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Manobras no caixa

Como fazer para que fornecedores, clentes e estoques trabalhem a favor do equilíbrio das finanças

Rogério Salume, da Wine (Daniela Toviansky)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

Uma condição básica a ser perseguida todo santo dia pelo dono de uma pequena ou média empresa é manter as contas em ordem enquanto administra o crescimento. Não se pode emperrar o tal fluxo de caixa — o que significa, trocando em miúdos, fazer o dinheiro do cliente chegar a tempo de pagar as contas em dia. Entre o que entra e o que sai estão os estoques, que são também uma espécie de dinheiro, só que em forma de mercadoria. Manter essa máquina azeitada é como certos regimes: toda vigilância é pouca. Uma tentação é comprar lotes inteiros de um produto com pouca saída só porque o preço está imperdível, sem ter um bom plano de como vendê-los rápido. Com a mercadoria parada e o mês correndo, pode não ter outro jeito a não ser promover aquelas queimas de estoque, em que se oferecem produtos com descontos inacreditáveis em parcelas a perder de vista, para ver se entra algum dinheiro para as despesas. "Se isso vira rotina, é perigoso estrangular as finanças", diz o consultor Marcos Paulo Carvalho, da Controlcorp. O lado bom disso tudo é que seguir alguns preceitos relativamente simples na hora de montar o tripé clientes-estoques-fornecedores pode dar ótimos resultados — como se vê nos três casos a seguir.

1- Ele achou um jeito de enxugar o estoque

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Em março deste ano, o empreendedor Rogério Salume, de 37 anos, criou um programa de fidelidade para tentar aumentar as vendas de sua empresa, a loja virtual de vinhos Wine, do Espírito Santo. Quase por acaso, ele encontrou uma solução para melhorar o fluxo de caixa ao reduzir o tamanho dos estoques e o custo de manter produtos armazenados. A ideia inicial era bastante simples — os associados do clube pagam uma mensalidade de 200 reais e recebem, a cada mês, quatro vinhos diferentes. "À medida que mais gente entrava no clube, percebemos que poderíamos usá-lo para melhorar a administração de nosso estoque e, com isso, ganhar fôlego no caixa", diz Salume.

Com 5.500 membros, o clube já responde por 30% das receitas. Um benefício imediato do programa de fidelidade foi trazer para a Wine receitas recorrentes com as mensalidades dos associados. "Como temos um prazo médio de 90 dias para pagar os fornecedores, conseguimos receber dos clientes bem antes da hora de quitar as contas", diz Salume. "Isso ajudou a diminuir em 30% a necessidade de capital de giro."

Além disso, o Clube do Vinho permitiu a Salume programar os pedidos aos fornecedores com bastante antecedência, já que os associados recebem os vinhos que a própria Wine escolhe previamente. Ele está negociando agora a bebida que o pessoal do clube vai receber só em abril do ano que vem, por exemplo. Nas conversas com os fornecedores, Salume entra em acordo para receber cada remessa de vinhos com a menor antecedência possível da data em que as garrafas precisam ser despachadas da Wine para os clientes, para que o produto não fique estocado muito tempo — o que é importante para o fluxo de caixa, já que o prazo para pagar os fornecedores começa a correr no dia em que eles enviam os produtos à Wine. "Tentamos reduzir o período em que o vinho fica no nosso depósito", diz Salume. "Assim, ficamos com menos capital imobilizado."

2- Ele soube negociar com os fornecedores

Donos de pequenas e médias empresas podem fazer muito pela saúde financeira de seus negócios procurando comprar em melhores condições de seus fornecedores. Foi o que fez o paulistano Daniel Meira, de 34 anos, dono da loja online de lentes de contato E-lens. No começo deste ano, ele convocou seus principais fornecedores para pedir melhores condições de prazo e pagamento dos produtos que ele compra. Meira usou como argumento o volume de lentes de contato vendidas pela E-lens nos últimos dois anos. "Mostrei que estamos crescendo", disse ele. "Hoje, a cada mês vendemos mais de 6.000 caixinhas de lentes pelo site, o que é bastante num setor formado por muitas pequenas óticas com baixo volume de vendas." Deu certo, e Meira conseguiu aumentar de três para cinco meses o prazo para quitar as faturas com os fornecedores. Desde que decidiu negociar melhores condições, a rentabilidade da E-lens aumentou 6%.

