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Coronavírus esvazia Santuário de Aparecida e causa prejuízo na região

No maior polo de turismo religioso do Brasil, a pandemia covid-19 faz hotéis fecharem e o comércio ficar às mínguas; perdas chegam a milhões de reais

Basílica de Aparecida: missas canceladas por causa do coronavírus afetam o comércio local (Valter Campanato/Agência Brasil)

Basílica de Aparecida: missas canceladas por causa do coronavírus afetam o comércio local (Valter Campanato/Agência Brasil)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 21 de março de 2020 às 13h06.

Última atualização em 25 de março de 2020 às 19h14.

Todos os sábados, antes dos primeiros raios de sol, os romeiros devotos de Nossa Senhora Aparecida já começam a chegar à Basílica de Aparecida, na região nordeste do estado de São Paulo. Mas não nesta manhã. A suspensão das celebrações para evitar a propagação do coronavírus esvaziou o santuário católico o segundo maior do mundo, depois da Basílica de São Pedro, no Vaticano e já causa prejuízos à região.

O Santuário, conhecido como “Basílica Nova”, é o principal chamariz de Aparecida, cidade a 174 quilômetros da capital paulista. É o maior templo católico da América Latina. A igreja teve a construção iniciada em 1946 e, após décadas de obras, foi consagrada pelo Papa João Paulo II em 1980, na visita do pontífice ao Brasil. Antes do Santuário, outra igreja nas proximidades, inaugurada em 1888, abrigava a imagem da santa – o local é hoje conhecido como “Basílica Velha” e é ligado ao Santuário por uma passarela de mais de 300 metros, que faz parte da rota dos romeiros na cidade. 

A suspensão das missas foi sugerida em ação do Ministério Público e acatada pela Justiça, que alegou preocupação em evitar aglomerações. Só perto do altar principal da igreja a capacidade é de mais de 30.000 pessoas.

Sem missas e com o número de casos de coronavírus cada vez maior em outras cidades, a tendência é que o fluxo de turistas diminua cada vez mais a partir de agora. Aparecida não tem nenhum caso confirmado, mas, só no estado de São Paulo, havia mais de 390 casos do novo coronavírus até a sexta-feira, 20.

O chamado Centro de Apoio ao Romeiro, que parece mais um shopping center dentro do Santuário de Aparecida, abriga 380 lojas, mas hoje amanheceu vazio. A falta de romeiros levou os lojistas a fechar as lojas neste sábado, embora ainda não haja uma determinação oficial da administração da Basílica para a paralisação.

Conforme apurou a EXAME, um dia de lojas fechadas no final de semana pode levar o complexo de compras a um prejuízo de 3 milhões de reais. Lá, são vendidos todos os tipos de artigos religiosos, principalmente imagens de Nossa Senhora Aparecida e terços. Mas também são comercializados artigos eletrônicos e brinquedos, por exemplo.

O aluguel médio de uma loja de 9 metros quadrados é de 2.000 reais por mês, fora despesas com água e luz. "Nos últimos três dias, não vendemos nada. Será um prejuízo incalculável", afirma um lojista, que prefere não ser identificado. Ele acrescenta que o Santuário não tem respondido aos lojistas sobre como ficará a cobrança das contas.

Procurada, a administração do Santuário também não quis se manifestar sobre a situação dos comerciantes dentro de seu terreno.

Romeiros em Aparecida: prejuízo de 3 milhões de reais por fim de semana nas lojas dentro do Santuário (Nereu Jr./Fotoarena)

Efeitos colaterais

Fora do Santuário, o pesadelo continua para outra classe de comerciantes, os ambulantes que atuam na feira livre nos arredores da Basílica. A Prefeitura de Aparecida determinou a suspensão das atividades da feira por pelo menos 30 dias, também visando evitar aglomerações. A paralisação começou neste fim de semana.

