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Morte no Carrefour: supermercado tem de ser responsável por terceirizado

Em nota, o Grupo Carrefour considerou a morte “brutal” e disse que “adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos”

Carrefour: A reação da empresa a mais um caso de violência racial deveria ser mais ampla, de acordo com pesquisador (Diego Vara/Reuters)

Carrefour: A reação da empresa a mais um caso de violência racial deveria ser mais ampla, de acordo com pesquisador (Diego Vara/Reuters)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 20 de novembro de 2020 às 13h18.

Última atualização em 20 de novembro de 2020 às 16h57.

A primeira manifestação de empresas que, como o Carrefour, têm seguranças de seus estabelecimentos envolvidos em casos de agressão no trabalho costuma ser colocar a culpa na firma terceirizada que provê o serviço de vigilância. Mas as contratantes são tão responsáveis quanto as prestadoras – não apenas pelos atos desses funcionários como também pelo seu treinamento.

Para especialistas ouvidos pela EXAME, o assassinato do cliente negro João Alberto Silveira Freitas em um supermercado do grupo francês Carrefour em Porto Alegre na quinta-feira, 19, véspera do Dia da Consciência Negra, não é uma tragédia pontual: mostra a falta de políticas adequadas para reprimir casos de violência e de discriminação racial. 

“Palestra, workshop e guia de diversidade deve ser para todos os envolvidos com a empresa. Terceirizado não é um mundo à parte. Em acontecimentos como esse o que se vê é o nome da grande empresa, é a marca que a gente deposita o dinheiro e a confiança”, diz Liliane Rocha, fundadora da consultoria de diversidade Gestão Kairós. “É preciso que as empresas cobrem seus fornecedores e ajudem a fazer censo demográfico, educação para os funcionários, ampliar o percentual de mulheres, negros e LGBTI+ na liderança, trabalhar segurança emocional e física de todos”, diz ela. 

Além de olhar para toda a cadeia de valor é essencial que a diversidade seja considerada no mapeamento dos riscos. "Poucas empresas fazem um trabalho preventivo com mapas de riscos. Essa é uma situação possível de prever ao fazer bons planos de ação para que isto não ocorresse jamais, afinal atos que atentam contra a vida são os de maior impacto", diz Amanda Aragão, consultora sênior da Mais Diversidade. "Diversidade e inclusão precisa ser de fato um valor nos negócios que não seja colocada a prova."

Freitas, de 40 anos, foi espancado e morto por dois homens brancos no estacionamento do supermercado após supostamente se desentender com uma funcionária. Informações preliminares apontam que os agressores foram um segurança e um policial militar temporário e a Polícia Civil do Estado investiga o crime. Em nota, o Grupo Carrefour considerou a morte “brutal” e disse que “adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos”. Afirmou também que vai romper o contrato com a empresa responsável pelos seguranças e que o funcionário que estava no comando da loja durante o crime “será desligado”. O grupo disse ainda que a loja será fechada em respeito à vítima e que dará o “suporte necessário” à família da vítima. (Confira a nota na íntegra ao final desta matéria.) 

A reação da empresa a mais um caso de violência racial deveria ser mais ampla, de acordo com Felipe Freitas, professor e pesquisador do Núcleo de Justiça Racial da FGV-SP. "As instituições fazem o que esperam que seja o politicamente correto, mas não se mostram dispostas a mudar culturas institucionais", diz. "Essas mudanças exigem que se construa instâncias de diversificação dos quadros, como o que aconteceu no Magazine Luiza." A varejista criou um programa de trainee voltado apenas para negros e proposta recebeu críticas nas redes sociais. O Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo concluiu que o caso não se trata de violação trabalhista, mas de uma ação afirmativa de reparação histórica.

“Infelizmente é mais um de nós que a família tem que ir até o IML reconhecer um corpo ceifado com brutal violência. Isso demonstra a dimensão do racismo estrutural da nossa cidade. É simbólico que na mesma semana que elegemos cinco jovens negros na câmara da cidade, temos que estar aqui”, disse Laura Sito, jornalista eleita vereadora em Porto Alegre, em frente ao Carrefour. Como forma de repúdio ao caso, grupos promovem um ato na frente da loja em Porto Alegre, além de ações em outras cidades, como uma Marcha da Consciência Negra na Avenida Paulista, em São Paulo, seguida de um protesto em frente ao Carrefour.