Meira conseguiu outra vantagem importante num negócio em que ele tem dificuldade para projetar o que os clientes vão pedir no mês que vem. "Dificilmente posso prever se no próximo mês haverá mais gente comprando lentes para astigmatismo ou para miopia", diz Meira. A situação fica da mais complicada porque cada tipo de lente tem cerca de 30 variações de grau. Meira fechou um acordo para trocar com os fornecedores lentes que têm pouca saída. Funciona assim: se um cliente pede um tipo de lente que a E-lens não tem, Meira pode solicitá-la a um fornecedor, dando em troca outra lente qualquer, desde que seja para corrigir o mesmo problema. "Isso é bom para mim e para meus fornecedores", afirma ele. "Com esse sistema, conseguimos ter disponíveis lentes que saem pouco mesmo sem manter grandes estoques."

Apenas um fabricante de lentes não fechou o acordo de troca com a E-lens — justamente o que representa o maior volume de vendas."Mesmo assim, insisti com os representantes dessa empresa até que eles fizessem uma proposta", diz Meira. "E consegui. Acertei com eles que, cada vez que eu vender 1.000 caixinhas das lentes por mês, ganho outras 150."

3- Ele mudou a forma de cobrar os clientes

No ano passado, o administrador André Sá, de 39 anos, sócio da livraria online especializada em publicações técnicas ADM E-commerce, de Florianópolis, viu-se obrigado a tomar duas medidas bastante impopulares em nome de um caixa mais saudável. Primeiro, ele reduziu de dez para quatro o número máximo de parcelas que os clientes podiam escolher para pagar as compras no cartão de crédito. Depois, foi gradativamente aumentando os preços dos livros, que ficaram 10% mais caros que nos grandes concorrentes.

Reduzir o prazo de pagamento e cobrar mais foi a forma que Sá encontrou para interromper uma sangria nas finanças da ADM. Antes do arrocho, Sá procurava manter condições de pagamento semelhantes às dos grandes varejistas online, como a B2W, dona dos sites Americanas e Submarino. "Como nos grandes sites, os clientes podiam comprar com a gente e pagar em dez prestações", diz Sá. "As vendas cresciam, mas isso estava sendo desastroso para nossa saúde financeira."

Ao se igualar à concorrência, mas sem o mesmo fôlego financeiro, Sá se via obrigado a pedir empréstimos bancários para recompor o capital de giro, insuficiente para suportar as condições concedidas aos clientes, que não gostaram muito das mudanças — no ano passado, as vendas da ADM foram 10% menores que em 2008. Em compensação, no mesmo período a ADM dobrou a rentabilidade, o que ajudou a diminuir pela metade a necessidade de empréstimos para financiar o capital de giro. "Sabíamos que havia um risco de vender menos", diz Sá. "Mas, sem recuperar a saúde financeira, era inútil seguir adiante."

Com as finanças voltando ao normal, Sá agora tem começado a esboçar um pacote de bondades para recuperar as vendas. Recentemente, ele abriu uma exceção para donos de cartões da bandeira Hipercard. Eles podem comprar os livros em até dez vezes, como antigamente. "Fechei um acordo para receber a vista as compras parceladas com esses cartões, pagando pela antecipação juros bem menores do que os cobrados pelas principais operadoras", diz ele. Com medidas assim, ele prevê fechar o ano com faturamento de 10 milhões de reais, 18% mais que em 2009.

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