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Ele ouviu 228 nãos até conquistar um investimento milionário em sua ideia

A Flapper, “Uber dos helicópteros e jatinhos”, surgiu há 2 anos e meio com uma ideia ousada: democratizar a aviação privada pela economia compartilhada

Paul Malicki, CEO da Flapper: negócio se inspirou em modelos similares de sucesso nos Estados Unidos (Flapper/Divulgação)

Paul Malicki, CEO da Flapper: negócio se inspirou em modelos similares de sucesso nos Estados Unidos (Flapper/Divulgação)

Mariana Fonseca

Mariana Fonseca

Publicado em 11 de julho de 2018 às 06h00.

Última atualização em 12 de julho de 2018 às 15h48.

São Paulo - E se, no lugar de passar horas sentado em uma cadeira desconfortável com outras dezenas de passageiros em um grande avião comercial, você pudesse ocupar um dos assentos de um jato ou de um helicóptero? Ou, melhor ainda, fretar um pequeno avião com suas exigências e comercializar os assentos restantes?

Parece um delírio, mas é justamente essa ideia que Paul Malicki finalmente conseguiu vender para o mercado. Após receber várias rejeições (mais precisamente, 228), o empreendedor conquistou um investimento semente de três milhões de reais para seu empreendimento com ares de Uber requintado, chamado Flapper. Com esse recente sucesso, a startup já negocia mais uma rodada de aportes e quer expandir sua atuação em diversas frentes: operação, monetização e serviços.

Até o fim deste ano, o plano é triplicar as receitas, para 6 milhões de reais, e fazer o número de clientes ir de dois mil para cinco mil pagantes.

Análise do mercado

A economia compartilhada há tempos deixou de ser uma filosofia apenas para gigantes como Airbnb e Uber. Diversas startups brasileiras apostaram na ideia de serem mediadoras, conectando proprietários de produtos e serviços ociosos aos interessados em usufruir temporariamente deles. Já vimos plataformas que acham desde a melhor manicure e um goleiro para o futebol de domingo até caminhoneiros disponíveis para entregas convenientes. Tudo isso em alguns segundos, com toques no smartphone.

Paul Malicki, sócio do aplicativo de mobilidade urbana Easy Taxi, já estava na onda da economia compartilhada e percebeu como serviços de luxo ainda não estavam inseridos na tendência aqui no Brasil. Era o caso da aviação comercial e executiva privadas, que já colecionava startups americanas de sucesso, como Surf Air (83 milhões de dólares em investimentos recebidos ou, na cotação atual, 317 milhões de reais) e Wheels Up (408,9 milhões de dólares, ou 1,56 bilhão de reais).

Em janeiro de 2016, Malicki se juntou aos empreendedores Arthur Virzin, então líder de tecnologia da multinacional de pagamentos Qiwi; Iago Senefonte, então desenvolvedor sênior também na Qiwi; e William Oliveira, até hoje responsável pela área de banco de dados no Itaú Unibanco, para mudar esse quadro e lançar uma startup própria, chamada Flapper. O investimento inicial foi de 750 mil reais, junto do investidor-anjo Fábio Cristilli.

“Nós moramos em locais distantes e sempre viajamos a trabalho, sempre sentindo que faltava um serviço de excelência. Criamos a empresa para oferecer um novo produto de aviação privada e, após alguns testes, entendemos que o compartilhamento sob demanda seria a melhor forma de fazer isso acontecer”, diz Malicki.

Paul Malicki com o aplicativo da Flapper

Paul Malicki com o aplicativo da Flapper (Flapper/Divulgação)

O Brasil possui a segunda maior frota de aviação executiva do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo o empreendedor, há 751 jatos privados e 2.094 helicópteros no país. “É um mercado de 1,3 bilhão de dólares em terras brasileiras, e com grande potencial de crescimento. Há 2.457 aeroportos, mas apenas 121 deles são atendidos pelas companhias aéreas.”

Enquanto isso, o segmento de aviação executiva e comercial privadas confia pouco nos serviços autorizados de táxis aéreos, que representam 22% do total de viagens e funcionam da mesma maneira há décadas. O resto do mercado está em pilotagem educacional e em transportes privados. Este último abre margem para a pirataria: a estimativa de Malicki é que o tamanho do mercado de táxi aéreo clandestino, sem autorização para comercializar voos, possa ser três vezes maior do que o de táxi aéreo oficializado.

Segundo estudos feitos pela própria Flapper, os serviços de aviação privada atendem 300 mil usuários hoje, quanto poderiam atender 400 mil interessados. Considerando-se apenas o preço dos assentos, há 2,7 milhões de pessoas com poder aquisitivo suficiente para serem clientes da startup.

