O que faz certas inovações darem certo
Em Sob a Lupa da Inovação, o professor de estratégia americano Ron Adner explica por que algumas invenções são um sucesso, enquanto outras, mesmo quando bem executadas, dão errado
Da Redação
Publicado em 7 de março de 2013 às 18h53.
São Paulo - A proximadamente um quinto dos 25 milhões de diabéticos dos Estados Unidos precisa usar insulina injetável todos os dias. No fim dos anos 90, os executivos do laboratório americano Pfizer acreditavam que a grande maioria dessas pessoas gostaria de se livrar das picadas frequentes.
Por isso, começaram a pesquisar a possibilidade de criar um inalador — parecido com os usados pelos pacientes de asma — para que os diabéticos pudessem aspirar sua dose diária de insulina. Para os executivos da empresa, médicos e pacientes aplaudiriam a iniciativa. A ideia parecia promissora.
Em 2006, a Pfizer obteve a aprovação das autoridades americanas para pôr o inalador de insulina no mercado. A empresa treinou 2.300 representantes de vendas, produziu material educativo e ofereceu um serviço de atendimento 24 horas aos pacientes. As previsões de faturamento chegavam a 2 bilhões de dólares em quatro anos. No entanto, em outubro de 2007, a Pfizer parou de produzir a insulina inalável. Os resultados foram pífios — as vendas do remédio chegaram a 12 milhões de dólares, menos de 1% do valor esperado.
O que deu errado? A história da insulina inalável é um dos casos analisados no livro Sob a Lupa da Inovação pelo americano Ron Adner, professor de estratégia da Tuck School of Business. Na obra, ele procura desvendar por que algumas inovações dão certo, enquanto outras resultam em fracassos retumbantes.
Para Adner, o maior pecado dos executivos da Pfizer foi não prestar atenção num aspecto básico do mercado de medicamentos dos Estados Unidos. Lá, a legislação determina que os médicos só receitem remédios inaláveis após o paciente fazer um exame de capacidade pulmonar. Os clínicos gerais americanos costumam ter o equipamento necessário para o teste, mas os endocrinologistas, que cuidam das pessoas com diabetes, não.
Assim, os pacientes teriam de passar por pelo menos três consultas médicas antes de conseguir usar a insulina inalável. Médicos e pacientes simplesmente não tiveram disposição para tanto. A Pfizer gastou 2,8 bilhões de dólares antes de se dar conta dessa falha de planejamento.
Adner defende que o consumidor não é a única peça importante para tornar um produto ou serviço inovador bem-sucedido. Antes de mais nada, segundo ele, é preciso avaliar como funciona algo chamado "ecossistema da inovação" — a complexa teia de relacionamentos entre os participantes de uma cadeia de produção, que começa na concepção do produto e vai até o consumidor final.
Apesar de os exemplos do livro serem relacionados a inovações idealizadas por grandes empresas, Adner dá conselhos úteis a todos aqueles que empreendem ou pretendem iniciar um novo negócio. No capítulo final do livro, o autor oferece uma caixa de ferramentas para os empreendedores checarem se estão no caminho certo.
Para demonstrar sua tese, Adner conta como o Kindle, leitor de livros digitais da Amazon, bateu concorrentes tecnologicamente mais sofisticados. Comparado ao Reader, da Sony, o aparelho da Amazon era maior e mais pesado, além de oferecer ao consumidor uma tela com menos definição de imagens.
A vantagem do Kindle, no entanto, não estava em suas características físicas, mas na compreensão que seus criadores tiveram a respeito da importância de se relacionar com os fornecedores. Além de desenvolver o aparelho, a Amazon se empenhou para garantir o pagamento dos direitos autorais das obras — isso fez os editores se interessarem mais em lançar livros com versões para o Kindle.
Em 2010, ao lançar o Kindle 3, a Amazon já controlava 80% do mercado americano de livros eletrônicos e 48% das vendas de e-books. Enquanto isso, o Reader, da Sony, amargava um quinto lugar no mercado. “O Kindle não é um dispositivo, é um serviço”, disse Jeff Bezos, presidente da Amazon, na época do lançamento.
