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Presidente mundial da Fiat diz que objetivo é alcançar os mesmos resultados da Toyota

Em entrevista a EXAME, Sergio Marchionne diz que a montadora japonesa é hoje a melhor do setor e que seu objetivo é reduzir a distância dela para a Fiat

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Apontado como responsável pela espantosa recuperação da Fiat observada desde 2004, o presidente mundial da montadora italiana, Sergio Marchionne, diz que seu principal objetivo nos próximos anos é reduzir a distância que existe hoje entre a empresa e a japonesa Toyota. Em entrevista exclusiva a EXAME, ele também afirmou que no mundo atual é preciso agir muito rápido. Um bom exemplo disso, afirma ele, foi o desenvolvimento do modelo Fiat Cinquecento em apenas 21 meses, um prazo considerado inicialmente impossível por muito dos engenheiros da empresa. Veja abaixo a íntegra da entrevista:

EXAME - Quando você chegou na Fiat, que tipo de empresa encontrou? Quais eram suas prioridades de "resgate"?

Sergio Marchionne - Encontrei uma organização estruturada. Existia uma posição de comando muito clara e todo mundo sabia quem era seu chefe, o que ajudou bastante. O único problema é que essa estrutura era concebida para lidar com questões relativas a comando e controle e, não com o mercado. Parecia um exército que não sabia quem era o inimigo.

Naquele momento, a única coisa que eu podia fazer era desmontar esse exército. Demitimos cerca de 300 funcionários e fizemos algumas intervenções no Brasil e na América Latina. Era preciso fazer uma limpeza na casa. Por isso, quando cheguei na empresa, dormia pouquíssimas horas por noite.

EXAME - E dá para dormir numa situação dessas?

Marchionne - Não... (risos). Tínhamos que parar o sangramento. Não dava para falar de futuro se não estancássemos o sangramento. A relação que a Fiat tinha com a General Motors estava chocando os europeus, como também impactando negativamente na Fiat. Em um desses acordos, por exemplo, a Fiat brasileira tinha que transferir a propriedade de bens ou direitos (ativos reais) para a GM e acabava ficando sem mercado. Em fevereiro de 2005, conseguimos nos livrar desses acordos e começamos um processo de reconstrução do grupo. Horizontalizamos a organização e fizemos com que os postos de comando desaparecessem. Para mim, espalhar o controle foi uma mudança drástica. A relação entre mim e os líderes mudou. Hoje, eles têm mais liberdade na medida em que acertamos quais são os objetivos e o que precisamos fazer para executá-los. Com isso, decidimos o orçamento para o ano que vem em 20 minutos.

EXAME - Assim rápido?

Marchionne - Sim.

EXAME - Para todo o grupo?

Marchionne - Para todo o grupo. Claro que isso demandou um trabalho anterior. Mas o acerto final levou 20 minutos. Todos nós sabemos que devemos fazer mais do que fizemos antes. Não é complicado. Não é preciso ir para Harvard para saber disso. Você precisa vender mais, fazer mais do que foi feito antes. Isso é muito simples. Apenas é preciso acertar o que mais será feito. Tivemos sorte porque pegamos alguns mercados fortes explodindo, especialmente o mercado agrícola, que está indo bem na América Latina. O negócio de tratores, por exemplo, está retomando força aqui no Brasil. Encerramos as operações na Argentina e estamos reposicionando a marca e os produtos na América Latina. A área de construção na Europa também está indo bem. O único ponto negativo de tudo que vimos é o mercado americano de construção, que foi abalado pelas repercussões da crise dos créditos de alto risco (subprimes). E mesmo que as vendas venham a cair nos Estados Unidos, a Fiat se sairá melhor do que em 2007, porque tem presença geográfica que se estende além das fronteiras americanas. Seremos, portanto, capazes de compensar essas perdas com melhorias aqui na América Latina.

Além disso, nós dirigimos um negócio muito complicado. Quando você olha nossa estrutura, quando você lê nosso relatório anual, parece tudo muito fácil. Todos nossos negócios estão em compartimentos separados, têm seus números, você deve pensar "deve ser fácil de gerenciar". A organização, no entanto, é muito mais complexa. Nós começamos fazendo peças para chegar no produto final. Dessa forma, o nível de interação entre as atividades atinge um nível de complexidade e a única forma de gerenciá-la é selecionar um grupo de líderes que esteja completamente à vontade para tomar decisões, mesmo que a estrutura não seja hierárquica. A organização tem de ser capaz de se mover pelos setores.

