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Trump vs. o aço chinês

Keith Bradsher © 2017 New York Times News Service Hangzhou, China – A vasta indústria siderúrgica da China é um dos principais alvos de Donald Trump, mas a imensa produção mostra por que o país asiático provavelmente continuará fabricando cada vez mais aço, acirrando as tensões comerciais entre as duas nações. A usina siderúrgica de […]

TRABALHADORES DE SIDERÚRGICA CHINESA: tentar desmontar o complexo do aço pode ser demorado e custoso / Giulia Marchi/ The New York Times

TRABALHADORES DE SIDERÚRGICA CHINESA: tentar desmontar o complexo do aço pode ser demorado e custoso / Giulia Marchi/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2017 às 19h44.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.

Keith Bradsher © 2017 New York Times News Service

Hangzhou, China – A vasta indústria siderúrgica da China é um dos principais alvos de Donald Trump, mas a imensa produção mostra por que o país asiático provavelmente continuará fabricando cada vez mais aço, acirrando as tensões comerciais entre as duas nações.

A usina siderúrgica de Hangzhou – um labirinto colossal de altos-fornos, armazéns, chaminés e dormitórios de trabalhadores – foi um dos projetos favoritos de Mao Tsé-Tung. Construída em pouco mais de um ano, no final da década de 1950, já chegou a empregar 25 mil pessoas.

A poluição e a marcha do progresso transformaram a siderúrgica em um problema; porém, fechar uma usina acaba com empregos bem remunerados – e é um dos principais motivos pelos quais a China mantém fábricas produzindo aço que o mundo não precisa.

Quando as autoridades conseguem fechar uma fábrica, o gasto é elevado, como mostra a história de Hangzhou. Com a ajuda de um subsídio de US$ 34 milhões do governo, o proprietário da usina, o Hangzhou Iron and Steel Group, ofereceu aos 12 mil trabalhadores restantes altos benefícios rescisórios e pensões.

“Não tenho que acordar cedo”, disse Tang Guomin, de 49 anos, que trabalhou nos altos-fornos desde que tinha 18. Ele recebeu quase seis anos de salário da empresa como indenização e, quando fizer 50 anos daqui a poucos meses, poderá receber do governo uma aposentadoria ajustada pela inflação igual a 90 por cento de seu salário anterior para o resto da vida.

“Durmo quanto quiser e não tenho muito com que me preocupar. Sinto falta da fábrica, mas essa época não volta mais”, disse ele, enquanto comprava verduras para sua família em um mercado de rua.

Usando uma obscura lei de comércio, Trump assinou um decreto, em 20 de abril, estabelecendo uma revisão de 270 dias para determinar se a importação de aço estava prejudicando a segurança nacional. Se o Departamento de Comércio achar que sim, Trump terá até 90 dias para decidir se irá impor restrições amplas à importação.
A China é o alvo óbvio da medida, embora o efeito possa se espalhar por todo o mundo. Enquanto apenas cerca de dois por cento das importações americanas de aço saiam diretamente da China, produtores globais e especialistas da indústria culpam o país asiático por vender seu superávit para outros países, o que reduz os preços e faz com que essas nações tenham que processar ainda mais o aço em produtos de maior valor para exportar para os Estados Unidos. A administração Trump, que já deixou claro que irá ter uma postura mais agressiva em relação ao setor, sugeriu que poderia iniciar ações comerciais contra esses países também.

A China nega que venda aço em excesso para outros mercados por custos menores que os da produção, em uma jogada chamada “dumping”, mas admite que tem muitas siderúrgicas fazendo muito aço.

O que é preciso é cortar o excesso de capacidade, algo que não é nem fácil, nem barato. A siderurgia representa uma fonte confiável de postos de trabalho com salários elevados em um país onde o crescimento econômico desacelerou em comparação a anos anteriores. O aço também continua a ser uma matéria importante para o setor manufatureiro da China, o maior do mundo.

“O aço é o alimento da indústria chinesa. É uma posição-chave para o desenvolvimento e a infraestrutura do país”, disse Wang Guoqing, diretor de pesquisa do Centro Lange de Pesquisa de Informações do Aço, grupo da indústria chinesa em Pequim.