Criação e batalha por investimentos

Os primeiros testes foram realizados em agosto de 2016. Em outubro do mesmo ano, a Flapper entrou para a aceleradora ACE, em São Paulo, com um investimento de 150 mil reais na empresa. A startup melhorou sua validação de produto, mercado, aeronaves compatíveis e autorizações regulatórias junto a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A startup começou a realizar voos compartilhados pouco mais de um ano depois, em novembro de 2017. Em fevereiro deste ano, começaram as viagens de helicóptero.

Em artigo para a própria ACE, Malicki relatou sua jornada de 228 pitches até o investimento de três milhões de reais. “Cheio de ambição, fui direto para os grandes fundos, como Monashees ou Tiger, pedindo entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. O negócio de marketplace demanda muito capital – mais ainda no caso de aviação executiva -, então investimento era fundamental para gente. Para minha surpresa, tudo que ouvi foi que se eu não faturasse por volta de R$ 1 milhão por mês, eu não poderia levantar dinheiro. Essas são as regras do mercado.”

Para EXAME, Malicki elencou duas dificuldades em arrumar capital: a crise econômica e política do Brasil, que refreou os investimentos locais em inovações empresariais, e o próprio mercado de aviação, com métricas muito específicas e difícil de atrair anjos e fundos sem especialização.

Uma boa reserva financeira ao conciliar startup e vida de funcionário, provas de conceito, reuniões incessantes com possíveis parceiros e investidores, participação em consultorias e eventos e uma reformulação constante da apresentação do negócio foram alguns fatores que fizeram a Flapper, finalmente, conseguir um grande investimento.

Os três milhões de reais serão usados primeiramente para ampliar as rotas entre aeroportos, o que demandará a integração de agências de viagens privadas aos sistemas próprios de tecnologia da startup.

No futuro, o dinheiro servirá para criar novas linhas de monetização inspiradas nas startups americanas, como um modelo de assinatura de quatro a oito mil reais mensais para realizar viagens ilimitadas no Sudeste, e novas linhas de negócios, como uma plataforma de gestão de viagens nas grandes empresas em associação com. A Flapper já está negociando um novo investimento, ainda maior, a ser anunciado nos próximos três meses.

Passo a passo

A Flapper segue, em boa parte, o modelo visto na Surf Air e na Wheels Up. O usuário entra no site ou no aplicativo e coloca sua partida e destino, o número de assentos, o período da viagem e o melhor horário para os voos. A startup mostra então as aeronaves já disponíveis e detalhes de modelos, horas e preços, como um marketplace comum. Todos os jatinhos e helicópteros são de empresas regularizadas de transporte aéreo comercial privado.

Assim como no Uber, o usuário pode escolher um assento de um voo já compartilhado com outras pessoas, com preços médios de 680 a 750 reais, ou fretar uma aeronave só para si, o que custa cerca de 9.450 a 15.885 reais. Segundo Malicki, a média do mercado para o fretamento é de 13 mil reais. Os valores consideram uma viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro.

O maior diferencial não está no preço, e sim na experiência do usuário, na diversidade de aeronaves (112 aviões e helicópteros disponíveis, de 30 modelos) e na possibilidade de, no fretamento, vender assentos ociosos da sua aeronave pela própria plataforma. No modelo compartilhado, a Flapper possui uma margem de 20%; na contratação individual, a comissão da Flapper é de 3 a 5%.

Jato executivo Phenom 300E, um dos utilizados pela Flapper

Jato executivo Phenom 300E, um dos utilizados pela Flapper (Flapper/Divulgação)

Atualmente, a Flapper opera voos próprios nos trechos São Paulo - Rio de Janeiro, São Paulo - Angra dos Reis e Rio de Janeiro - Búzios. A empresa lança voos ocasionais para eventos nas cidades de Barretos e Campos do Jordão (ambas em São Paulo), por exemplo, e publica em tempo real ofertas no trecho Belo Horizonte - São Paulo.

Os dois públicos da startup, hoje, são celebridades e autônomos bem-estabelecidos, como donos de clínicas médicas e fundos de investimentos. Mas, em longo prazo, a Flapper quer conquistar a classe média-alta brasileira. Desde novembro de 2017 a startup acumula 80 mil cadastros, 30 mil usuários mensais e dois mil clientes pagantes. Em abril, declarou um total de dois milhões de reais em receita.

Até o final do ano, a Flapper espera chegar a cinco mil clientes e ganhos de seis milhões de reais. Serão lançados voos para Pampulha (Belo Horizonte) e mais viagens regionais, com ida e volta no mesmo estado.

Se depender apenas da resiliência aos nãos de Malicki, tais voos serão sem turbulências para a Flapper.

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