Um bom exemplo disso é o da Fiat no Brasil, que em dois anos conseguiu crescer e ganhar dinheiro. Lá, são 35 mil pessoas convivendo como se fizessem parte de um mesmo zoológico. Isso é importante, porque é preferível reconhecer os animais amigos dentro do mesmo zoológico do que no mundo. É o que gera respeito entre as pessoas. Com isso, o grupo brasileiro ficou muito mais hábil para competir no mercado internacional. Mas, isto tem que ocorrer em todas as organizações. No total, são 215 mil pessoas espalhadas pelo mundo.

Nós teremos dois grandes desafios pela frente: Primeiro, a Fiat está se dando conta de que ser eurocêntrico é a forma errada de atuar internacionalmente. Segundo, isso levará algum tempo para mudar, porque o eurocentrismo que existe na Fiat é muito forte, principalmente, para os italianos.

EXAME - Esta era uma das minhas perguntas: vocês precisam se globalizar mais?

Marchionne - Precisamos criar uma mentalidade globalizada. A liderança deve ser globalizada e não é possível gerenciar uma multinacional a partir de uma base nacional, não vai funcionar. Dirigi multinacionais durante toda a minha vida e eu nunca tive uma concentração tão grande de pessoas de uma mesma origem dentro do grupo, são todos italianos ou pessoas que querem ser italianas. Só que o mercado brasileiro é o mercado brasileiro e o mercado latino-americano é o mercado latino-americano. Acho que isso requer uma mudança fenomenal na forma como nos vemos dentro do grupo Fiat. A organização precisa ser aberta para o resto do mundo. Temos que abrir a forma como administramos, permitindo que pessoas de origens diferentes possam vir e participar. A próxima fase do desenvolvimento da Fiat trará um amplo grau de liberdade e de oportunidade para os líderes, mesmo na América Latina, para que venham atuar dentro da caixa, tomando decisões que irão impactar a organização como um todo. Se você me perguntar que tipo de Fiat quero deixar quando eu sair, direi que a qualidade do que você faz enquanto líder depende da qualidade do que você deixa quando sai. Não que eu queira que no meu epitáfio esteja escrito que fui um grande homem. Não ligo para isso. Mas é a permanência das mudanças que você deixou que conta. Nesta mudança, nesta estrutura vejo uma mistura cultural muito maior da liderança para o grupo e vejo a Fiat realmente aberta a todos, no sentido mais ecumênico. A Fiat precisa se abrir, precisa aprender como lidar e refletir a complexidade do mundo. Por isso, nos próximos dois ou três anos, vejo a América Latina como uma das mais promissoras regiões econômicas no mundo.

EXAME - Mais que a China e a Índia, por exemplo?

Marchionne - De todos os países que posso pensar, em termos de progresso e crescimento econômico, é a América Latina.

EXAME - E por que isso?

Marchionne - Acho que houve uma mudança estrutural em fatores macroeconômicos. Tradicionalmente, a história do Brasil se divide em momentos de profunda crise financeira e otimismo incrível. Ora querem conquistar o mundo, ora são perdedores. Acho que o que está acontecendo agora, e mencionei isso ao presidente Lula, é que mudanças externas podem fazer com que o Brasil atinja um nível de destaque que ainda não foi possível. Duas coisas: uma relacionada a commodities, acho que houve uma mudança fundamental em relação ao preço, oferta e demanda. A outra é relacionada aos biocombustíveis, que causou uma mudança fundamental na oferta-demanda de produtos agrícolas. Numa análise de custo-benefício, se você considerar que a cultura da cana-de-açúcar tem sido o palco desse processo, não há nada mais viável economicamente do que a cana-de-açúcar brasileira. Então, acho que devemos ser cuidadosos e não pensar que isso seja uma coisa passageira. Precisamos planejar nosso futuro assumindo que essas mudanças vieram para ficar. E não se trata apenas de uma questão relacionada ao Brasil. Acho que as pessoas subestimam o potencial da Argentina e a seriedade de nosso comprometimento com esse país. Acreditei na Argentina no período negro. Lembro que, durante a crise, eu estava aqui e tive que viajar para lá por causa de alguns assuntos de dívida entre nós e o governo. O que eu vi foi as mesmas coisas que tiveram impacto no Brasil. As "mudanças fundamentais sistemáticas nas condições macroeconômicas" também estão ocorrendo lá. Óbvio que temos uma posição e exposição muito maior no Brasil do que na Argentina. Mas, o envolvimento é o mesmo. Achei as palavras do Presidente Lula muito confortantes. Dado o tamanho e a predominância do país, ele tem que usar esse poder e esse tamanho hoje. E nós temos que fazer a mesma coisa. Esses países são tão grandes que podem de fato interferir em outros países da América Latina. A Argentina é o clássico caso onde precisamos entrar e dar assistência ao processo de transição daquele país para uma situação muito melhor do que a que existe hoje. Acho que negligenciamos a Argentina por um período muito longo. Agora, temos condições econômicas favoráveis no agribusiness e a Argentina vai criar uma mudança permanente. Precisamos estar lá, assisti-los nessa transição e acho que o Brasil pode nos ajudar nisso. Iremos perder uma grande oportunidade se não estivermos lá. Não quero perder. Então, estarei lá.