A indústria siderúrgica americana emprega cerca de 140 mil pessoas, ou menos de 0,10 por cento da força de trabalho dos EUA. As siderúrgicas chinesas, por outro lado, empregaram 4,7 milhões de trabalhadores em 2014, os últimos números oficiais divulgados, ou 0,6 por cento da força de trabalho do país. Quase 60 anos depois que Mao decidiu transformar a China em um gigante do aço, o que contribuiu para uma fome que matou milhões de pessoas, o país agora produz mais que toda a produção mundial somada.

Hoje, o setor siderúrgico chinês representa o tipo de indústria inchada, com desperdício, que pessoas dentro e fora do país dizem estar atrasando o desenvolvimento econômico. No início de 2016, a China se comprometeu a fechar siderúrgicas – mais especificamente, um décimo da sua capacidade em cerca de cinco anos. O país diminuiu sua produção em quase 60 bilhões de quilos no ano passado, e planeja acabar com mais 45 bilhões este ano, de acordo com um discurso do primeiro-ministro Li Keqiang, no início de março.
Mesmo assim, a produção continua teimosamente alta, e novas usinas continuam a ser abertas. As fábricas chinesas produziram uma quantidade recorde de aço no mês passado. O país não liberou os dados mais recentes sobre sua capacidade total de produção.

Por enquanto, as exportações da China estão encolhendo, embora não seja claro quanto tempo isso irá durar. O apetite chinês por aço melhorou nos últimos meses agora que empréstimos e gastos do governo, além de um reavivamento de suas indústrias, impulsionaram a economia e incentivaram o consumo, mas o governo já disse que quer controlar os empréstimos, preocupado que a economia possa ficar muito dependente de uma dívida que não para de crescer.

A siderúrgica e a cidade de Hangzhou representam a tentativa para afastar a economia de indústrias como a do aço. A cidade de pelo menos quatro milhões de habitantes é a terra natal do Alibaba, o gigante do comércio eletrônico chinês, e também conta com a sede da Geely, a montadora chinesa que comprou a Volvo da Ford, em 2010.

A antiga fábrica parece um pouco com um cenário pós-apocalíptico em um estúdio de Hollywood: armazéns cavernosos caindo aos pedaços, sem janelas nem portas. Esteiras transportadoras e outros equipamentos que podem ser vendidos como sucata já foram removidos, deixando tubos de concretos e paredes nuas. Inúmeros vagões pretos enferrujados foram largados ao lado de uma ferrovia.

Trabalhadores acampavam durante a noite em um edifício de concreto dilapidado de três andares, descansando após um longo dia de desmontagem dos edifícios antigos – o próximo passo para limpar o local. Mato alto, arbustos e até mesmo pequenas árvores começaram a crescer em áreas abertas, às vezes abrindo caminho pelas rachaduras em pisos de concreto.

“É bonito. Até falei sobre isso com minha esposa e meus filhos”, disse Le Rong, um operário de 42 anos envolvido no desmanche do complexo.
Um porta-voz da usina de Hangzhou preferiu não dizer o que a empresa faria com o local, mencionando que ainda não havia sido decidido, mas que encontraria um uso “inovador” para a terra. As áreas de siderúrgicas fechadas em outras prósperas cidades chinesas como Hangzhou muitas vezes foram transformadas em empreendimentos imobiliários.

Algumas usinas de aço da China são antigas, e muitas são poluentes. A renovação não é barata. Além dos US$ 34 milhões que recebeu para fechar a fábrica de Hangzhou, a usina recebeu quase US$ 106 milhões em subsídios e empréstimos do governo, em 2015, para ajudar a cobrir os custos totais da modernização.

Para muitos moradores, o encerramento das atividades da fábrica significa ar mais limpo – razão pela qual as autoridades dizem que ela foi fechada.

A mídia estatal afirma que, pouco antes de seu fechamento, a velha usina lançava 6 milhões de quilos de dióxido de enxofre no ar anualmente, uma das principais causas da chuva ácida, e quase 3 milhões de quilos de fuligem por ano.

Xu Yuemei, outra metalúrgica aposentada, disse que quando a fábrica ainda estava operando, as roupas que pendurava no varal ficavam pretas ou amareladas antes de secarem. Tang se lembra de uma neblina penetrante.

“Havia poeira no ar; você não conseguia ver as pessoas que estavam a 100 metros. Dava para sentir o cheiro sufocante de gás de amônia até que a fábrica fechou”, disse ele.

“Depois disso, tudo acabou, inclusive a poluição.”

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