento econômico sustentável. Hidrogênio, tecnologias de otimização digital, biocombustíveis, captura de carbono — todos são grandes promessas, que precisam ser ampliadas, e rapidamente.
Muito mais também precisa ser feito para criar os mercados que poderão fornecer essas tecnologias em escala. Por exemplo, a África possui 60% dos melhores recursos solares do mundo, mas apenas 1% da capacidade instalada de energia solar fotovoltaica. Planos abrangentes de transição de energia podem ajudar a resolver essa chocante discrepância.
A construção de um novo consenso não será concluída em uma única cúpula da COP. Mas medidas vitais, talvez decisivas, podem ser tomadas no Egito neste mês, antes que o bastão seja entregue aos Emirados Árabes Unidos, onde os líderes mundiais se reunirão para a COP28 dentro de um ano.
Tradução de Anna Maria Dalle Luche