EXAME - Você disse para a revista Fortune que quando lida com um assunto como esse, você precisa ter posicionamentos não ortodoxos. O que quer dizer com isso?

Marchionne - Eu sou muito pouco tradicional. Eu dirijo uma organização muito informal. Sou muito mais rápido que os processos tradicionais. Eu só me importo com uma coisa: reconheço que a sobrevivência dessa organização depende de quão bem os líderes administrem esse negócio diariamente. Então, passo a maior parte do tempo, não necessariamente debruçado sobre questões da indústria, mas selecionando os líderes certos. Esse, para mim, é o ponto mais importante. No fim do dia, suas escolhas em relação a líderes terão conseqüências. Há um ditado que diz que se você faz uma má escolha, você tem um grande negócio e uma administração ineficiente, logo, você terá um negócio ineficiente. Mas se você tem um negócio ineficiente e uma excelente administração, o negócio sairá vencedor. Não sei se isso é necessariamente verdadeiro. Acho que o setor automobilístico é um setor muito difícil, no qual a maioria das pessoas normalmente não investe. Mas acho que é um negócio em que se você colocar os líderes certos você obterá excelente resultados. Estamos tentando construir algo nesse sentido.

EXAME - Como foi lidar com tantos anos de perdas?

Marchionne - Perdemos todo o capital investido entre 1993 e 2004. E tudo o que nos restava era dinheiro novo. A formação original do capital, de 108 anos atrás, foi totalmente destruída. O nível de devastação que isso pode causar quando não se administra bem um negócio pode te destruir. Na época, havia 165 mil pessoas trabalhando no grupo e elas perderam completamente a fé no sistema. Ouviram muitas vezes que não iriam conseguir.

EXAME - Como passaram a acreditar?

Marchionne - O que fiz foi traçar um plano que nos levaria a 2007, e quando lancei o plano em julho de 2004 ninguém acreditava. Mas eu acreditava. Acreditava que iríamos encontrar os líderes certos e as condições de mercado para transformar o plano em realidade. Nunca desviei dos objetivos. Falamos sobre o modo não ortodoxo de administrar um negócio, mas, por mais não ortodoxo que eu seja, por mais não convencional, por mais informal, sou muito rigoroso e disciplinado no que faço. Nunca me afasto das prioridades, sempre sei a ordem das peças. Para nós, a questão envolvendo a GM foi resolvida antes de voltarmos e consertarmos o negócio. Nunca tentamos fazer uma coisa antes da outra. Temos sido muito seqüenciais em relação ao plano de fazer as coisas. Esta casa hoje cumpre o que promete. Executar é a chave. Fazemos nosso dever de casa. Trabalhamos duro. Mas a velocidade com que trabalhamos talvez não tenha precedentes. Decidimos lançar o Fiat Cinquecento, que foi feito em apenas 21 meses. Quando você pára para pensar nisso é quase impossível fazer uma plataforma para construir um carro dessa qualidade em apenas 21 meses. A empresa funciona nesta velocidade, tudo funciona nesta velocidade.

EXAME - Você pede a seu pessoal para ser breve nas apresentações? Eles têm um tempo limite?

