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Como Abilio manteve seu poder

A história que não foi contada de como Abilio Diniz negociou com o sócio francês sua autoridade incontestável no comando do Pão de Açúcar

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Há um aspecto inusitado e pouco conhecido na operação de venda de ações do Pão de Açúcar ao Casino, que colocou o quinto grupo varejista francês em condições de igualdade no controle da maior rede brasileira de supermercados. É a maneira como o empresário Abilio Diniz conseguiu preservar um poder quase ilimitado à frente da companhia -- fato raro na história dos negócios familiares brasileiros vendidos a investidores estrangeiros. Ao lado da fortuna paga pelo Casino pela participação -- 860 milhões de dólares --, esse foi o maior ganho de Abilio ao final do negócio.

Na tarefa de garantir a manutenção de seu comando na gestão do Pão de Açúcar, Abilio contou com o trunfo de seu histórico. Há 15 anos, o Pão de Açúcar, grupo criado por seu pai, Valentim, era uma operação moribunda. A liderança do mercado estava incontestavelmente nas mãos dos franceses do Carrefour. Em novembro daquele ano, em meio à crise generalizada, a família Diniz tentou vender a rede. Na ocasião, Abilio foi a Londres e contratou o banco de investimentos Morgan Grenfell. Os Diniz imaginavam que poderiam vender o Pão de Açúcar por 400 milhões de dólares. "O banco trabalhou durante quatro meses", diz Abilio. "Mas nesse período não conseguiu encontrar nem sequer quem oferecesse a metade disso." Restou à família a tentativa de reerguer o negócio, com Abilio liderando o processo. Quatro anos depois, ele assumiria o controle. "Senti na época a maior solidão empresarial da minha vida", diz ele. Hoje o valor de mercado da rede é de cerca de 2,7 bilhões de dólares.

Quanto os Diniz ganham com o negócio
O que cada membro do clã Diniz recebe com a reestruturação do grupo Pão
de Açúcar

LUCILIA DINIZ

6,1 bilhões de ações equivalentes a US$ 135 milhões

VALENTIM DOS SANTOS DINIZ

16,4 bilhões de ações equivalentes a US$ 360 milhões

ABILIO DINIZ

US$ 200 milhões em títulos conversíveis em ações do grupo Casino

12,5 bilhões de ações do grupo Pão de Açúcar avaliadas em US$
277 milhões

US$ 400 milhões a ser reinvestidos na compra de 60 imóveis
do grupo Pão de Açúcar

Fontes: empresa/consultoria Estáter

Na última tacada com os franceses do Casino, Abilio zerou o endividamento da companhia, além de premiar o pai, Valentim, e a irmã Lucilia -- acionistas minoritários sem liquidez na holding familiar -- com ações agora preferenciais, que valem cerca de 500 milhões de dólares. Aos 68 anos, Abilio também recebeu títulos do Casino em quantidade tal que, convertidos em ações, vão posicioná-lo como o quinto maior acionista do grupo francês. Com tudo isso, ele ainda fechou um acordo que lhe possibilita comandar a gestão do grupo pelo menos nos próximos dez anos -- ainda que o Casino tenha a opção de assumir, dentro de oito, o controle acionário. Por contrato, caso algo lhe aconteça nesse período, será sucedido por sua filha, Ana Maria.

"Abilio adotou um modelo evolutivo que garante a perenidade da empresa sem passar pela sucessão familiar", afirma Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e autor da série Pioneiros e Empreendedores. Fez isso num momento que o grupo coleciona resultados recordistas. E faz toda a diferença. Primeiro porque não precisou abrir mão de toda a sua participação. Depois, porque os números o credenciam como um bom administrador. As vendas do Pão de Açúcar foram de 15,3 bilhões de reais no ano passado. O lucro líquido atingiu 370 milhões. Trata-se de uma situação bem diferente da sucedida com muitas empresas nacionais -- Metal Leve, Cofap e Aços Villares, para ficar em alguns exemplos -- que se encontravam em dificuldades e foram compelidas a negociar em condições menos favoráveis. "Abilio voltou a mostrar seu tino de estrategista que enxerga mais longe", diz Roberto Faldini, coordenador do curso de governança corpora tiva para herdeiros na Fundação Dom Cabral e ex-sócio da Metal Leve, vendida à alemã Mahle em 1986. "Sua decisão de selar um negócio no melhor momento do grupo é um alerta para os empresários brasileiros, que não conseguem identificar isso." Há outro fato que explica o momento oportuno. Trata-se, de acordo com Débora Bretthauer, analista-chefe de varejo do banco Santander, da necessidade de enfrentar o crescimento da americana Wal-Mart no Brasil. "O endividamento estava limitando a velocidade dos investimentos do Pão de Açúcar", afirma. "Agora ficou em melhores condições para brigar com um concorrente tão grande." Junto com o anúncio do acordo com o Casino, na quarta-feira 4 de maio, o Pão de Açúcar revelou um programa de expansão de 2,5 bilhões de reais que prevê a abertura de 160 lojas e a criação de 30 000 postos de trabalho nos próximos quatro anos.

