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As eleições americanas

Isabel Seta No dia 8 de novembro, os americanos escolhem seu novo presidente, numa disputa que se mostrou acirrada durante todos os dez meses de campanha. Numa das últimas pesquisas antes do pleito, a democrata Hillary Clinton aparecia com 46% das intenções de voto e o republicano Donald Trump com 45% – tecnicamente empatados no […]

VOTAÇÃO ANTECIPADA: Em alguns estados americanos, eleitores já podem registar seu voto desde o fim de setembro /  (reprodução/Reuters)

VOTAÇÃO ANTECIPADA: Em alguns estados americanos, eleitores já podem registar seu voto desde o fim de setembro / (reprodução/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de novembro de 2016 às 11h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

Isabel Seta

No dia 8 de novembro, os americanos escolhem seu novo presidente, numa disputa que se mostrou acirrada durante todos os dez meses de campanha. Numa das últimas pesquisas antes do pleito, a democrata Hillary Clinton aparecia com 46% das intenções de voto e o republicano Donald Trump com 45% – tecnicamente empatados no levantamento do Washington Post e da ABC News. 

Mas, nos Estados Unidos, o voto popular não é soberano como na maioria dos estados democráticos. Diferentemente do Brasil, onde o candidato com a maioria absoluta dos votos é eleito, os Estados Unidos têm uma eleição indireta. Ou seja, quando os americanos escolhem seu candidato nas urnas, eles estão, na verdade, votando nos membros do Colégio Eleitoral, que representam os estados americanos e, na prática, decidem as eleições. Abaixo, entenda como funciona esse processo – tão diferente do nosso.

Eleição indireta

Idealizado pelos pais fundadores (líderes políticos que assinaram a Declaração de Independência no século 18) e estabelecido na Constituição, o Colégio Eleitoral foi criado para garantir a autonomia dos estados e evitar que candidatos demagogos pudessem manipular as massas. Isso porque, no final das contas, a eleição seria decidida por uma elite selecionada a dedo.

Ao todo, o Colégio Eleitoral é composto por 538 cadeiras, e um candidato é eleito se tiver pelo menos 270 votos dos colegiados. A quantidade de colegiados para cada estado varia conforme a representação no Congresso, totalizando sempre o número de deputados na Câmara dos Representantes para aquele estado e mais dois senadores. Por esse sistema, os estados mais populosos levam vantagem, como a Califórnia, que possui 55 colegiados, e o Texas, com 38. Já Delaware, Montana e Vermont contam com apenas 3 membros no Colégio Eleitoral.

“O modelo americano é fruto da história dos Estados Unidos, que era formado por colônias governadas remotamente pelo Reino Unido. Não existia um governo central, então o colégio surge para que as colônias pudessem eleger um presidente como quisessem. Até hoje a organização das eleições é estadual”, explica Gustavo Fernandes, professor da FGV e pesquisador de sistemas eleitorais.

Para Fernandes, a ausência de um sistema centralizado e a possibilidade de cada estado organizar as eleições como bem entender produz vários problemas – alguns até difíceis para nós, brasileiros, imaginarmos, já que estamos acostumados a saber o resultado da votação poucas horas depois do fechamento das urnas. Um exemplo: os estados, e, às vezes até os condados, divergem quanto ao método de votação, que pode variar de sistemas eletrônicos a cédulas de papel preenchidas à mão e cartões perfuráveis.

“Por ser um sistema descentralizado, não há um tribunal superior de justiça eleitoral. Se você tem qualquer discrepância ou desafio, tem que ir, primeiro, para tribunais regionais, como aconteceu em 2000, na Flórida”, afirma o cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília David Fleischer.

O vencedor leva tudo

Na esmagadora maioria dos estados, o voto popular rege o voto dos colegiados. O candidato escolhido pela maioria dos eleitores, mesmo que por uma margem muito pequena, define o voto de todos os colegiados do estado. É o chamado “winner-takes-all” (o vencedor leva tudo, em tradução livre). Apenas dois estados, Maine e Nevasca, são mais rigorosos com a proporcionalidade, e dividem os votos dos colegiados de acordo com a divisão da população nas urnas.

Esse esquema no Colégio Eleitoral é o que pode gerar distorções entre a escolha popular e o resultado das eleições. Foi o que aconteceu em 2000, na Flórida, quando George W. Bush levou todos os 25 votos dos representantes do estado, apesar de só ter ganho por 537 votos populares entre quase de 6 milhões eleitores. “É um sistema desproporcional, por isso que sempre se vê na imprensa americana o mapa dividido entre estados vermelhos e azuis, porque leva em conta o que a maioria em cada estado prefere”, diz Fleischer.