Marchionne - Não. Eles sabem o limite. hÁ pessoas que chegam com apresentações de 120 slides, e você sabe que ninguém vai prestar atenção. Por isso, a forma de se lidar com isso é: se você vai me apresentar 120 slides, vou achar erro em cada e com isso estará desperdiçando meu tempo. Para dizer a mesma coisa, você precisa apenas de 10 slides e, não, de 120. Escolha as coisas importantes para me dizer. Eu acreditarei que você fez todo o trabalho necessário para chegar no resultado. Mas me diga apenas as conclusões às quais chegou. A vida é muito curta e o mundo gira muito rápido.

EXAME - Quais as vantagens e desvantagens de ser um outsider?

Marchionne - Posso fazer perguntas estúpidas. É uma grande benção. Você chega a uma reunião, não é um engenheiro, e as pessoas te dizem que você não pode fazer isso. Então você olha e pergunta: por que não é possível fazer isso? A primeira vez que você faz isso e olha na expressão dos rostos, é incrível. Se eu dissesse para alguém em 2004 que faríamos um carro em 18 meses teriam me jogado para fora da sala. Hoje, ninguém questiona. Hoje as pessoas perguntam como podemos fazer em menos tempo. Se você nasceu no negócio, se cresceu no negócio, você não faz perguntas estúpidas, porque você assume que as respostas são sempre as mesmas, certo?

EXAME - Você frequentemente menciona a Apple e a Toyota como exemplos. Em que empresas você se inspira?

Marchionne - Presto atenção em todas. Não tenho vergonha de roubar idéias de outras pessoas. A razão pela qual mencionei Apple é porque Apple é o exemplo clássico. A tecnologia da Apple é o que é: um software para PC. Mas se você olhar para o modo como se expandiram a partir daquela base para, por exemplo, o iPod e o iPhone, e forma com que esses produtos se combinam, são congruentes, refletem um conjunto de valores que vai além do design, é um estilo de vida. Não tenho visto nada que tenho durado tanto tempo. Que tenha sido absolutamente consistente com uma mensagem. A questão é design, simplicidade. A embalagem que fazem. É a perfeição da execução de uma idéia.. Eu uso um Apple Mac, tenho ele aqui, viajo para qualquer lugar. A empresa não utiliza. A empresa utiliza uma plataforma Windows. Mas escolhi usar outra coisa. Acho que o Cinquecento para nós é a coisa mais próxima da Apple, porque representa um conjunto de valores que remonta há 50 anos e foi todo modernizado. O carro é o equivalente ao iPod. Você precisa aprender com esse pessoal. Se você olha a forma como fazem propaganda, como se apresentam, tudo é parte de uma imagem, de um conceito, ao qual têm sido absolutamente fiéis. Isso é algo que a Fiat precisa aprender a fazer. Minha esperança é que pelo menos a marca Fiat possa se tornar o equivalente da Apple. Nós não somos os maiores por definição. Não queremos ser os maiores.

Se acontecerem erros vou me levantar e enfrentar o problema. A credibilidade da marca é muito mais importante. O problema não é cometer erros, mas a forma como consertar. O importante é ir ajustando o posicionamento. Uma vez que está decidido, está decidido. Mas temos a flexibilidade de voltar e consertar. Mas você deve ser muito rápido. Insisto em dizer para as pessoas que precisamos nos movimentar rapidamente. Temos objetivos para 2010. E o objetivo é chegar lá mais rápido do que planejamos. Tivemos uma conversa bem longa com o Conselho Executivo para acelerar isso. Esta é uma grande companhia e precisamos protegê-la.

Devemos reconhecer que a Toyota tem um bom posicionamento e não há nada de errado em reconhecer quando nosso concorrente é melhor. Tendo dito isso, você deve olhar para si para fechar os buracos. Acho que o que fizemos na Fiat agora, em todos os setores de operação, é para assegurar que estamos no caminho certo, na filosofia de manufatura que nos dará os mesmos resultados que a Toyota já alcançou. Espero que tenhamos todos os nossos planos em 2009 em uma posição bastante avançada. Os benefícios dessa absurda obsessão com o desperdício, desperdício de tempo, de material se torne parte da cultura. Isso é algo muito difícil. O plano que temos é um plano de extensão. Quando você estica é muito difícil ser eficiente, não há como se mexer. É necessário criar as condições para permitir espaço suficiente na organização para tentar alcançar toda eficiência que podemos. Gosto de organizações que definem padrões de performance, que definem um espaço específico, este é o melhor que se pode ser no que você faz.