As negociações de aumento de participação do Casino no Pão de Açúcar e de compartilhamento do controle vêm acontecendo desde meados de 2003. De um lado estava o próprio Abilio. De outro, o empresário Jean Charles Naouri, controlador e presidente da rede francesa. Os interesses convergiam. Após afastar a possibilidade de sucessão familiar, Abilio queria diversificar seu patrimônio pessoal e encontrar maneiras de garantir a perenidade do Pão de Açúcar. Naouri já tinha uma participação de 25% na rede brasileira e vem aumentando gradativamente sua presença internacional. O negócio, porém, só deslanchou em janeiro do ano passado, com a movimentação de equipes de executivos e advogados dos dois lados. "Na ocasião eu disse a Naouri que, no futuro, poderia até ceder capital, mas não a gestão, a não ser que me faltasse capacidade física para tocar a empresa", diz Abilio. Segundo ele, a resposta do interlocutor teria sido a seguinte: "A última coisa que eu quero é que você deixe a companhia. Vamos em frente". Os passos seguintes, porém, não foram tão fáceis. Nos documentos elaborados pelos franceses, a interferência do Casino na gestão do Pão de Açúcar era muito maior do que Abilio havia inicialmente imaginado. Os sócios queriam, por exemplo, compartilhar a escolha de um novo presidente executivo, as regras de funcionamento dos comitês de gestão e do conselho de administração. "Aquilo estava me deixando profundamente angustiado e aflito", afirma Abilio. Consultado por EXAME, um dos mais conhecidos especialistas em negociações societárias disse ser perfeitamente normal que numa holding formada por dois grupos as decisões sejam conjuntas. "Entendo que governança corporativa seja algo muito complexo", diz Abilio. "Mas acredito numa regrinha muito simples dos negócios: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Muito mais do que o capital, o que importa num grupo como esse é o comando. Sem autoridade incontestável, não é possível comandar."

A vida depois da venda
O que fizeram os controladores de algumas das maiores empresas
brasileiras depois de fusões ou vendas
EmpresaAmbevBompreçoCofapMetal Leve
O que aconteceu com a empresaApós uma negociação complexa, que envolveu a transferência
de ações entre os grupos, a Ambev e a belga Interbrew juntaram-se em 2004
O Bompreço e a holandesa Royal Ahold juntaram-se em 1996
quatro anos depois, a Royal Ahold comprou o que faltava do negócio
A italiana Magneti Marelli, do grupo Fiat, e a Mahle compraram
a Cofap em junho de 1997, por estimados 200 milhões de dólares
4Um grupo formado pela alemã Mahle, pelo Bradesco e pela
Cofap comprou a Metal Leve em junho de 1996, por 300 milhões de dólares
O que aconteceu com os controladoresMarcel Telles, Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira
compartilharam a gestão da nova empresa com três clãs da Interbrew
João Carlos Paes Mendonça passou a deter ações do grupo Ahold,
mas deixou o Bompreço
Abraham Kasinski deixou a empresa em menos de um mês e, tempos
depois, fundou uma montadora de motocicletas
Os mais de 20 sócios, herdeiros de cinco ramos de fundadores,
deixaram a empresa no dia seguinte ao acordo

