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Qual o fôlego da onda nacionalista?

A saída britânica da União Europeia vai provocar iniciativas semelhantes de outros países do bloco? Não necessariamente. O nacionalismo de fato ganha força continente afora, mas o susto e suas consequências negativas podem servir de desestímulo aos impulsos nacionalistas e até mesmo prejudicar os partidos extremistas em ascensão. Foi o que disseram a EXAME Hoje […]

MARINE LE PEN: “a França possivelmente tem mil razões a mais para querer sair da UE do que os ingleses”  / / Getty Images (Pascal Le Segretain/Getty Images)

MARINE LE PEN: “a França possivelmente tem mil razões a mais para querer sair da UE do que os ingleses” / / Getty Images (Pascal Le Segretain/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 29 de junho de 2016 às 12h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h15.

A saída britânica da União Europeia vai provocar iniciativas semelhantes de outros países do bloco? Não necessariamente. O nacionalismo de fato ganha força continente afora, mas o susto e suas consequências negativas podem servir de desestímulo aos impulsos nacionalistas e até mesmo prejudicar os partidos extremistas em ascensão. Foi o que disseram a EXAME Hoje analistas políticos na Espanha, Alemanha, França e Itália.

O resultado das eleições de domingo na Espanha apontam nessa direção. Fernando Caballero, professor de ciência política da Universidade Carlos 3.º, de Madri Caballero observa que “nenhuma pesquisa de opinião antecipou os resultados eleitorais”. Todas as pesquisas previam mais votos para partidos emergentes, como Podemos e Cidadãos. O Podemos perdeu mais de 1 milhão de votos em relação às eleições de dezembro de 2015, quando obtivera 6 milhões. “Uma das hipóteses para explicar o desajuste entre as pesquisas e os resultados é que o plebiscito celebrado três dias antes gerou uma situação econômica negativa no Reino Unido e na União Europeia.”

Com isso, diz o analista, criou-se um ambiente na opinião pública de que “é preciso saber em quem se vota para não lamentar resultados inesperados”. Esse ambiente favoreceu os tradicionais Partido Popular e Partido Socialista Operário Espanhol, os mais votados nas eleições.

Entretanto, diz ele, uma eventual saída da Escócia do Reino Unido pode servir de inspiração para movimentos separatistas no país. “A saída da Escócia do Reino Unido permitiria aos independentistas catalãos argumentar que se pode estar na Europa sem necessidade de pertencer à Espanha”. Esse cenário “estimularia outras ‘comunidades históricas’ espanholas, como o País Basco e a Galícia, a empreender seu processo de separação. Geraria um problema tanto na Espanha como na União Europeia”.

Pascal Boniface, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, de Paris, tem uma análise semelhante do “efeito rebote”, digamos assim, do resultado do plebiscito. “Acho que as dificuldades encontradas pelo Reino Unido e o remorso já manifestos, inclusive entre partidários da Brexit, vão acalmar as vontades secessionistas”, estima Boniface. “Não haverá efeito dominó porque a Brexit vai se mostrar contrária não só ao interesse da União Europeia. O Reino Unido também vai sofrer.”

Já Paolo Magri, diretor do Instituto para os Estudos de Política Internacional, de Milão, reconhece que o plebiscito “dá inegavelmente fôlego a todos os movimentos eurocéticos de diversas naturezas nos vários países europeus”. Para esses partidos, diz ele, “representa uma confirmação de que a Europa goza de uma imagem ruim e de que o processo de integração não é irreversível, mas que, ao contrário, pode-se abandonar o clube”.

O pesquisador italiano pondera, no entanto, que “é um pouco cedo para avaliar o impacto definitivo e saber se se traduzirá em maior sucesso eleitoral” para esses partidos. “As consequências do voto sobre a solidez da economia inglesa e, mais amplamente, sobre as perspectivas econômicas da Grã-Bretanha, podem assustar e dissuadir muitos eleitores do desejo de abandonar a Europa.”