EXAME - E no que a Fiat será melhor?

Marchionne - Estabelecemos publicamente que queremos que todos os nossos setores sejam os melhores, os melhores no que fazem: caminhões, agricultura, construção, carros. Somos produtores de carros de massa. E como produtores de massa temos que elevar nossos padrões de eficiência no mesmo nível dos melhores produtores e o melhor produtor hoje é a Toyota. Reconhecemos a relevância desses objetivos e vamos trabalhar muito para eliminar a distância entre eles e nós. Não se trata de mágica. Quero poder olhar para essa organização daqui a cinco anos e dizer que todos os negócios dos quais ela participa estão entre os melhores de seus setores. E isso seria uma coisa excelente. Chegar lá é o maior objetivo.

Não me incomodo de roubar, é um roubo permitido, não é ilegal. Basicamente, tentar usar o tempo para redesenhar o sistema porque o mercado internacional se tornou absolutamente fluente e eficiente. Não há vantagem competitiva que consiga bater a concorrência pelos próximos dez anos. Não faz sentido. Em 24 meses, alguém irá descobrir como você fez e melhorar. Por isso volto à questão da escolha de líderes. Os líderes que escolhemos e o que eles fazem em campo irá determinar o futuro desta casa, porque estão tomando decisões hoje que terão impacto na performance dos próximos quatro anos. Então, se eu fizer escolhas erradas, Belini [presidente da Fiat no Brasil] não terá um bom desempenho. Vamos pagar o preço, não necessariamente nos próximos 24 meses, mas em 2010. É por isso que me dedico tanto tempo à questão da liderança. Em dois ou três anos, teremos um grupo de 200 ou 300 pessoas que terá a responsabilidade de gerenciar o grupo no mundo. E serão os melhores e muitos deles virão de dentro, porque o talento está aqui, de verdade. Tem muito talento aqui.

EXAME - Em relação ao futuro da empresa, qual sua principal preocupação agora?

Marchionne - Minha principal preocupação é que não estamos livres de um desastre econômico de algum mercado que possa causar uma desaceleração da economia global. Os Estados Unidos estão excluídos, na minha visão. Mas, o resto do mundo não. Minha maior preocupação é que se não tivermos ferramentas para impedir o progresso de um acidente, teremos que redimensionar todas as atividades e acho que isso terá um grande impacto na organização, porque estamos em uma trilha global. O grupo Fiat como um todo teve um crescimento de 17%, o que significa um grande aumento em relação à 2006 e estamos esperando crescimento na casa de dois dígitos no próximo ano. Não quero que esse panorama de crescimento seja estragado. Mas não vejo nenhuma das regiões sendo a causa de um problema. Eu me sinto muito confortável, mesmo na Europa, onde não havia uma projeção de crescimento para 2007.

EXAME - Alguma ameaça interna?

Marchionne - Tenho uma lista de fraquezas e problemas que provavelmente encheria esta mesa. A questão é quanto disso faz parte da gerência normal do negócio. Não há nada que tenha relevância do ponto de vista estratégico, nada que irá mudar minha visão sobre o futuro. Não tem havido nenhuma fraqueza fundamental na estrutura que vai afetar o futuro da Fiat.

EXAME - Você cumpre sua palavra diariamente?

Marchionne - Eu nunca deixei de fazê-la. Sou CEO desde 1996 e nunca deixei de cumprir o que prometi. Isso me mantém acordado por noites, porque levo muito à sério o que eu faço. Não estou aqui para fazer falsas promessas. A confiabilidade de uma organização depende da medida com que ela consegue cumprir suas promessas. É preciso manter. Se você diz para as pessoas que vai para a esquerda, você tem de ir para a esquerda.

EXAME - E no mercado de capitais?

Marchionne - No mercado de capitais, tenho uma coisa a meu favor: eu nunca os decepcionei. Se digo que vou fazer uma coisa, eu faço.

EXAME - Todo mundo na indústria está voltado para a questão do green car. O que Fiat está fazendo sobre isso? Como será a indústria no mundo em duas ou três décadas?

