Da informática à mecânica: elas desbravam setores dominados pelos homens
Em atividades dominadas por homens, como mecânica de automóveis e manutenção de computadores, elas conseguem empreender e inovar
Mariana Fonseca
Publicado em 27 de dezembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 27 de dezembro de 2018 às 11h46.
Até pouco tempo atrás era comum escutar no mercado de trabalho que certas profissões eram apenas para homens. Isso acontecia porque as mulheres eram consideradas “frágeis” para exercer muitas funções na sociedade. Embora ainda haja um longo caminho pela frente, hoje em dia muitas mulheres vêm obtendo sucesso no desafio de provar que não são menos capazes do que os homens e que contam com estratégias e habilidades diferentes para realizar uma mesma tarefa.
Camila Gonçalves, ou “Camila CEG”, como é conhecida por seus clientes, é um exemplo desses novos tempos. Mesmo formada em letras, sua grande paixão é montar e consertar computadores. Em 2015, ao levar seu computador para manutenção em uma assistência técnica na Rua Santa Ifigênia, endereço tradicional no centro de São Paulo para esse tipo de serviço, achou o orçamento caro e brincou com o proprietário do espaço que teria de trabalhar no local para conseguir pagar. Ele concordou, Camila gostou da ideia e lá aperfeiçoou suas técnicas até 2017.
“Eu já tinha noção, pois mexia muito nas máquinas. Mas essa experiência foi fundamental para eu abrir uma empresa própria”, conta a empreendedora, que, com a sócia Caroline Almeida, transformou o hobby em um negócio em potencial dando vida à TechYou, empresa especializada em assistência técnica de informática e consultoria de tecnologia.
Quem também atua em um mercado comumente tido “para homens” é Sandra Nalli, fundadora da Escola do Mecânico, que começou em Campinas por meio de um projeto social e hoje é uma franquia com 22 unidades em operação. A empreendedora , formada em administração, conta que iniciou sua carreira como menor aprendiz em um centro automotivo, aos 14 anos. Passou por vários setores da empresa até se capacitar para se tornar líder da oficina, aos 22 anos.
Paralelamente a essa função, Sandra ministrava palestras como voluntária para jovens infratores da Fundação Casa contando sua história, falando sobre mercado de trabalho e motivação. Foi quando percebeu que muitos ali tinham potencial para crescer e se propôs a ensiná-los mecânica, uma vez que já tinha uma boa bagagem técnica sobre o assunto. Ela alugou uma sala com recursos próprios no centro de Campinas, pediu para um amigo grafitar “Escola do Mecânico” na parede e assim nasceu o projeto social, que rapidamente chamou a atenção de pessoas de fora interessadas em pagar pelo curso.
“Busquei o Sebrae-SP para me ajudar, fiz um curso de plano de negócios e formalizei a empresa em março de 2011”, conta. Mas o dia a dia destas empreendedoras não era fácil, tanto pelos desafios do empreendedorismo quanto pela questão cultural enraizada em seus negócios. Camila e Sandra encontraram dificuldades em seus caminhos que um homem provavelmente não enfrentaria.
“Eu não podia ir muito arrumada trabalhar porque sofria assédio. Fora que quando um cliente chegava com um computador para arrumar geralmente me questionava se era eu mesma que ia mexer, se eu era filha ou irmã do dono”, relembra Camila. O mesmo acontecia com Sandra quando tinha de analisar o barulho no carro dos clientes e pedia a chave para dirigir o veículo.
“Ser mulher, jovem e baixinha era praticamente uma agressão, chocava muitos homens que se recusavam a confiar seus carros em minhas mãos”, conta. Os números mostram como é o cenário que essas empreendedoras precisam desbravar. Levando em conta apenas os Microempreendedores Individuais (MEIs), existem mais de 69 mil empresas de reparação automotiva no Estado de São Paulo – e apenas 13% delas estão em nome de mulheres. Já em relação a manutenção de computadores, dos 37,6 mil MEIs existentes, pouco mais de 14% pertencem a mulheres.