Vinícius Costa, de 39 anos, é um dos mais de 2.000 ambulantes trabalhando no local. “Todo o meu sustento vem da feira”, diz Costa. O empreendedor tem licença de duas barracas no espaço. “Quem puder vai ter de recorrer a dinheiro guardado, mas vai ter muita gente que vai passar necessidade.”

Cada barraca pode faturar entre 5.000 e 10.000 reais por mês, ou mais, a depender do produto vendido e da época. No ano, são mais de 200 milhões de reais movimentados na economia de Aparecida. Com a feira fechada, a cidade deixará de movimentar pelo menos 10 milhões de reais neste mês.

Procurada por EXAME, a prefeitura de Aparecida se recusou a dar informações sobre a economia do município e os efeitos esperados por conta da paralisação das atividades da Basílica. O secretário de Indústria e Comércio, Marcelo Monteiro Gonçalves, informou por meio de sua secretaria que não teria tempo para responder os contatos por telefone e e-mail. Segundo um alto membro da administração da cidade que pediu para não ter seu nome citado, a gestão ainda não tem nenhum plano para ajudar os comerciantes e demais trabalhadores que dependem do santuário católico. 

Os ambulantes de Aparecida retratam uma das facetas mais cruéis da crise gerada pelo novo coronavírus. Sem a circulação de pessoas, pequenos e médios empreendedores que dependem de setores como comércio e turismo perdem, de uma hora para outra, sua fonte de receita. A situação é pior para trabalhadores informais, como no caso das milhares de pessoas que tiram seu sustento da feira livre aparecidense.

A feira de Aparecida se consolidou há mais de 50 anos nos arredores do Santuário de Aparecida e se tornou ela própria parte das atrações da cidade. As barracas se espalham pela rua todos os finais de semana, com produtos de todos os tipos. Há desde itens religiosos, como bíblias e imagens de santos da Igreja Católica, a lembrancinhas de Aparecida. É possível encontrar de tudo, até mesmo peças de roupas, DVDs de filmes do Oscar ou itens de tecnologia. Muitos itens custam menos de 10 ou 5 reais.

A feira é reflexo direto de uma cidade que há mais de um século se voltou para o turismo religioso e se apoia economicamente nos romeiros que vêm de todo o Brasil. Com mais de 36.000 habitantes, a cidade de Aparecida chega a reunir mais de 12 milhões de fiéis por ano. Os romeiros são parte essencial do Produto Interno Bruto do município, que é de cerca de 1,1 bilhão de reais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísica (IBGE). Na cidade, a média salarial oficial registrada pelo IBGE é de 1,9 salário mínimo.

Logo que soube que as vendas iriam parar, o vendedor Admilson Resende, de 37 anos, teve de ir ao banco renegociar as contas. “Vou pagar juros altos e nem tenho certeza se vou ter dinheiro no pagamento da primeira parcela”, diz o empreendedor, que fatura cerca de 5.000 reais por mês em sua banca vendendo itens como chaveiros, canivete, facas e brinquedos. Resende trabalha com a esposa e dois funcionários.

A Associação da Comissão Independente do Comércio Ambulante de Aparecida calcula que o número de comerciantes é maior que 2.000 pessoas na feira, incluindo os que atuam sem licença. “São milhares de famílias que dependem da feira para viver”, diz o presidente da associação, João Agostinho Alves Neto, conhecido como João Major. 

João Major, que é mineiro, tem 67 anos e trabalha na feira de Aparecida há 56. Sua família inteira trabalha no espaço. “É uma tragédia mundial, não é só do Brasil. O que podemos fazer?”, diz sobre a paralisação forçada pelo coronavírus. Ele diz estar tentando negociar com a Prefeitura e o governo do Estado de São Paulo uma saída ou auxílio financeiro para os feirantes. 

Comércio e fé

A ordem de fechar a feira veio na segunda-feira, 16, mas, antes disso, o movimento já havia caído no fim de semana anterior – na ocasião, o Brasil registrava pouco mais de 100 casos de coronavírus, ante os mais de 1.000 atualmente.

