Exame Logo

O jogo está só começando

O mercado de energias alternativas envolve cada vez mais empresas no país e deve movimentar quase 1,8 bilhão de reais em 2010

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h26.

Uma série de idas e vindas marcou a estréia da Telefônica no novo e crescente mercado brasileiro de energia de fontes alternativas. Antes de registrar sua primeira compra, em março de 2003, a companhia passou um ano inteiro apenas estudando como fazer a operação dar certo. Às voltas com uma legislação nova e um mercado na época inexistente, a operadora chegou a contratar uma consultoria para ajudá-la na empreitada. No primeiro ano da nova operação, os percalços continuaram. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu que as empresas não poderiam arrendar usinas para ter acesso a energias alternativas. Por isso, em novembro de 2003, a Telefônica precisou cancelar o contrato que possuía com uma pequena central hidrelétrica (PCH) em Pesqueiro, no interior do Paraná, e buscar outro fornecedor. Aos poucos, porém, a empresa foi aprendendo a aproveitar as oportunidades do novo cenário. Hoje, mais de um quarto do consumo de energia da Telefônica vem de usinas movidas a bagaço de cana-de-açúcar e PCHs. A mudança diminuiu em cerca de 15% a conta de eletricidade de suas centrais telefônicas -- o equivalente a 6 milhões de reais por ano. "Pagamos o preço de sermos pioneiros, mas a decisão valeu a pena", diz Alexandre Gomes da Silva, gerente de engenharia da Telefônica.

Embora ainda incipiente, esse mercado de energias alternativas -- PCHs, biomassa e energias eólica e solar -- vem crescendo no país. Hoje, além da Telefônica, outras 203 companhias já participam como compradoras no chamado mercado livre de energia brasileiro. O avanço até agora se deve a um incentivo que o mercado livre passou a oferecer ao consumidor especial -- uma empresa ou unidade dela, que contrata pelo menos 500 quilowatts por mês. Trata-se de um desconto que varia de 50% a 100% nas tarifas de transporte da energia de fontes alternativas. Podem entrar nesse jogo empresas que consomem a partir de 500 quilowatts médios por mês, equivalentes a cerca de 75 000 reais. Graças aos subsídios do governo, esses contratos são até 20% mais baratos do que os tradicionais. Atualmente, o consumo de energias alternativas representa apenas 3,3% do total negociado no mercado livre -- algo em torno de 620 milhões de reais (o restante é contratado sobretudo das grandes hidrelétricas). A partir de janeiro de 2008, porém, uma série de mudanças na legislação deve fazer com que o consumo de energia dessas fontes aumente. A principal delas é que será permitido somar o consumo de várias unidades de uma mesma empresa. Um banco, por exemplo, poderá somar o consumo de suas agências para alcançar a meta de 500 quilowatts e se habilitar como comprador. O mesmo vale para redes varejistas, que poderão avaliar conjuntamente o gasto de suas lojas. Com isso, especialistas estimam que o número de clientes poderá triplicar o valor das compras de energias alternativas para 1,8 bilhão de reais até 2010. "O mercado realmente vai começar agora", diz Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (ABCE).

Veja também

Os incentivos no mercado livre representam uma das mais ousadas iniciativas do governo brasileiro para aumentar a participação de fontes alternativas na matriz energética do país. Outro passo é o Proinfa, programa ligado ao Ministério de Minas e Energia que garante a compra pela Eletrobrás, por 20 anos, da energia gerada em 144 projetos selecionados de energia eólica, biomassa e PCHs. Graças a esses dois esforços, as usinas de biomassa -- boa parte delas de bagaço de cana -- entraram para o mapa da matriz elétrica brasileira, com cerca de 3% da capacidade instalada do país. "Apenas a energia elétrica gerada de bagaço de cana pode decuplicar até 2012", diz Jorge Trinkenreich, diretor da PSR Consultoria, do Rio de Janeiro. "Nesse caso, essa fonte representará o equivalente a 6% da capacidade atual de geração do Brasil."

A perspectiva das novas regras já resultou em novos planos de investimento por parte das empresas. Na Oi, maior empresa de telecomunicações do país, a participação das energias incentivadas deverá crescer dos atuais 18% de demanda contratada para 36% até 2010. Para isso, serão investidos 4 milhões de reais na instalação de medidores do consumo elétrico em cada central telefônica. "Assim vamos conseguir incluir unidades menores, que até agora não atingiam o nível de consumo mínimo para entrar no mercado livre", diz Eduardo Michalski, diretor de suprimentos da Oi. O mesmo acontece com a rede de supermercados Pão de Açúcar. A participação das fontes alternativas na demanda energética mais que dobrou nos últimos dois anos e hoje representa 10% de seu consumo total de energia. "Há planos de aumentar esse índice para 20% até o final do ano que vem", diz Claudio Vicente Barbosa, gerente de operações do grupo Pão de Açúcar. Segundo ele, a economia nas contas de energia das lojas que possuem contratos com PCHs e usinas de biomassa é superior a 10% em comparação ao que era gasto com as grandes distribuidoras.

Há, porém, algumas barreiras que podem emperrar esse crescimento. A reação das grandes concessionárias de energia, que estão perdendo parte de seus clientes, pode minar o avanço das energias incentivadas. Na tentativa de estancar a fuga de seus consumidores, algumas delas diminuíram o valor das tarifas em até 15% ao longo deste ano. A Sadia, por exemplo, obtém economia de mais de 10% em algumas unidades que deixaram o mercado tradicional e passaram a consumir energia de PCHs e de usinas de bagaço de cana. No entanto, em alguns casos ainda continua usando grandes distribuidoras -- que concederam descontos competitivos.

Custo das conexões

Existe outro nó ainda mais complicado: os custos das conexões entre as usinas de energias alternativas e os sistemas de transmissão e distribuição de energia, hoje bancados pelos próprios geradores. As conexões representam até 40% do custo de uma nova térmica movida a biomassa, segundo Celso Zanatta, gerente de vendas de energia da Crystalsev, empresa que comercializa açúcar e álcool produzidos por várias usinas do interior paulista.

A Crystalsev vende hoje 150 megawatts para cerca de 30 empresas consumidoras. A companhia planeja ampliar sua capacidade de comercialização para 650 megawatts, mas ainda avalia a idéia com cuidado, justamente por causa das dificuldades relacionadas às conexões. "Não temos capital nem competência para instalar essas linhas", afirma Zanatta. "Só vamos ampliar nossa capacidade quando houver uma regulamentação que retire das usinas a incumbência de investir em linhas que as conectem com a rede de transmissão." A expectativa dos produtores é que a Aneel permita a concessão a empresas interessadas em montar essa estrutura de condução de energia. Enquanto isso não acontece, porém, algumas usinas estão desacelerando seus planos de expansão. "As novas regras não contemplam certos detalhes que podem atrapalhar o avanço desse mercado", diz Pedrosa, da ABCE. "O governo terá de voltar a esses pontos o quanto antes para eliminar essas barreiras."

Quem é quem
Os agentes que negociam energias alternativas no mercado livre brasileiro
- Consumidor especial
Empresa que contrata ao menos 500 quilowatts por mês e, por isso, recebe desconto na tarifa de transporte da energia alternativa
- Comercializador
Companhia que ajuda o consumidor especial a contratar energia de fontes alternativas
- Gerador
São pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e usinas eólicas e de biomassa que fornecem energia ao consumidor especial
Acompanhe tudo sobre:[]

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mundo

Mais na Exame