Tanto Camila quanto Sandra sabem que a capacitação contínua é fundamental para que os negócios deem certo. Para elas, mulheres em “ambientes masculinos”, mais ainda. Para que a TechYou siga em crescimento, Camila está em um curso avançado de reparo de placas, expandindo seu conhecimento para o mundo dos smartphones e ainda realizou o curso Empreenda no Sebrae-SP, para melhorar a gestão do seu negócio.
“Passei a ter outras ideias e vivências que não tinha. Hoje consigo otimizar muitos processos e enxergar além, pensando em expansão e a importância de ter mais pessoas trabalhando comigo, o que antes era inimaginável”, explica Camila. Sandra, por sua vez, participou do programa ALI (Agentes Locais de Inovação) e conseguiu implantar em seu negócio muitos processos importantes para o dia a dia.
“Desenvolvi um portal para franqueados com atualizações instantâneas. Hoje enxergamos gráficos com informações de qualquer unidade com uma padronização correta para uma gestão eficaz”. O sucesso de Sandra foi tanto que em 2015 venceu o Prêmio Mulher de Negócios, oferecido pelo Sebrae.
Expansão
A TechYou foca os seus serviços em mulheres, pois entende que o diferencial da empresa, por ter uma equipe exclusivamente feminina, é proporcionar uma experiência de atendimento em que as mulheres se sintam mais à vontade. Atualmente, são cerca de 20 clientes por mês que utilizam os serviços da empresa, mas em um futuro próximo esse número deve crescer consideravelmente.
“Hoje tenho uma outra atividade no período da manhã, o que não me permite atender a toda a demanda. Mas em breve vou focar 100% na empresa, o que deve praticamente dobrar a nossa clientela mensal”, explica Camila, que pretende ainda expandir suas aulas de tecnologia para idosos, hoje em parceria com uma instituição de ensino. Já a Escola do Mecânico surfa na onda do mercado. Sandra acredita que o setor de reparação automotiva deve crescer, e já está de olho em tendências dos próximos anos para seguir expandindo a marca que, até 2019, chegará a 50 unidades em todo o Brasil.
“Os carros híbridos e elétricos já são uma realidade. Ainda é uma quantidade inexpressiva em relação à frota total, mas temos certeza de que não haverá mecânicos especializados. Portanto, vamos lançar um curso focado para esse tipo de veículo”, projeta a empreendedora que, mesmo vendo o seu negócio crescer aproximadamente 300% ao ano, segue tendo sua motivação na questão social.
“Não há nada melhor do que trabalhar com prazer e significado, poder construir uma empresa que resolve um problema da sociedade, visando empregabilidade e renda”, diz.
Diferencial
Para o gerente regional do Sebrae-SP em Campinas, Nilcio Freitas, as mulheres têm mais sensibilidade nos negócios, porém ao mesmo tempo são mais calculistas e seguras. “Elas são muito objetivas. Isso fica ainda mais evidente quando notamos que 92% das mulheres que trabalham por conta própria conciliam também afazeres domésticos. Elas empreendem e tomam conta da família”, comenta.
E quando os negócios envolvem setores e profissões comumente exercidos por homens, o foco das mulheres aumenta. “O desafio se torna maior, mas ao mesmo tempo elas encaram como uma forma de mostrar que elas podem. Essas mulheres ganham mercado logo quando começam a empreender pois os clientes notam diferenciais como compromisso, capricho de pesquisar aquilo que vai entregar. Não que os homens não os tenham, mas nas mulheres ficam muito mais evidentes”, explica.
Para conquistar o mercado
Três dicas valiosas para mulheres que querem empreender em áreas dominadas por homens, pelo gerente regional do Sebrae-SP em Campinas, Nilcio Freitas:
- Use a aparente adversidade como um diferencial. Não enxergue a situação como uma barreira, mas sim como uma oportunidade;
- Elenque quais competências você tem que iriam convencer alguém a contratar seus serviços ou comprar seus produtos;
- Não desista no primeiro não. Muitas empreendedoras em potencial acabam desistindo por ceder aos preconceito.