Rebeldes assistem partida: Copa injeta um pouco de vida na área devastada pela guerra (Zein Al-Rifai/Reuters)
Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2014 às 13h13.
Beirute - Na região norte da Síria, nem a guerra é capaz de impedir Abu Ibrahim de assistir às partidas do Brasil e, assim como ele, milhares de compatriotas tentam acompanhar a Copa do Mundo de qualquer jeito, desafiando os bombardeios do regime ou as ameaças jihadistas.
Na província de Raqa (norte), reduto do grupo jihadista Estado Islâmico no Iraque e Levante (EIIL), os jovens desafiaram na sexta-feira a ira dos extremistas para assistir a partida entre Espanha e Holanda.
"Membros do EIIL entraram nas cafeterias no primeiro dia da Copa e forçaram os jovens a rezar. Nos disseram que o futebol afastava nossas almas de Deus", conta à AFP, via internet, Abu Ibrahim, que utiliza um pseudônimo por razões de segurança.
"Assim, assisti a partida de sexta-feira na casa de um amigo. Estávamos tão preocupados que tivemos o cuidado de não gritar nos gols", explica.
Amor ao futebol
Fã da seleção brasileira, Abu Ibrahim é um dos poucos que se atrevem a falar com a imprensa sobre sua oposição ao EIIL.
O grupo realizou durante a semana uma ofensiva espetacular no Iraque e é acusado das mais graves atrocidades como sequestros e execuções sumárias.
"Querem que tudo seja triste e sombrio. Mas eu amo a vida, amo o futebol", afirma Ibrahim.
Ele fez piada com a goleada sofrida pela seleção espanhola (5-1) em sua página do Facebook: "A Holanda arrasou a Espanha, assim como o EIIL invadiu o Iraque".
Perto de Damasco, na região rebelde de Moadamiyat al-Sham, um voluntário em um hospital de campanha também acompanha a Copa.
"Éramos seis dentro de casa para assistir Espanha-Holanda. Mas, assim como na oposição síria, cada um defendia uma equipe", brinca Anas, em referência aos opositores do regime sírio, profundamente divididos.
Moadamiyat al-Sham era um reduto rebelde, mas após um longo cerco assinou uma trégua com o regime.
Desde o início do Mundial, os jardins que eram cenários de combates estão ocupados agora por telões para exibir as partidas, injetando um pouco de vida na região devastada pela guerra.
O milagre do cerco
Na província de Idleb (noroeste), que está em grande parte sob controle dos rebeldes e é bombardeada diariamente pelo exército, Ibrahim al-Idlebi veste o uniforme da Espanha e bebe mate, enquanto assiste a partida.
"Fazemos tudo para esquecer o cerco, os bombardeios e a morte", explica à AFP, também via internet.
Ibrahim admite que ficou triste com a derrota da Espanha. "Mas é um esporte e quando a partida acabou, retornei a minhas tarefas", afirmou.
No mesmo campo de Yarmuk, cercado pelo exército e onde mais de 100 pessoas morreram de fome desde o último verão, as pessoas também desejam integrar o mundo do futebol.
"O milagre do cerco: venham assistir a partida Inglaterra-Itália gratuitamente no centro da juventude de Yarmuk. Eu vou!", escreveu um morador do campo no Facebook no sábado.
Nas áreas rebeldes da província de Latakia (noroeste), as pessoas se amontoam diante das pequenas TVs dos refúgios.
"As pessoas se sentem mais seguras quando assistem as partidas nos porões. Há de tudo, crianças, jovens, rebeldes", afirma Omar el-Jeblawi.
Mas do lado de fora a guerra, que já provocou 162.000 mortes, prossegue e alguns não conseguem pensar na Copa.
"Sempre assistia futebol antes da revolução. Mas agora não tenho tempo", disse Adam al-Khaled, morador da região de Damasco.