Durante as negociações, o controlador do Pão de Açúcar se convencera de que os assessores de Naouri tentavam enfraquecer seu poder no curso das negociações. "Em certos momentos, eles estavam avançando na proposta e queriam ter ingerência na gestão", diz Pércio Santos, presidente da consultoria Estáter, representante de Abilio no processo. Seria ingenuidade supor que esses assessores agissem sem prévio conhecimento de Naouri. Aos 55 anos, ele cevou fama como um dos mais astutos representantes da nova geração de financistas franceses. Entre 1982 e 1986, Naouri dirigiu o gabinete de Pierre Bérégovoy, então ministro das Finanças no governo do socialista François Mitterrand. Nesse período, foi celebrizado como um dos impulsionadores da reforma liberal que modernizou o sistema financeiro francês. De seus tempos no governo pendeu uma suspeita. Foi envolvido no escândalo de vazamento e uso de informações privilegiadas depois da privatização do banco Société Generale. O processo se arrastou por 14 anos na Justiça francesa. Naouri foi inocentado.

Encerrado o mandato no governo francês, Naouri foi contratado para trabalhar ao lado do banqueiro David de Rothschild, ao mesmo tempo que permaneceu à frente do fundo de investimentos Euris. Em menos de uma década, acumulou cerca de 2 bilhões de dólares no mercado financeiro. Naouri habituou-se a negociar participações em empresas de origens familiares. Foi assim com os herdeiros da Moulinex, fabricante de eletrodomésticos. Em 1991, negociou com o empresário Antoine Guichard, chefe do clã controlador do Casino, uma participação de 30%. Seis anos mais tarde, tornou-se acionista majoritário, após defender o grupo do assédio do rival Promodes. O empresário é um tipo introvertido, leitor contumaz de Platão no original grego. Quando nasceu o filho de seu segundo ca samento, foi trabalhar normalmente. Sua equipe só foi informada a respeito do pimpolho 15 dias depois do nascimento.

Era com essa figura que os Diniz deveriam negociar. No início da tarde de 21 de fevereiro passado, Abilio, acompanhado de Ana Maria, a primogênita entre seus quatro filhos, rezava numa capela nos arredores de Paris dedicada a Santa Rita de Cássia, santa de devoção do empresário e protetora das causas impossíveis. Dali seguiram para o escritório de Naouri. O encontro decisivo havia sido agendado por telefone, na véspera de uma viagem de Abilio à estação de esqui de Aspen, no Colorado. "Eu não estou me sentindo confortável", disse Abilio a Naouri. "Não vejo garantido meu direito de trabalhar do jeito que sempre trabalhei e quero saber se ainda pensamos da mesma forma sobre esse negócio." Conforme a resposta, a venda de ações ao Casino corria o risco de desandar. Segundo Ana Maria, tudo foi esclarecido em minutos. "Jean-Charles disse que só havia investido tanto dinheiro no aumento de capital porque acreditava na gestão de meu pai", diz ela. Isso não impediu que, na véspera da assinatura do contrato, ocorresse novo contratempo. Os assessores de Naouri voltaram a requisitar a influência do Casino na escolha e na demissão do presidente executivo. Mais uma vez, Abilio recusou. A questão foi contornada com a decisão de que só executivos brasileiros, escolhidos por Abilio, irão figurar na lista de candidatos.

A evolução da rede
Cifras que mostram a virada promovida pelo Pão de Açúcar
Vendas (em bilhões de dólares)
1990
2,2
2004
5,7
Lucro líquido (em milhões de dólares)
1990
-46,8
2004
139
Fontes: Melhores & Maiores/Empresa

Por que um financista como Naouri faria tantas concessões para aumentar sua participação no Pão de Açúcar? O Casino, que faturou 30 bilhões de dólares no ano passado, tem enfrentado problemas tanto na França quanto em algumas de suas operações internacionais. O grupo ainda perde dinheiro em países do Leste Europeu, como a Polônia, no México e em Taiwan. Na Holanda, sua filial Laurus vive uma guerra de preços com a rival Ahold. Na França, há forte concorrência das lojas de desconto. Naouri já tem muitos problemas. Abrir mão de um administrador experiente como Abilio Diniz neste momento só traria mais uma preocupação imediata ao Casino. "Não sou falso modesto. Conheço o varejo em qualquer parte do mundo", diz Abilio. "O que eles estão comprando é o meu passe."

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