Dress code: o que pode ser exigido dos funcionários nas PMEs? (All Nea / 500px/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 6 de setembro de 2021 às 12h22.
Última atualização em 6 de setembro de 2021 às 12h35.
Por Raphael Cornélio, sócio do escritório Romar, Massoni & Lobo Advogados
A imagem empresarial, conjunto de tudo aquilo que as pessoas relacionam com a empresa, é um excelente método de propaganda e, cada vez mais, é utilizada pelas PMEs como meio de criar a identidade de sua marca. São diversos os objetos que compõem a imagem de um negócio, desde as embalagens, site, logomarca, até o uniforme dos empregados.
O empreendedor, utilizando-se de seu poder diretivo, que é uma prerrogativa dada ao empregador para exigir determinados comportamentos lícitos de seus empregados, pode estipular códigos de aparência que visam criar sua imagem empresarial.
Tal prática, mesmo sem regulamentação por lei específica, é aceita pelo Tribunal Superior do Trabalho. Contudo, existem alguns riscos e vale a pena conhecer quais pontos sensíveis do tema, que poderão auxiliar as PMEs a elaborar seu dress code de forma segura.
É aceitável a exigência do empregador em padronizar a estética de vestimentas e maquiagem dos profissionais, especialmente os que atuam diretamente com o público, representam e defendem a imagem da empresa, como ocorre, por exemplo, com comissários de bordo que possuem a mesma vestimenta, e mesmo estilo de maquiagem e cabelo.
Também podem ser previstos no dress code limitações à barba e cabelos, quando condizentes com a atividade desempenhadas pelos empregados. O Tribunal Superior do Trabalho já analisou esta temática e entendeu que a limitação de uso de barba e cabelos grandes na atividade de segurança e transporte de valores é medida adequada e que não viola a dignidade dos trabalhadores. Por outro lado, a Justiça já considerou abusiva a proibição de uso de barbas nas atividades de bancários.
No entanto, deve existir razoabilidade da exigência em si, materializada na compatibilidade da vestimenta com a função exercida, critério que varia de acordo com os costumes da profissão, tempo, lugar e demais circunstâncias do caso concreto. Logo, não é prudente exigir de profisionais que trabalham longe do público a utilização de maquiagem por exemplo.
É possível exigir do empregado o uso de peça de vestuário comum no dia a dia, porém, não se deve transferir para ele o custo do negócio. Trajes de uso não comum devem ser proporcionais entre o seu custo e a remuneração do trabalhador, de modo que os valores despendidos não representem comprometimento significativo de seu salário, a caracterizar a transferência ilegal dos riscos do negócio.
Assim, exigir de advogados e executivos a utilização de traje social é inerente à atividade e compatível com a remuneração destes profissionais.
No entanto, ainda que o traje social seja composto de roupas de uso comum, com grande variedade de oferta no mercado, não se trata de indumentária indispensável, utilizada no dia a dia pela maioria dos trabalhadores nos diversos ramos de atividade. Ao contrário, hoje, constitui exceção à regra, restrito aos ambientes formais e de negócios, sendo que até mesmo nestes tem sido relativizado.
Assim, exigir traje social, costume composto de terno, camisa de manga longa, calça social, sapatos e gravata para um vigia, por exemplo, mesmo que seja condizente com a atividade, não é financeiramente compatível com a remuneração deste cargo. O profissional precisaria de mais de um traje por semana, que possui alto custo de aquisição e até mesmo de manutenção. Nestes casos, a PME deverá fornecer a vestimenta.
A empresa deve ser transparente com relação a seu dress code e torná-lo público aos candidatos que pleiteiam uma vaga em seu quadro de profissionais. Recomenda-se que, tão logo o candidato seja aprovado no processo de seleção, o empreendedor lhe exponha de forma clara e expressa as regras de vestimenta e aparência durante o desempenho de suas atividades e peça ao candidato que leia e, caso as aceitem, registre por escrito a concordância de segui-las conforme as diretrizes da companhia.
A aceitação ao trabalho e ao código de vestimenta deve fundar-se no livre consentimento informado, assegurando ao candidato a autonomia da vontade, de forma a viabilizar a tomada de suas decisões, de maneira justa e racional. Assim, caso o empregado não aceite o dress code, poderá recusar a oferta de emprego, mas caso aceite, não poderá recusar segui-lo.
A empresa não poderá estipular um dress code a apenas alguns de seus empregados. Pode-se no entanto, estipular diferentes códigos de vestimenta para diferentes setores, o que é razoável e permitirá a flexibilização da vestimenta, a depender da atividade desempenhada. O que não se pode é exigir uma conduta de um empregado, e uma conduta diversa de outro que exerce a mesma atividade.
A empresa, quando da elaboração de seu dress code, deverá contemplar a diversidade racial. Recomenda-se que se a PME for estipular visualmente modelos de cabelo, barba e maquiagem a ser seguidos pelos empregados, que seja inclusiva e apresente todos os tipos de pele e cabelo. O Tribunal Superior do Trabalho já analisou este tema e entendeu que deixar de contemplar pessoas da raça negra no dress code da empresa afeta negativamente determinado grupo racial e é passível de indenização.
A empresa pode prever a retirada dos piercings e adereços, desde que exista fundamento razoável que justifique esta limitação. Existem decisões que comprovam a possibilidade de sua proibição no local de trabalho, desde que pautada pela razoabilidade e seja condizente com a atividade desempenhada.
A título ilustrativo podemos citar o caso de um balconista, que, por exercer a função de atender a clientela e manipular alimentos, não pode utilizar adornos, a exemplo dos piercings, situação, inclusive, prevista em resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Também podemos citar que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que empresas privadas podem proibir que seus funcionários usem véu islâmico durante o horário de trabalho. A decisão considera que a medida não é discriminatória nem desrespeita a liberdade religiosa, desde que o objetivo da empresa seja estabelecer uma política de neutralidade.
Com relação às tatuagens, o tema ainda traz muitas polêmicas e já foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal. O STF julgou inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público e afirmou que estes não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais.
Assim, utilizando a mesma lógica para o ambiente laboral, o empregador não deverá discriminar o funcionário por ter tatuagem nem pedir para que a cubra, sob pena de invadir seu direito de personalidade.
Por fim, no Brasil encontra-se em trâmite o Projeto de Lei nº 3.980/2000 proibindo a discriminação para efeitos da relação empregatícia das pessoas que tenham tatuagem ou piercing, o que revela que a cultura com relação aos piercings, adereços e tatuagens vem se modificando na sociedade.
Concluímos, dessa forma, que a livre iniciativa e o poder diretivo patronal possibilitam a regulamentação ou imposição de algumas diretrizes no desempenho da atividade, como certos padrões de vestimenta e aparência a ser seguidos pelos seus empregados, desde que não extrapolem a esfera do razoável.
Uma vez que as previsões do dress code sejam razoáveis e respeitando os aconselhamentos que expusemos, resumidamente, neste artigo, o empregado é obrigado a segui-lo.
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