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Brasil acorda para o turismo,;negócio que gira 8,75% do PIB mundial

O turismo produz mais divisas estrangeiras do que as indústrias petrolífera, farmacêutica ou automobilística, individualmente

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Quanto o assunto é turismo no mundo, o que está em jogo não é pouca coisa. Trata-se da oportunidade de abocanhar um naco maior de um setor que, puxado pela massificação do transporte aéreo e pela crescente oferta de infra-estrutura hoteleira ao redor do mundo, se converteu na atividade econômica número 1 do planeta. O turismo produz mais divisas estrangeiras do que as indústrias petrolífera, farmacêutica ou automobilística, individualmente. Responsável por 8,75% das receitas de exportações globais, o turismo gera 230 milhões de empregos e movimenta algo em torno de 7,5% do PIB mundial.

Há 50 anos, apenas cinco países Estados Unidos, Canadá, Itália, França e Suíça concentravam 71% dos negócios de turismo no mundo. Graças à diversificação de destinos que se deu a partir dos anos 60, os cinco primeiros colocados no ranking de 2000 Canadá e Suíça foram desalojados respectivamente pela Espanha e pela China passaram a concentrar apenas 35% do movimento global. Ou seja, nesse meio tempo, uma boa fatia do mercado restante passou a ser disputado por países considerados longínquos e exóticos. Casos, por exemplo, da Tailândia, Malásia, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, que sequer eram listados entre os maiores há 50 anos e se converteram, a partir daí, em destinos cobiçados por milhões.

Brasil dá sinais positivos

A boa notícia é que, após um longo período de hibernação, o turismo brasileiro dá sinais de que está acordando. De janeiro a maio deste ano, exatos 2 390 455 passageiros desembarcaram em vôos internacionais nos aeroportos do país, um movimento 17% maior do que o registrado em igual período de 2003. Ao longo desses três meses, os gastos dos visitantes estrangeiros atingiram 1,4 bilhão de dólares, segundo dados do Banco Central. O montante é quase 50% a mais do que os valores desembolsados nos cinco primeiros meses do ano passado.

Com isso, a balança do turismo começa a registrar superávits. Uma mudança e tanto, sobretudo se comparada aos números vexatórios de até pouco tempo atrás. Puxado pela farra de gastos decorrente da supervalorização do real nos anos 90, o déficit na conta turismo bateu em 20 bilhões de dólares entre 1995 e 2002. Nesse período, pagando à vista ou a prestação, os brasileiros gastavam 2,8 bilhões de reais a mais nas viagens ao exterior do que o investimento total feito por estrangeiros na privatização do sistema Telebrás e da Companhia Vale do Rio Doce.

Afinal, qual é o problema do Brasil que não consegue transformar em realidade as promessas do setor de turismo? "Esse é um negócio que gera empregos e atrai divisas e, como tal, precisa ter foco", diz o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, o titular da pasta criada no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para dar ao setor a atenção que reclamava há anos.

Na mudança, a Embratur, a autarquia criada há 25 anos para fomentar o setor, foi reestruturada e profissionalizada. Dirigida por Eduardo Sanovicz, ex-presidente da empresa municipal Anhembi, de São Paulo, a Embratur perdeu suas funções burocráticas e se concentra agora na tarefa de promover o destino Brasil lá fora. "Nossos modestos investimentos justificam a baixíssima penetração de turistas internacionais no Brasil", diz Mares Guia. Dados da Organização Mundial do Turismo mostram que países bem-sucedidos costumam investir em promoção internacional cerca de 2% do valor das divisas internacionais que pretendem obter. Como a meta do ministério é fechar este ano com ingressos de 4 bilhões de dólares, terá de investir em ações de venda lá fora o equivalente a 80 milhões de dólares, cerca de 240 milhões de reais.

Meta de 9 bilhões de turistas

Há poucas semanas, convidado pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, Mares Guia reuniu-se com as principais cabeças da área econômica para explicar suas metas para o turismo. O objetivo é chegar até 2007 a um fluxo de 9 milhões de turistas estrangeiros e receitas cambiais de 8 bilhões de dólares.

O custo alto de uma viagem para o Brasil pode atrapalhar. Por não ser um destino turístico de massa, as operadoras de viagem na Europa ou em qualquer outra parte não conseguem montar pacotes com preços especiais. Um inglês, por exemplo, gasta apenas 600 libras pouco mais de 1000 dólares - para passar duas semanas na Flórida, incluídas aí despesas com passagens aéreas e diárias de hotel. Para permanecer no Brasil nesse mesmo período, teria de desembolsar o triplo desse valor. "É preciso pôr o Brasil nas brochuras das operadoras de viagem", afirma Tom Nutley, presidente da Reeds Convention, empresa líder na Europa na promoção de feiras com faturamento anual de 8 bilhões de dólares.

