OREN TSUR, DE HARVARD: Mesmo os democratas, que sempre reclamam que Trump é incoerente ou que o que ele diz não faz sentido, entendem exatamente o que ele está dizendo / Divulgação
Isabel Seta
Publicado em 31 de janeiro de 2017 às 14h39.
Última atualização em 23 de junho de 2017 às 15h21.
Donald Trump difere dos presidentes recentes da história dos Estados Unidos não só pelas ideias fora do padrão, mas também pela estratégia de comunicação – pra lá de eficiente, por sinal. Pesquisadores de Harvard fizeram uma análise linguística das falas de cada candidato republicano durante um debate em agosto do ano passado de acordo com os testes de Flesch-Kincaid, que medem o grau de escolaridade e a facilidade de leitura. De acordo com o levantamento, Trump fala como uma criança da quarta série. Foi o candidato que ficou no nível mais baixo. EXAME Hoje conversou com Oren Tsur, um dos pesquisadores de Harvard responsável pelo trabalho, sobre a linguagem de Trump. Tsur também participou de um estudo da universidade que analisou a conta do presidente americano no Twitter.
Como foi feita a análise linguística de Trump?
Nós fizemos o teste Flesh-Kincaid para cada candidato separadamente em um debate republicano em agosto. A linguagem de Trump ficou no nível de uma criança da quarta série (pontuação mais baixa em comparação aos outros candidatos), e eu não acho que seu nível linguístico mudou desde então. Mas ele é um debatedor profissional. Eu não estou dizendo que ele seja um acadêmico disfarçado, mas chamá-lo de burro ou dizer que o jeito como ele fala é infantil também não é certo. Eu não sei se podemos dizer que a linguagem dele é sofisticada, mas há algo nela. Ela não apenas apela pelo conteúdo, mas também pela simplicidade. Eu não estou dizendo que ele faça isso conscientemente, mas, mesmo quando ele soa contraditório e incoerente, é possível entender a mensagem. Ele sempre passa a mensagem.
Vocês também fizeram uma análise da conta de Trump no Twitter. O que descobriram?
Se você fizer uma análise linguística, percebe claramente que ele usa muito mais adjetivos que qualquer outro candidato. E os adjetivos sempre vêm junto com um nome, alguns repetidos tantas vezes que você pode até reconhecer como “lying Ted” (Ted mentiroso) ou “lightweight Jeb” (Jeb desimportante). Ele também faz isso para coisas boas, como “beautiful Ivanka” (linda Ivanka), ele faz isso para todo mundo. Outra coisa que é perceptível é como ele constrói suas frases e o uso das estruturas mais frequentes da língua. Eu não diria que a linguagem dele é completamente agramatical, mas é muito diferente do que a das outras pessoas. Eu não sei se é isso que faz dele mais atraente.
O que mais o senhor pode dizer sobre a linguagem do Trump no Twitter?
O uso de letras em caixa alta e pontos de exclamação. Ele faz isso muito e é muito óbvio e superficial, mas eu diria que tem um apelo linguístico. Outra coisa interessante foi um levantamento de um jornal que mostrou que há uma diferença clara nos tweets dependendo da hora do dia e do dispositivo que tweetou. Se você compara os tweets que vêm de um iPhone e os que vêm de um Android, utilizado pelo Trump, o estilo é completamente diferente. Eu ainda não chequei esses dados, mas é muito interessante. Em comparação aos outros candidatos ele também tem muito mais seguidores e gente que retuita o que ele diz. Ele usa “eu” muito mais que os outros candidatos, mas não muito mais do que Bernie Sanders. Mas ele usa a palavra “me” (mim) mais que o dobro dos outros candidatos. Outra coisa é que ele agradece, diz “obrigado”, muito mais que os outros candidatos, provavelmente porque ele usa o Twitter como canal para falar com aqueles que o apoiam. Ele também usa seu primeiro nome muito mais frequentemente que outros.
Quais os países que ele mais menciona no Twitter?
Fizemos essa pesquisa em meados de 2016, então é possível que tenha mudado de novo. Mas é possível ver que, por exemplo, em meados de 2013 ele falava muito da Síria e quase só dela. As menções sobre o México, elas vêm e vão, tendo um pico em 2014. Ele também falava muito do Estado Islâmico em meados de 2016. Em 2012, 2013 ele falava muito da China, muito. Em meados de 2014 também, e ele não parou completamente de falar da China, mas ele fala muito menos agora.
E a Rússia?
Em 2016, Trump falou mais da Rússia do que antes e falou um pouco mais do que outros candidatos, mas não em números expressivos. Algo interessante é que ele raramente se refere a Israel. Mas ele vai mudando. Antes a China era o grande assunto. Em 2015-2016, foi México, Irã e ISIS, mas nada em quantidades absurdas e que não fossem esperadas com a percepção do público e com o quanto a mídia fala desses lugares. O interessante é que quando ele diz algo sobre o México, por exemplo, tem muito mais repercussão, na mídia e em retweets.
Em um vídeo no YouTube há a análise de uma resposta de Trump deu em um programa, de 1 minuto com 220 palavras, e 78% dessas palavra tinham apenas uma sílaba. Isso é algo perceptível?
Ele tem dois tipos de palavras. Não é surpreendente que 78% das palavras sejam de só uma sílaba e uma quantidade significante do restante sejam palavras bem maiores, como “tremendously” (tremendamente) ou “absolutely” (absolutamente). Ele adora “tremendous” (tremendo) e “absolutely”.
O que é o mais interessante no jeito que Trump fala?
O mais incrível é que as pessoas entendem ele. Algumas frases não fazem o menor sentido gramaticalmente, mas, ainda assim, é muito claro o que ele diz. Eu acho essa dissonância fascinante. Mostra que o jeito como as pessoas falam e se comunicam não é baseado nas escolas linguísticas e nas regras gramaticais. Mesmo os democratas, que sempre reclamam que ele é incoerente ou que o que ele diz não faz sentido entendem exatamente o que ele está dizendo.