Ele adverte, no entanto, que “o único modo de bloquear os nacionalismos e o euroceticismo é uma Europa que saiba dar respostas aos verdadeiros problemas das pessoas, como imigração e desemprego, e para isso é preciso coragem, ideias e líderes, bem escassos nesta Europa perdida e confusa”.

Europeus até a medula?

Na Alemanha, o partido nacionalista que tira mais proveito dessa onda é o Alternativa para a Alemanha (AfD). O cientista político alemão Nikolaus Werz, da Universidade de Rostock, observa que o AfD, ou pelo menos sua principal líder, Frauke Petry, não é abertamente anti-UE. “As declarações dela foram bastante cautelosas, eles nem sequer pediram um plebiscito nesse caso específico”, explica Werz. “Até agora, a Alemanha tem tirado bom proveito da UE. O principal conflito para os seguidores do AfD é a imigração de regiões que não pertencem à UE.”

Na Inglaterra, a saída da UE foi apoiada maciçamente por trabalhadores de menor instrução e pelos mais velhos. Na Alemanha, segundo Werz, as classes mais baixas são mais eurocéticas, mas não necessariamente os mais velhos. “Depois da 2.ª Guerra Mundial, a maioria da população se tornou pró-europeia”, lembra o cientista político. “Então a Europa tem muitos partidários entre as pessoas que viveram os efeitos da guerra. Essa é uma diferença histórica importante em relação à Inglaterra.”

Os alemães do Leste tendem a ser mais eurocéticos do que os do Oeste. “Eles desejavam ter o marco alemão, e a moeda desapareceu”, recorda Werz. Rostock, onde ele vive, na costa do Mar Báltico, foi o principal porto marítimo da Alemanha Oriental, e é uma cidade industrial. “Ser eurocético não significa necessariamente ser de direita”, explica o professor. “Muitos eleitores social-democratas nos países escandinavos, por exemplo, votaram contra a UE em referendos.”

Levantamento do Eurobarômetro, patrocinado pela Comissão Europeia, indica que a ligação dos europeus com seu país, região e cidade é bem mais forte do que com a UE. Na última pesquisa, feita em setembro de 2015 com 28.000 cidadãos europeus dos 28 países do bloco, o vínculo com o país foi apontado por 90% dos entrevistados; com a região e a cidade, por 88%, e com a UE, por 51%. Esse índice representou um aumento de 6 pontos porcentuais sobre a pesquisa realizada um ano antes. De todos os entrevistados, 55% consideraram a participação no bloco “uma coisa boa”. No auge da crise de 2011, esse índice havia chegado a 47%.

Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Ipsos entre março e abril deste ano, mostra que a maioria dos italianos (58%) e dos franceses (55%) acham que seus países deveriam realizar plebiscitos sobre a permanência ou saída do bloco. Em nenhum deles, no entanto, a saída venceria o plebiscito. A Itália é a que chega mais perto, com 48%. Na França, 41% votariam pela “Frexit”.

Primavera patriótica

Bom, mas isso foi antes da votação do dia 23 no Reino Unido. Muita coisa pode ter mudado de lá para cá — numa ou noutra direção —, a começar pelos próprios britânicos. No Eurobarômetro, 51% dos britânicos disseram que, “levando tudo em consideração, seu país se beneficiou de ser membro da UE”; 36%, que não se beneficiou e 13%, que não sabiam (ver infográfico). Esses índices oscilaram nos meses que precederam o plebiscito, mas em geral o voto pela permanência se manteve acima. Até que, na hora H, 52% dos britânicos chutaram o balde.

Os partidos nacionalistas europeus estão garimpando duro nessa mina. Seis dias antes do plebiscito, 2.000 militantes de nove países se reuniram na pequena Vösendorf, vilarejo de 6.744 almas a 10 km de Viena. Uma das cidades mais ricas da Áustria, para onde recentemente se transferiu a Wanzl, maior fabricante de carrinhos de supermercado do mundo, Vösendorf é o lugar perfeito para a celebração da festa nacionalista.

