O desabafo do fabricante de canudos: “De repente somos vilões”
Onda ecológica já afeta o negócios de empresa na Mooca, que cobra educação dos consumidores: "o canudo não chega até o mar sozinho".
Mariana Desidério
Publicado em 2 de agosto de 2018 às 06h00.
Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 06h00.
São Paulo – De repente, o mundo odeia canudos de plástico . Depois que um vídeo de uma tartaruga com um canudo entalado no nariz viralizou na internet, consumidores decidiram banir o produto de suas vidas e algumas marcas como McDonald’s e Starbucks anunciaram medidas para diminuir e até acabar com seu uso nas lojas. A prefeitura do Rio de Janeiro foi mais radical e proibiu o uso do utensílio feito de plástico, seguindo a onda de outras cidades pelo mundo como Seattle (EUA).
A causa é nobre. Mas, e os fabricantes, como ficam? No Brasil, os canudos são produzidos principalmente por pequenas e médias empresas , que já viram suas vendas caírem com a mais nova tendência ecológica. O ponto é que essas empresas estão pagando a conta, porém, não são a única origem do problema. A principal questão, dizem, é o descarte inadequado.
“Tem muita desinformação nessa discussão. Dizem que os canudos plásticos não podem ser reciclados. Mas eles podem, sim. Condenam o plástico, mas ele tem funções importantíssimas na sociedade. E o mais importante: o canudo usado não chega sozinho até o mar. Alguém colocou ele lá. E foi alguém que não deu a destinação correta”, afirma Valney Aparecido, gerente-geral da Plastifer. Instalada na Mooca, em São Paulo, a empresa está há 50 anos no mercado, tem 25 funcionários e fabrica única e exclusivamente canudos.
Uma das informações que circulam na internet é de que os canudos não podem ser reciclados porque seriam muito leves. No entanto, o gerente-geral da Plastifer garante que o produto é, sim, reciclável. “Nós aqui na fábrica temos um material que acaba indo para descarte, e com ele podem ser feitos balde, pás, capas de vassouras, brinquedos, uma infinidade de produtos”, afirma.
Aparecido aproveita para chamar a atenção do consumidor: “Quantas vezes você vai a uma praça de alimentação e vê lá o plástico sendo jogado no lixo orgânico? Quando ocorre essa mistura, é muito improvável que aquele lixo seja destinado corretamente para a reciclagem. O canudo está sendo colocado como um grande vilão, mas existe um problema maior que é a educação das pessoas”, afirma.
Outro ponto levantado pela recente campanha anti-canudos é a real utilidade dele. Afinal, a grande maioria das pessoas consegue beber direto no copo sem grandes problemas. O fabricante lembra, porém, que o artigo é um item de higiene e também é importante para quem tem alguma dificuldade motora. No caso de pessoas acamadas, por exemplo, os canudos flexíveis ajudam um tanto.
O gerente-geral da empresa diz que não é contra o movimento em defesa do meio ambiente e cobra que as fabricantes de canudos sejam incluídas nas discussões. “Gostaríamos de buscar uma solução em conjunto. Não adianta fazer uma lei para inglês ver, prejudicar empresas e empregos e amanhã essa lei desaparecer. De repente somos vilões”, reclama.
O fato é que as vendas caíram. Na Plastifer, o faturamento diminuiu de 15% a 20% nos últimos três meses. A empresa fabrica em média 40 toneladas de canudos por mês, o que dá impressionantes 82 milhões de unidades.
Com a nova tendência do mercado, o negócio mudou sua produção e, desde o mês passado, vem migrando para que todos os seus produtos sejam feitos com plástico biodegradável – que leva de quatro a cinco anos para se decompor na natureza, contra 450 anos do plástico comum. Mas tudo tem um custo. O canudo biodegradável pode sair até 35% mais caro que o de plástico comum e tem validade de um ano, enquanto o comum tem validade indeterminada.
Outra medida da empresa para se alinhar aos novos tempos é investir em maquinário para fabricar canudos de papel. O movimento, porém, não é simples: será preciso importar máquinas e preparar um novo espaço fabril para dar conta do novo produto, que tem um preço ainda mais salgado: 22 centavos por unidade, com cerca de 3 centavos do canudo plástico.
As mudanças, contudo, não eximem o consumidor de fazer o descarte correto dos itens, alerta Aparecido. “O canudo de papel se degrada mais rápido, mas também pode ser descartado de forma incorreta e ir parar no mar, onde poderá ser ingerido por um animal marinho.”
Com um faturamento anual de 4 milhões de reais, a Plastifer investiu 45 mil reais em estudos sobre aditivos para tornar seu produto biodegradável. Também deverá desembolsar um total de 800 mil reais para fabricar o item de papel.
A dúvida é se os estabelecimentos estarão tão dispostos a substituir o canudo de plástico quando virem que a conta do produto ecológico é mais alta. E mais: será que os clientes vão continuar a evitar os canudos em prol das tartarugas, ou estamos diante de um afã ecológico passageiro (vide sacolinhas plásticas)? O gerente-geral da Plastifer não tem as respostas, mas atesta: “precisamos arriscar”.