DONALD TRUMP: depois de mirar a Ford e a GM, o novo presidente foi para cima da Toyota / Marc Piscotty/ Getty Images (Marc Piscotty/Getty Images)
Gian Kojikovski
Publicado em 10 de novembro de 2016 às 11h20.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h36.
“É ótimo que a campanha Trump parece finalmente ter descoberto a liberdade de imprensa”, disse em setembro John Avlon, editor-chefe do site Daily Beast. O time do então candidato a presidente havia acabado de liberar novamente as credenciais de uma série de veículos de imprensa que haviam sido banidos da cobertura de eventos públicos. Durante um ano, além do Daily Beast, repórteres do Buzzfeed, Huffington Post, Politico, Foreign Policy e vários meios outros meios foram colocados em uma lista negra. Eram veículos acusados por Donald Trump de fazer uma cobertura parcial das eleições.
Em junho deste ano, a equipe do magnata também retirou a credencial do Washington Post, um dos maiores e mais tradicionais jornais americanos. Trump chamou o jornal de “falso e desonesto”. Em resposta, o editor-executivo do Post, Martin Baron, disse que “a decisão de revogar credenciais de imprensa é nada menos que um repúdio do papel de uma imprensa livre e independente”. Esse foi um dos momentos mais tensos da corrida eleitoral para o candidato republicano.
Críticas não faltaram, e vieram dos dois lados. Dos cem maiores jornais americanos, apenas dois declararam apoio ao candidato. A cobertura foi, de fato, das mais intensas já feitas a respeito de um candidato. A rede de TV NBC apontou 117 opiniões diferentes de Trump sobre 20 assuntos diferentes, incluindo três visões contraditórias sobre o aborto. O New York Times disse que Trump é despreparado, “uma pessoa que se apoia em intolerância, gritaria e falsas promessas”. O Washington Post afirmou que “um presidente Trump seria uma ameaça para os Estados Unidos e o mundo”. A revista The Atlantic escreveu três editoriais contra o candidato, inclusive dizendo que ele é xenófobo, machista, demagogo, um “sabe-nada” e um mentiroso. A New Yorker escreveu que o empresário é “errático, intolerante, corrupto, vazio e cruel”.
Jornais também revelaram, ao longo da campanha denúncias de que Donald Trump usou leis obscuras para deixar de pagar impostos por 20 anos, além de uma fita que mostrava o candidato se gabando de atacar mulheres. Diversas reportagens apontavam para suas declarações preconceituosas e despreparadas — Trump chegou a afirmar que não gosta de ler e que não se prepararia para os debates presidenciais.
Com a eleição do ex-apresentador do reality show O Aprendiz para a Casa Branca, a relação com a mídia pode alternar entre o difícil e o explosivo. A Fox News, rede de TV historicamente alinhada com os republicanos e com uma pauta mais conservadora, publicou logo após o anúncio da vitória uma série “conselhos” sobre como o novo presidente deveria agir. Um deles diz que o empresário deveria recomeçar as relações com a imprensa. “Sabemos que Trump pode ser excessivamente sensível a uma cobertura negativa. Se ele é inteligente, resistirá aos impulsos de dizer à imprensa tudo que está em sua mente”, diz o artigo, que lembra que o político não terá trégua nem nos primeiros meses de gestão. “A maioria dos presidentes têm um período de graça antes da imprensa começar a gritar. Não vai acontecer com Trump. Não depois de ele ter demonizado toda a imprensa que o seguia”.
Em fevereiro, Trump disse que, como presidente, mudaria a lei americana de difamação para tornar mais fácil processar jornais e outros meios de comunicação. “Quando escreverem uma mentira, vamos processá-los e ganhar muito dinheiro”. Em seu discurso logo após o resultado, o empresário não citou a imprensa. Uma mudança nas leis é pouco provável. Nos Estados Unidos, veículos de comunicação só podem ser condenados se, além de provar que o fato publicado é falso, houve má-fé por parte do jornalista. Dificilmente algum juiz, sendo liberal ou conservador, vai mudar um entendimento que acompanha os americanos há séculos. A primeira emenda da Constituição americana trata exatamente da liberdade de expressão e imprensa.
Mas agir no campo legal não seria a única maneira de punir a imprensa. Com a presidência, Trump tem nas mãos uma máquina que gastou em 2013 – último ano com dados disponíveis – quase 900 milhões de dólares em publicidade, sendo 419 milhões vindos somente do Departamento de Defesa. Uma mudança na direção desse dinheiro pode causar problemas em diversos veículos, principalmente aos da internet, que receberam 56 milhões de dólares, e televisões, que ficaram com 360 milhões. Foram os que mais tiveram publicidade paga pelo governo.
Fim da influência?
Outro fato dessas eleições talvez preocupe mais a mídia do que a mudança no caminho do dinheiro do governo. Trump foi bombardeado em todas as falas racistas, xenófobas e sexistas que proferiu. Teve as contas de suas empresas escrutinizadas pela mídia e até os subterfúgios – legais, mas difíceis de engolir – que utilizou para burlar o pagamento de impostos foram tornados públicos.
Nada disso abalou a sua imagem. “A cobertura negativa sobre Trump não veio só dos veículos identificados com os democratas, mas de praticamente toda a imprensa americana”, escreveu em um artigo Pablo Boczkowski, diretor do Programa de Mídia, Tecnologia e Sociedade da Northwestern University. “Durante a segunda metade do século 20, até mesmo uma fração desta cobertura negativa teria sido suficiente para danificar seriamente as chances de um candidato presidencial, e talvez até mesmo inviabilizar a candidatura completamente. Não foi o que aconteceu agora”.
Para o professor do curso de Jornalismo da USP, Eugênio Bucci, Trump conseguiu representar uma esperança para uma parcela descontente do eleitorado. “Ele conseguiu galvanizar a identificação de eleitores que estão descontentes com o Estado. Para esses eleitores, os políticos, a Casa Branca, o Capitólio e a imprensa formam uma coisa só”, diz. “Então, a imprensa, ao expressar maciçamente o repúdio ao Trump e o apoio à Hillary, apenas confirmou para esse eleitor que ela é parte desse poder ele queria mudar, mesmo que suas notícias estivessem corretas”.
Ainda assim, Bucci não acredita que a imprensa tenha o poder de modificar as eleições apenas com o seu apoio. “A imprensa não tem essa força que as pessoas dizem que ela tem. Isso ficou claro em inúmeras eleições em diversos lugares do mundo. No Brasil, ficou muito comum dizer que a imprensa deu golpe na Dilma, a imprensa não apoiou não sei quem… A imprensa não tem esse poder, e isso é bom para a democracia, porque esse não é o papel dela”.
Trump, o “mais despreparado da história” assume no dia 20 de janeiro.