Chamada de Primavera Patriótica, essa espécie de Woodstock de direita reuniu a fina flor dos xenófobos e populistas, no país onde por muito pouco a corrente não teve a sua primeira grande vitória. Na eleição presidencial de maio, Norbert Hofer, do nacionalista Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), obteve 49,7% dos votos, contra 50,3% para Alexander Van der Bellen, do Partido Verde. Simbolicamente, Van der Bellen é filho de pai russo e mãe estoniana, refugiados do stalinismo. Encorajado, Hofer vai se candidatar a chanceler (chefe de governo) em 2018.

No encontro, o líder do FPÖ, Hans-Christian Strache, acusou a chanceler alemã, Angela Merkel, de causar “dano irreparável” à Europa ao abrir as fronteiras do país para a entrada de centenas de milhares de refugiados.

O objetivo da Primavera Patriótica foi aumentar a cooperação entre os movimentos nacionalistas europeus — quase um paradoxo, já que eles são anti-europeus, mas o mesmo ideal os une. Tanto assim que, depois da vitória da Brexit, a francesa Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, trocou a foto de seu perfil no Twitter pela bandeira da Inglaterra — contra a qual a França lutou tantas guerras. “Queremos que os povos da Europa recuperem sua liberdade”, discursou Marine no encontro. “A França possivelmente tem mil razões a mais para querer sair da UE do que os ingleses.”

Em seguida à divulgação do resultado do plebiscito, Marine, que segundo as pesquisas deve chegar ao segundo turno da eleição presidencial francesa no ano que vem, voltou a pedir a realização de uma votação igual na França. Nas eleições regionais de dezembro, a Frente Nacional obteve 27% dos votos, mas não venceu em nenhuma região. Geert Wilders, do Partido Holandês pela Liberdade, também reivindicou um plebiscito, assim como Nikolaos Michaloliakos, líder do partido neonazista grego Aurora Dourada.

“Estamos agora esperando por uma ‘Swexit’”, pediu o partido Democratas Suecos, em sua conta do Twitter. “Parabéns ao povo da Grã-Bretanha por escolher a independência.” A porta-voz do Partido do Povo Dinamarquês (DPP), Kenneth Kristensen Berth, declarou: “Esses burocratas europeus têm evitado qualquer confronto com a oposição popular maciça ao projeto”. Mas, embora conte com apoio do DPP no Parlamento, o primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, de centro-direita, já disse que não haverá plebiscito.

Na Itália, o Movimento Cinco Estrelas (M5S), que elegeu este mês os prefeitos de Roma e de Turim, e que em 2013 obteve 25% dos votos, não chega a defender uma saída da UE. No blog do fundador do movimento, Beppe Grillo, que rejeita o rótulo de direita ou esquerda, foi publicada a mensagem: “A saída do Reino Unido demonstra o fracasso das políticas de austeridade, o egotismo dos Estados-membros. Queremos uma Europa que seja uma ‘comunidade’ e não uma união de bancos e lobbies”.

“Não creio que haverá efeitos diretos do plebiscito sobre o eleitorado italiano”, afirma Renato Mannheimer, diretor do instituto de pesquisas de opinião Ispo e professor de sociologia na Universidade de Milão. Além disso, Mannheim ressalta que o M5S não é tão eurocético quanto a Lega Nord, partido separatista do norte da Itália, sem representatividade nacional. “As posições são flutuantes. Em geral, na Itália, o euroceticismo cresce, mas até agora não se transformou em intenções de voto para os partidos mais eurocéticos. Mais do que uma saída total da Europa, os italianos parecem desejar uma transformação da UE.”

Os eleitores europeus estarão atentos agora às consequências, para os britânicos, de sua intempestiva decisão. Se eles se derem bem, outros certamente tentarão segui-los. Mas, para que haja outros plebiscitos, será preciso ou que os partidos nacionalistas vençam as eleições em seus respectivos países, ou que haja uma descomunal pressão popular. Porque os governantes do continente também estão aprendendo com os ingleses, e todos concluíram que David Cameron cometeu um grande erro ao convocar esse plebiscito.

(Lourival Sant’Anna)

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