No livro, Adner analisa as tentativas das montadoras de automóveis de criar mercado para os carros elétricos — algo que mudaria substancialmente o modelo de negócios do setor automotivo. Hoje, a substituição dos veículos a combustível pelos movidos a eletricidade esbarra em três grandes obstáculos — o preço mais alto, a pequena autonomia das baterias e a falta de uma infraestrutura para recarregá-las.
Adner vê com bons olhos a estratégia adotada por uma pequena fabricante de carros elétricos dos Estados Unidos, a Better Place, para superar esses desafios. A empresa diminuiu o preço dos carros ao descontar o valor das baterias, agora cedidas em comodato. Além disso, a Better Place assumiu os custos de instalar pontos de recarga na casa e no trabalho de seus clientes, além de uma rede de pontos extras. Com isso, está conseguindo, ainda que devagar, eliminar a resistência dos consumidores.
Adner defende que, para ter sucesso, em alguns casos é preciso interferir de alguma forma para eliminar os gargalos que impedem uma inovação de ser aceita pelo mercado. Às vezes, é preciso encontrar um parceiro forte que adote o produto ou serviço inovador para quebrar a desconfiança dos consumidores.
Em outros casos, pode ser necessário estimular outras empresas a fazer alguma inovação para que seu produto funcione melhor. Foi o que os estúdios americanos fizeram para alavancar a exibição de filmes digitalizados, financiando boa parte dos equipamentos de projeção instalados nos cinemas dos Estados Unidos. "Nesses casos, torna-se necessário pensar no que pode ser separado, combinado, realocado, adicionado e subtraído para fazer o conjunto se encaixar perfeitamente", diz Adner.
"O sucesso resultou de reconhecer as principais restrições que atrapalhavam a criação de valor e de tomar atitudes ousadas para reconfigurar o projeto a fim de ultrapassar esses obstáculos." Sem a visão completa do funcionamento do ecossistema, segundo Adner, é possível que o esforço para inovar se revele inútil.
São Paulo - A proximadamente um quinto dos 25 milhões de diabéticos dos Estados Unidos precisa usar insulina injetável todos os dias. No fim dos anos 90, os executivos do laboratório americano Pfizer acreditavam que a grande maioria dessas pessoas gostaria de se livrar das picadas frequentes.
Por isso, começaram a pesquisar a possibilidade de criar um inalador — parecido com os usados pelos pacientes de asma — para que os diabéticos pudessem aspirar sua dose diária de insulina. Para os executivos da empresa, médicos e pacientes aplaudiriam a iniciativa. A ideia parecia promissora.
Em 2006, a Pfizer obteve a aprovação das autoridades americanas para pôr o inalador de insulina no mercado. A empresa treinou 2.300 representantes de vendas, produziu material educativo e ofereceu um serviço de atendimento 24 horas aos pacientes. As previsões de faturamento chegavam a 2 bilhões de dólares em quatro anos. No entanto, em outubro de 2007, a Pfizer parou de produzir a insulina inalável. Os resultados foram pífios — as vendas do remédio chegaram a 12 milhões de dólares, menos de 1% do valor esperado.
O que deu errado? A história da insulina inalável é um dos casos analisados no livro Sob a Lupa da Inovação pelo americano Ron Adner, professor de estratégia da Tuck School of Business. Na obra, ele procura desvendar por que algumas inovações dão certo, enquanto outras resultam em fracassos retumbantes.
Para Adner, o maior pecado dos executivos da Pfizer foi não prestar atenção num aspecto básico do mercado de medicamentos dos Estados Unidos. Lá, a legislação determina que os médicos só receitem remédios inaláveis após o paciente fazer um exame de capacidade pulmonar. Os clínicos gerais americanos costumam ter o equipamento necessário para o teste, mas os endocrinologistas, que cuidam das pessoas com diabetes, não.