Devido a esse tipo de votação, em 2000, o republicano George W. Bush venceu o democrata Al Gore mesmo sem ter conquistado a maioria dos eleitores. Bush teve 50.460.110 votos populares e Al Gore, 51.003.926, mas, no Colégio Eleitoral, o republicano conseguiu 271 votos, ante 266 do democrata.  Foi uma das quatro vezes na história americana em que o candidato com menos votos do povo conseguiu se eleger presidente.

Os “swing states”

Alguns estados são currais eleitorais dos partidos, e é onde os partidos podem contar vitória com base da tradição. Utah e Texas, por exemplo, são historicamente republicanos, enquanto Washington e Rhode Island balançam a bandeira democrata. Porém, há os “swing states”, onde não há ampla vantagem para nenhum dos partidos e qualquer resultado é possível – por isso, eles são considerados decisivos nas campanhas. Alguns exemplos são Flórida, Nevada, Ohio e Carolina do Norte.

Apesar de a lógica por trás do Colégio Eleitoral seja a de valorizar os estados, o que acaba acontecendo é que os esforços dos candidatos ficam concentrados nos swing states e os estados tradicionalmente republicanos ou democratas são ignorados. “Tirando a de Ronald Reagan, não houve vitórias republicanas recentes em Massachussets, então lá mal tem propaganda eleitoral ou debate. Estive em Harvard em julho e simplesmente não havia campanha nenhuma”, conta Gustavo Fernandes, da FGV.

As primárias

Antes de os candidatos serem apresentados oficialmente à população, eles precisam disputar internamente a vaga em seus partidos. E, se o debate é tendencioso durante a campanha oficial, é nas primárias que acontecem a as discussões mais profundas, pulverizadas por todo o país. Para quem assiste ao seriado “House of Cards”, vem na cabeça a imagem do protagonista Frank Underwood discursando em inúmeros pequenos ginásios, percorrendo os mais diferentes estados.

Não é fácil conquistar os membros do próprio partido – até pelas divisões internas que cada partido possui. E é aí que o debate se enriquece ao ficar mais concentrado em propostas e projetos políticos do que nas picuinhas e acusações. Porém, para se diferenciar, os pré-candidatos precisam tomar posições mais radicais dentro de seu próprio partido e depois suavizar o discurso nas eleições gerais. A demonstração de capacidade de se comunicar com a população também é fundamental.

Cada estado e cada partido tem um jeito de organizar as primárias, que podem ser abertas (qualquer eleitor, independente de sua filiação pode votar em um candidato, seja ele democrata ou republicano) ou fechadas (somente eleitores filiados podem votar nos pré-candidatos de seu partido).

Essas eleições funcionam de maneira similar às eleições gerais, ou seja, também são indiretas. Quando os eleitores de cada estado votam no pré-candidato de sua escolha, na verdade estão votando em delegados do partido que vão representar esses eleitores na data da Convenção Nacional, quando é formalizada a escolha do candidato à presidência. Na prática, depois das primárias já se sabe qual foi o pré-candidato escolhido, porque os delegados devem votar de acordo com o voto popular.

No partido Democrata, porém, a figura do super delegado torna essa escolha menos democrática. Os super delegados representam “a nata” do partido e incluem todos os governadores, membros do Congresso e ex-presidentes democratas, totalizando cerca de 15% do total de delegados. Seu trunfo é que eles podem votar no pré-candidato que quiserem, independentemente do voto popular. “Por conta dessa figura, é muito mais difícil ter a escolha de um ‘outsider’. No partido republicano, que tem uma forma de escolha mais ‘pura’, é mais fácil, como aconteceu com o Trump”, explica Lucas Aragão, consultor político da Arko Advice e colunista de EXAME Hoje.

Além das primárias, há ainda mais um sistema de escolha pelo candidato que disputará a presidência. Alguns estados, como Iowa e Alasca, optam pelo chamado caucus, que é um voto público. Funciona assim: cada partido reúne os apoiadores dos seus pré-candidatos em um espaço público e, depois de um debate, as pessoas escolhem publicamente seu voto.

Para além do bipartidarismo

Apesar de as eleições americanas serem dominadas pelo duopólio republicano-democrata, isso não significa que candidatos de outros partidos menores, ou mesmo candidatos independentes, não consigam entrar na disputa. Em 1912, por exemplo, Theodore Roosevelt, do então Partido Progressista, conseguiu 27,4% dos votos populares.

Este ano, um candidato independente também pode deixar sua marca. Segundo o portal FiveThirtyEight, há chances de, pela primeira vez desde 1968, um candidato fora do eixo republicano-democrata ganhar em um estado. Nas últimas pesquisas, o independente Evan McMullin chegou a alcançar 29% das intenções de voto em Utah, ante cerca de 30% para Trump. “Quem sabe não tenhamos um mapa azul no litoral, vermelho no centro e com uma cor diferente no meio, em Utah”, imagina Aragão. Apesar das exceções, uma coisa é certa: a vitória definitiva será ou vermelha ou azul. Resta esperar pelo 8 de novembro.

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