Marchionne - Acho que esse tema ambiental ao qual chamamos de green car se tornará um tema global, ou seja, em dez ou 20 anos não continuaremos a produzir com o mesmo nível de impacto no meio ambiente. Fiat já se comprometeu que, por volta do ano de 2012, terá cotas de emissões, especialmente de CO2. A Fiat terá o nível mais baixo de emissões de CO2 que qualquer outra fábrica de carro européia. Então, nosso compromisso com máquinas e tecnologias é alcançar essa meta. Precisamos abordar esse problema de um ponto de vista de múltiplas tecnologias, não existe apenas uma solução. Nós somos os grandes produtores de veículos de gás natural na Europa e temos mais 50% do mercado. Acho que devemos continuar a desenvolver tecnologias que irão continuar a diminuir as emissões na velocidade da luz. Esse é um compromisso que temos de fazer, assim como todos os outros fabricantes de carros. As pessoas que serão bem sucedidas são aquelas capazes de conseguir isso mais rápido e de modo mais eficiente. A Fiat está muito engajada nesse sentido. A consciência do impacto ambiental passará ser o fator dominante das escolhas que fazemos.

EXAME - Você já tem equipes especiais que estão trabalhando nisso?

Marchionne - Estamos trabalhando nisso desde 2004 e estamos acelerando os esforços agora. Esta é uma questão de evolução, não revolução. Devemos avançar na evolução das máquinas, na tecnologia que aplicamos às maquinas. Eu aplico uma tecnologia específica a uma máquina que já existe que vai trazer reduções significativas de CO2. Então, se mantivermos esse passo chegaremos lá. Mas nada que temos garante que amanhã cedo teremos a máquina do futuro, que não queima qualquer gás. Isso não existe. O que vemos no mercado é uma análise do custo-benefício associado com híbridos que indica que não vale a pena. Um motor totalmente elétrico que anda também com combustível não reflete padrões normais de dirigibilidade, não dá para andar em estradas. A forma de associar, apenas mudar a dinâmica do combustível, você tem de ser muito cuidadoso. É por isso que acho que escolhemos aplicar uma variedade de tecnologias aos carros, cada uma das quais irá contribuir para a redução de CO2 e melhorar a eficiência. Não há uma única solução, mas uma multiplicidade delas.

EXAME - O indiano Ratan Tata [dono do grupo Tata]  não é apenas um parceiro comercial da companhia, pois está no Conselho. Que tipo de contribuição ele traz?

Marchionne - Ele é um líder internacional. E isso volta ao que disse antes, é uma questão de estar aberto ao mundo. Quero dizer, quando cheguei à Fiat, havia apenas um membro alemão no Conselho e todos os outros eram italianos. Não se pode administrar uma empresa internacional apenas com italianos. Então, Ratan Tata foi uma boa admissão. Nós precisamos internacionalizar. Logo, iremos chamar alguém da América Latina para fazer parte do Conselho. O problema é a distância. Nossas reuniões do Conselho são muito bem organizadas, então é relativamente fácil se planejar. Eu adoraria ter alguém de outra parte do mundo para nos ajudar. Ratan Tata traz a consciência de alguém que vem da Índia, mas que viveu e cresceu fora da Índia, dirigiu empresas internacionais, fez grandes coisas fora da Índia. Então, a percepção dele do que fazer em termos estratégicos é muito útil. Considero-lhe como um amigo, o que também é muito útil.

EXAME - É possível equilibrar vida pessoal e vida profissional? Quantas vezes você visita sua mulher na Suíça? Ou ouvir seus CDs de Jazz?

Marchionne - Isso posso fazer a qualquer tempo. Escuto música em meu escritório. Mas a questão da família é mais complexa. É muito difícil encontrar um equilíbrio e não sei qual é o ponto de equilíbrio. Eu não trabalho para mim, trabalho para minha família. Essas são escolhas individuais. Não há receita para isso. Falo com meus filhos por telefone, e-mail. Falo com eles sempre. Você não tem que estar fisicamente presente. Mas não perco nada que seja importante. Volto para casa com a maior freqüência possível. Mas o trabalho toma muito tempo. É muito raro ter uma noite normal, quando você volta para casa depois de um dia de trabalho para jantar, vê os filhos no café da manhã. Eu não tenho esse tipo de vida. Meus filhos não me conhecem dessa forma, porque sempre viajei pelo mundo. Então, eles sempre souberam que o papai está em algum lugar.

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