A última missa do Santuário foi celebrada no sábado, 14, por volta do meio-dia. Depois, a administração anunciou que não haveria mais celebrações na igreja, apenas visitas livres. De uma hora para outra, a cidade esvaziou naquela manhã, contam os ambulantes ouvidos pela EXAME. “Já começou todo mundo a sair da igreja e perguntar se a feira ia abrir no dia seguinte, porque não ia ter missa. E os romeiros começando a ir embora”, lembra Costa.

A comerciante Vanessa Silva, 36 anos, trabalha na feira livre desde os 10 anos, e hoje gerencia uma barraca ao lado do marido, Marcos Aurélio Silva, que tem 38 anos e está na feira desde os 15. Toda a família dela depende do turismo e do comércio em Aparecida: a mãe e os irmãos também são donos de barracas na feira, enquanto os filhos do casal trabalham tanto na feira quanto em outros comércios da região. “Não é que o coronavírus vai nos impactar, ele já impactou. Até a galeria onde a minha filha trabalha corre o risco de parar, e aí como vão ficar os empregos?”, diz Marcos. Na banca, eles vendem imagens de santos, quadros, terços e lembrancinhas para os romeiros. O casal diz que, com as vendas na feira paradas, não vai conseguir pagar os fornecedores.

Produtos na feira livre de Aparecida: mais de 10 milhões de reais movimentados por mês (Vanessa Silva/Arquivo Pessoal)

O impacto da falta de turistas deve atingir em cheio toda a cidade. Em Aparecida, além da feira livre, hotéis, restaurantes e todo o varejo local estão ligados ao turismo religioso.

A empresária Ivonete Angélico Leão, sócia do Hotel Santelmo, afirma que a hotelaria na cidade tem ocupação de 80% a 90% o ano inteiro, com pico em datas como o Dia de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro, além de férias e fim de ano. Leão projeta ocupação quase zero nos hotéis da cidade neste fim de semana.

Segundo a empresária, o Santelmo decretou férias coletivas para 70% de seus 20 funcionários e suspendeu temporariamente as operações. Sete hotéis já paralisaram temporariamente as operações na cidade.

Assim como Aparecida, outro polo de turismo católico da região, a Canção Nova, na cidade de Cachoeira Paulista, a 210 quilômetros da capital, também suspendeu as missas nesta sexta-feira. Embora menor do que o Santuário de Aparecida, a comunidade, fundada em 1978, recebe mais de 500.000 visitantes por ano.

A reação em cadeia de uma paralisação de semanas – ou meses – sem vendas pode impactar não somente o município, mas todos os setores dependentes do turismo na região. Muitos trabalhadores e fornecedores dos comerciantes de Aparecida e Canção Nova são de cidades vizinhas da região do Vale do Paraíba, como Lorena, Roseira, Potim, Guaratinguetá, Pindamonhangaba e Taubaté.

A história de Nossa Senhora Aparecida na Igreja Católica prega que a imagem em terracota foi encontrada por um grupo de pescadores no Rio Paraíba em 1717. Na ocasião, passaria pela então vila de Guaratinguetá o governante da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, Dom Pedro de Almeida, conde de Assumar. Ao tentar pescar peixes para receber o conde, os pescadores encontraram a imagem. Depois, mesmo fora de temporada de pescaria, jogaram novamente a rede e a encontraram cheia de peixes. A partir daí, cresceu a devoção à santa, declarada pelo Vaticano como padroeira do Brasil e que deu nome ao que seria a futura cidade de Aparecida – até 1929, a localidade era um distrito de Guaratinguetá.

Os comerciantes do município esperam que, tal como no milagre que deu origem à cidade, a rede volte cheia de peixes mesmo em um mar vazio. “É tudo muito triste. Mas não somos só nós que estamos sofrendo, é no mundo inteiro”, diz Costa. “Agora é ajoelhar e rezar para Nossa Senhora.”

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