O Brasil, efetivamente, nunca se destacou pelo brilhantismo na promoção do turismo no exterior. Pelo contrário, passou décadas divulgando a imagem de brasileiras com biquínis minúsculos na praia ou sambando no carnaval. Com isso, conseguiu atrair visitantes para as cidades litorâneas do Nordeste, mas junto com eles veio também o problema do turismo sexual e da prostituição infantil.

Para garantir o sucesso de um destino, é preciso, evidentemente, muito mais do que técnicas de convencimento. É preciso oferecer produtos e atrações que façam o estrangeiro achar que vale a pena arrumar as malas, enfrentar 10 horas de um vôo noturno, perder tempo nas filas causadas pelas habituais greves do pessoal da alfândega e, se for cidadão americano, gastar outro tanto para ser fichado na Polícia Federal.

É bem provável que aqueles que se sujeitam a esses transtornos saibam exatamente o que querem quando pegam um avião rumo ao Brasil. O que o turista quer quando visita o Brasil? Seguramente, quer muito mais do que uma simples faixa de areia branca com um mar azul do lado algo que, de resto, pode ser encontrado em várias outras partes do mundo, inclusive no Caribe, a menos horas de vôo de suas casas do que a costa brasileira.

Nichos para turistas especiais

A tendência cada vez mais é buscar lugares onde as atrações tenham identidade própria e pareçam especiais. Tome-se o exemplo dos observadores de pássaros, um tipo de turista cada vez mais freqüente no país. São, em geral, homens e mulheres de alto poder aquisitivo que deixam o conforto de suas casas nos Estados Unidos, Europa ou Japão para embrenhar na mata com binóculos na esperança de distinguir uma ave rara no alto de uma árvore. "Não basta dispor de boa acomodação em hotéis", diz Diogo Canteras, diretor no Brasil da consultoria americana especializada em turismo HVS. "É fundamental oferecer serviços especiais a quem pode pagar pelo prazer de ter uma experiência única."

É essencial ter um guia que conheça o caminho, mas sobretudo que saiba do que está falando. De preferência, um ornitólogo fluente em inglês. A Pousada Caimã, em Mato Grosso do Sul, contratou guias com PhD para assessorar seus hóspedes mais exigentes. As águas escuras do rio Negro, no Amazonas, tornaram-se ponto de encontro de outro grupo de turistas especiais. São americanos e japoneses que cruzam a linha do Equador só pelo prazer de fisgar o tucunaré amarelo. "Para o visitante, brigar com um peixe dessa categoria joga tanta adrenalina no sangue como ocorre com o jogador profissional quando disputa uma partida de pôquer", diz Ivan Bose do Amaral, consultor da HVS.

Apostar em nichos como esses pode ser um dos caminhos para o fortalecimento do turismo no país. Como são atividades mais seletivas, têm a vantagem de causar menos impacto ambiental, ter custos sociais menores e irrigar mais recursos na economia local. Não é à toa que países como a Costa Rica, a Nova Zelândia e Botsuana, no sul da África, elegeram o ecoturismo como o principal pilar de sua estratégia de desenvolvimento do setor. "Fico surpreso como os brasileiros ainda não despertaram para o potencial turístico da Amazônia", diz Andy Stein, diretor da área de financiamento e desenvolvimento de projetos do WestLBBank, em Nova York.

Há poucos meses, ele esteve em Itacaré, na Costa do Cacau, sul da Bahia, para discutir o financiamento de um resort planejado sob medida para atender uma clientela disposta a arcar com uma diária que não deverá sair por menos de 1800 reais quando estiver pronto. O projeto cerca de 40 pavilhões independentes que levam a assinatura da renomada arquiteta inglesa Anouska Hempel está sendo implantado pelo empresário português João Vaz Guedes, um dos muitos investidores europeus com projetos hoteleiros de impacto no litoral do Nordeste.

O ministro Mares Guia estima em 1,6 bilhão de dólares os recursos comprometidos por grupos privados, nacionais e estrangeiros, para a construção de infra-estrutura hoteleira em vários pontos do país. Na avaliação do ministério, há um total de 300 destinos turísticos de grande atratividade que podem ser criados no Brasil.

Há quem se sinta desanimado ante a demora da indústria de turismo brasileira em acertar o passo. De certo modo, lembra uma outra promessa, feita sob o impacto da abertura comercial no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que as exportações brasileiras voltariam a crescer. Anos se passaram sem que a promessa se cumprisse. Mudanças estruturais, como a modernização das linhas de produção e a busca de uma produtividade maior, somadas a conjunturas favoráveis, desaguaram afinal num grande aumento das vendas brasileiras lá fora. Agora, é agir para que com o turismo aconteça o mesmo, e o Brasil possa servir de exemplo de países que souberam tirar o melhor proveito de seu potencial turístico.

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