Treinamentos para seguranças

A formação de seguranças pelas empresas também é falha. "Objetivamente, os treinamentos não criam protocolos para que esses casos não aconteçam", diz Freitas. De acordo com ele, todas as grandes redes de supermercado ou varejo têm câmeras de vigilância para apurar roubos ou outros crimes, então o contato dos seguranças com eventuais suspeitos deveria ser pontual, apenas no caso de evidências de algum crime, mas as abordagens acabam sendo agressivas.

Nesse caso, em que houve desentendimento entre a vítima e os funcionários do supermercado, a atuação dos seguranças deveria ser apenas de afastar a vítima do local. "Qualquer coisa que passe disso é uma atitude abusiva. Para mim, é um caso clássico de violência racial", diz. "É necessário que se discuta, em redes de supermercados onde esses casos reiteradamente acontecem, qual a orientação que é dada para esses seguranças, pois vemos que há um padrão que estimula a violência racial", afirma Freitas.

Mesmo que exista um conteúdo de igualdade racial em programas de treinamento para os funcionários, muitas vezes as orientações passadas no dia a dia aos seguranças continuam tendo viés racial, afirma o pesquisador. "O treinamento pode ser politicamente correto, mas o cotidiano acaba estimulando a violência racial", diz o pesquisador, que já participou de programas de formação para seguranças em shoppings ou outros centros de compras.

Casos de violência

De acordo com o delegado Leandro Bodoia, plantonista da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa em Porto Alegre, teria havido um desentendimento entre a vítima e funcionários. Testemunhas disseram que João Alberto fez “gestos agressivos” dentro do supermercado enquanto passava as compras pelo caixa. 

Segundo Bodoia, câmeras de segurança mostraram o homem desferindo um soco no segurança. Nesse momento teriam começado as agressões. Além do segurança do Carrefour, um policial militar temporário que estaria no local como cliente também participou do crime. Quando a esposa, que havia continuado no mercado para finalizar as compras, de João Alberto saiu do supermercado em direção ao estacionamento, viu a cena. Uma ambulância do Samu foi ao local e tentou reanimá-lo, mas ele não resistiu às agressões. Os suspeitos foram presos em flagrante.

Esse não é o único caso de violência e agressão em grandes supermercados. Em um supermercado da bandeira Extra, do grupo GPA, o jovem negro Pedro Gonzaga foi imobilizado e morto por um segurança no ano passado. Na época, imagens mostravam o segurança deitado sobre o jovem, que estava aparentemente desacordado. As investigações apontaram que a vítima não portava armas e não oferecia risco algum.

Em dezembro de 2018, um outro segurança do supermercado que trabalhava em uma unidade de Osasco (SP) confessou ter envenenado um cachorro e, depois, o espancou até a morte, o que levou a rede a ser condenada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) estipulou que o Carrefour deveria pagar R$ 1 milhão em razão dos maus-tratos cometidos pelo funcionário. O fato gerou grande mobilização nas redes sociais.

Também em 2018 no Carrefour, Luís Carlos Gomes foi agredido em uma loja em São Bernardo do Campo após abrir uma lata de cerveja. Gomes, teve multiplas fraturas, sequelas, e acusou o supermercado de racismo. 

Posicionamento do Carrefour

Leia a nota na íntegra:

“O Carrefour informa que adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos neste ato criminoso. Também romperá o contrato com a empresa que responde pelos seguranças que cometeram a agressão. O funcionário que estava no comando da loja no momento do incidente será desligado. Em respeito à vítima, a loja será fechada. Entraremos em contato com a família do senhor João Alberto para dar o suporte necessário.

O Carrefour lamenta profundamente o caso. Ao tomar conhecimento deste inexplicável episódio, iniciamos uma rigorosa apuração interna e, imediatamente, tomamos as providências cabíveis para que os responsáveis sejam punidos legalmente.

Para nós, nenhum tipo de violência e intolerância é admissível, e não aceitamos que situações como estas aconteçam. Estamos profundamente consternados com tudo que aconteceu e acompanharemos os desdobramentos do caso, oferecendo todo suporte para as autoridades locais”.

Acompanhe tudo sobre:CarrefourDiversidadeNegrosViolência policial

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