Assim, os pacientes teriam de passar por pelo menos três consultas médicas antes de conseguir usar a insulina inalável. Médicos e pacientes simplesmente não tiveram disposição para tanto. A Pfizer gastou 2,8 bilhões de dólares antes de se dar conta dessa falha de planejamento.
Adner defende que o consumidor não é a única peça importante para tornar um produto ou serviço inovador bem-sucedido. Antes de mais nada, segundo ele, é preciso avaliar como funciona algo chamado "ecossistema da inovação" — a complexa teia de relacionamentos entre os participantes de uma cadeia de produção, que começa na concepção do produto e vai até o consumidor final.
Apesar de os exemplos do livro serem relacionados a inovações idealizadas por grandes empresas, Adner dá conselhos úteis a todos aqueles que empreendem ou pretendem iniciar um novo negócio. No capítulo final do livro, o autor oferece uma caixa de ferramentas para os empreendedores checarem se estão no caminho certo.
Para demonstrar sua tese, Adner conta como o Kindle, leitor de livros digitais da Amazon, bateu concorrentes tecnologicamente mais sofisticados. Comparado ao Reader, da Sony, o aparelho da Amazon era maior e mais pesado, além de oferecer ao consumidor uma tela com menos definição de imagens.
A vantagem do Kindle, no entanto, não estava em suas características físicas, mas na compreensão que seus criadores tiveram a respeito da importância de se relacionar com os fornecedores. Além de desenvolver o aparelho, a Amazon se empenhou para garantir o pagamento dos direitos autorais das obras — isso fez os editores se interessarem mais em lançar livros com versões para o Kindle.
Em 2010, ao lançar o Kindle 3, a Amazon já controlava 80% do mercado americano de livros eletrônicos e 48% das vendas de e-books. Enquanto isso, o Reader, da Sony, amargava um quinto lugar no mercado. “O Kindle não é um dispositivo, é um serviço”, disse Jeff Bezos, presidente da Amazon, na época do lançamento.
No livro, Adner analisa as tentativas das montadoras de automóveis de criar mercado para os carros elétricos — algo que mudaria substancialmente o modelo de negócios do setor automotivo. Hoje, a substituição dos veículos a combustível pelos movidos a eletricidade esbarra em três grandes obstáculos — o preço mais alto, a pequena autonomia das baterias e a falta de uma infraestrutura para recarregá-las.
Adner vê com bons olhos a estratégia adotada por uma pequena fabricante de carros elétricos dos Estados Unidos, a Better Place, para superar esses desafios. A empresa diminuiu o preço dos carros ao descontar o valor das baterias, agora cedidas em comodato. Além disso, a Better Place assumiu os custos de instalar pontos de recarga na casa e no trabalho de seus clientes, além de uma rede de pontos extras. Com isso, está conseguindo, ainda que devagar, eliminar a resistência dos consumidores.
Adner defende que, para ter sucesso, em alguns casos é preciso interferir de alguma forma para eliminar os gargalos que impedem uma inovação de ser aceita pelo mercado. Às vezes, é preciso encontrar um parceiro forte que adote o produto ou serviço inovador para quebrar a desconfiança dos consumidores.
Em outros casos, pode ser necessário estimular outras empresas a fazer alguma inovação para que seu produto funcione melhor. Foi o que os estúdios americanos fizeram para alavancar a exibição de filmes digitalizados, financiando boa parte dos equipamentos de projeção instalados nos cinemas dos Estados Unidos. "Nesses casos, torna-se necessário pensar no que pode ser separado, combinado, realocado, adicionado e subtraído para fazer o conjunto se encaixar perfeitamente", diz Adner.
"O sucesso resultou de reconhecer as principais restrições que atrapalhavam a criação de valor e de tomar atitudes ousadas para reconfigurar o projeto a fim de ultrapassar esses obstáculos." Sem a visão completa do funcionamento do ecossistema, segundo Adner, é possível que o esforço para inovar se revele inútil.