Em novo referendo histórico, Irlanda decidirá sobre proibição do aborto
3 anos depois de legalizar o casamento gay via referendo, Irlanda realizará mais uma consulta. Dessa vez, decidirá se derruba restrições ao aborto
AFP
Publicado em 23 de maio de 2018 às 09h46.
Última atualização em 23 de maio de 2018 às 09h48.
Os irlandeses votarão na quinta-feira (24) em um referendo que definirá se o país acaba com uma das legislações mais restritivas da Europa contra o aborto, em um país onde a Igreja Católica perdeu influência nas últimas décadas.
Os eleitores decidirão concretamente se derrubam a proibição constitucional sobre o aborto em todos os casos e permite apenas em situações de risco para a vida da mãe.
As pesquisas mais recentes apontam a vitória dos partidários do "Sim", mas essa vantagem registrou uma queda em algumas pesquisas, e uma em cada seis pessoas se declaram indecisas.
"A profundidade dos sentimentos dos dois lados foi muito manifestada", disse à AFP professor de História Moderna da Irlanda Diarmaid Ferriter, na Universidade College Dublin.
O referendo acontece três anos após a aprovação, também por referendo, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, um verdadeiro terremoto em um país outrora fervorosamente religioso.
Ferriter destacou que, apesar do referendo de 2015 ter sido "positivo e inspirador", a campanha deste foi "muito mais visceral".
Um caso que acabou na ONU
Em 1983, a Irlanda aprovou a proibição do aborto por uma pequena margem e com uma participação um pouco acima da metade do total de eleitores.
A legislação posterior previa 14 anos de prisão para as mulheres que abortaram e acabou por levar milhares de irlandesas a viajarem para o Reino Unido, onde a interrupção da gravidez é legal, para abortar.
Em 2013, o país decidiu que as mulheres com a vida em risco pela gravidez poderiam interromper a gestação, após o escândalo provocado pela morte de Savita Halappanavar, que faleceu ao ter um aborto negado.
A ideia do novo referendo ganhou estímulo com o caso de Amanda Mellet, que foi obrigada a viajar para o Reino Unido para abortar, depois que foi detectado que o feto sofria uma anomalia mortal.
Mellet levou o caso ao comitê de direitos humanos da ONU, que decidiu que a rejeição do aborto prejudicava seus direitos.
O governo irlandês ofereceu uma indenização de 30.000 euros (35.000 dólares), mas o caso gerou apelos por mudanças na lei.
No caso de vitória da ideia de suprimir a emenda constitucional proibitiva, já existe um projeto de lei para permitir o aborto sem restrições durante as 12 primeiras semanas da gravidez e, em algumas circunstâncias, durante os primeiros seis meses.
Rebelião
A campanha se tornou áspera com a aproximação do dia do referendo. O primeiro-ministro Leo Varadkar, que apoia o "Sim", denunciou o uso de crianças com síndrome de Down em anúncios da campanha contra o aborto. Os debates na TV se transformaram em troca de ofensas e os médicos que tomaram partido foram perseguidos.
O lado que defende o "Não" denuncia uma conspiração da imprensa, de seus rivais e da maioria dos deputados e se apresenta como a opção "anti-establishment" com o slogan: "Una-se à rebelião". A decisão de Google e Facebook de parar de publicar anúncios eleitorais reforçou as suspeitas deste grupo de que tudo estaria manipulado.
A Igreja Católica optou pela discrição, certamente, segundo os analistas, para não mobilizar seus críticos e estimular o voto pró-aborto. De acordo com o censo de 2016, 78% dos 3,7 milhões de irlandeses são católicos, mas o comparecimento às missas registra queda constante.
Ferriter considera que a posição da Igreja é uma das grandes diferenças a respeito do referendo de 1983, quando teve um papel mais ativo.
"Acredito que o debate na época estava dominado por vozes mais velhas, e muitas masculinas, e obviamente a Igreja estava então em uma posição mais forte do que hoje", explica.
A socióloga Ethel Crowley, que pesquisa a Irlanda rural, acredita que o "Sim" vencerá graças aos jovens. "Acredito que a idade é um fator de maior importância que o local onde você mora. E quanto mais velho você é, mais difícil de escapar das garras do pensamento católico", explicou.