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À frente da corrida pelo impacto zero

Como algumas das maiores empresas do mundo conciliam as restrições de consumo de recursos naturais com a oportunidade de ser mais eficientes

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h26.

Um grupo cada vez maior de companhias em todo o mundo vem se empenhando para dar um choque de ecoeficiência à sua gestão. A perspectiva de escassez de água limpa, a elevação dos custos de energia não renovável e a crescente demanda da sociedade por uma atitude mais responsável criaram um novo e desafiador cenário para as empresas -- e também uma série de oportunidades de conciliar a diminuição do impacto ambiental com uma produção mais eficiente. Uma estimativa recente elaborada pela ONG inglesa The Climate Group aponta que a economia de países e empresas com programas de uso eficiente de recursos, como água e energia, pode chegar a 2,5 trilhões de dólares por ano. EXAME selecionou três casos de empresas internacionais que se tornaram referência no assunto -- embora ainda estejam distantes do chamado "impacto zero".

Roche
A obsessão pela medida
Um minucioso arsenal de metas e medidas levou a indústria farmacêutica suíça Roche a um dos mais abrangentes programas de reestruturação energética em todo o planeta. Há objetivos ambiciosos e verificados ano a ano para reduzir o consumo de diversos insumos e as emissões de gases de efeito estufa. Como resultado, enquanto as vendas anuais triplicaram de 1996 a 2006, alcançando cerca de 38 bilhões de dólares, o consumo energético manteve um ritmo menos acelerado e cresceu duas vezes. O consumo por empregado, uma das métricas mais usuais para verificar os resultados de um plano de eficiência energética numa empresa em expansão, foi reduzido em 29% em dez anos. A companhia criou até seu indicador de ecoeficiência, conhecido pela sigla em inglês EER (ou taxa de ecoeficiência), que decuplicou no mesmo período. Uma das principais rupturas no caso da Roche foi substituir o carvão por outros combustíveis renováveis em suas fábricas em cerca de 150 países a partir de 2005. Essa mudança foi fundamental para a redução de 23% de suas emissões de carbono em 2006. Na última década, a queda acumulada é de 72% -- resultado que levou a Roche a ganhar em 2007 o primeiro prêmio ambiental realizado pelo jornal britânico Financial Times.

Um dos grandes aliados da Roche para acelerar seus programas de redução de consumo de energia é um programa de incentivo à participação de funcionários com idéias inovadoras. Em 1995, a Roche criou uma competição chamada Ecompetition, em que os funcionários da empresa concorrem com idéias que possam melhorar os índices de ecoeficiência. Os vencedores ganham uma viagem de fim de semana à Suíça. Em 2004, uma equipe dos Estados Unidos foi uma das 18 vencedoras com um projeto que em três anos diminuiu o consumo de energia em 30% num laboratório da fábrica da Roche em Palo Alto, na Califórnia. Trata-se hoje de uma de suas fábricas mais avançadas nessa questão. A subsidiária americana já economizou 22 milhões de dólares ao longo dos últimos cinco anos.

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A busca pela eficiência exigiu que a Roche passasse uma espécie de pente-fino em todos os seus processos. A empresa iniciou programas de reaproveitamento de gases para a produção de energia, substituiu lâmpadas incandescentes por fluorescentes, melhorou o isolamento das paredes de seus prédios (para reduzir a necessidade de aquecimento em dias frios) e vem ampliando sua frota de carros híbridos. Movidos a gasolina ou eletricidade, os híbridos já representam 20% da frota de veículos da empresa nos Estados Unidos -- equivalente a cerca de 400 veículos. "No momento, não vemos um caminho para zerar o uso de combustíveis fósseis. Mas temos claro que esse tipo de energia durará apenas mais 40 ou 50 anos", disse a EXAME Rudolf Schwob, diretor de proteção ambiental corporativa da Roche. A empresa contrata regularmente centenas de auditores para verificar os mais de 120 prédios, entre escritórios e fábricas da companhia ao redor do mundo, para acompanhar o cumprimento das metas -- revistas e ampliadas a cada cinco anos. "Um de nossos objetivos mais ambiciosos agora, ainda em estudo, é apoiar universidades em pesquisas sobre economia de energia e fontes renováveis", diz Schwob.

Unilever
Força para a cadeia
Empresas que se propõem a reduzir o uso de água costumam centrar fogo apenas no consumo de suas linhas de produção. A anglo-holandesa Unilever, contudo, decidiu assumir uma postura mais abrangente. Nos anos 90, seus executivos concluíram que as operações fabris representavam menos de 5% do que eles chamaram de water imprint -- ou os rastros de consumo de água em toda a cadeia que precede a produção até o consumo final. A maior parte desses rastros estava associada ao cultivo de matérias-primas de seus alimentos e ao uso pelos consumidores de seus produtos de limpeza e higiene pessoal. A conclusão foi vital para que a empresa adotasse um enfoque inovador em relação ao tema. Em vez de se preocupar apenas com suas operações, a Unilever passou a desenvolver projetos que envolvessem seus fornecedores e também estimulassem os clientes a usar menos água. No caso dos produtores, a empresa começou a disseminar técnicas de irrigação por gotejamento nas lavouras de tomate, espinafre, chá e ervilhas. Na outra ponta -- a do consumo --, a abordagem também foi audaciosa. Em 2005, a Unilever decidiu que sua área de pesquisa e desenvolvimento de produtos domésticos e de cuidado pessoal precisaria reavaliar a integração dos aspectos social, econômico e ambiental no desenvolvimento de novas marcas e também na revisão de produtos existentes. Na prática, o resultado foi a criação de produtos como o detergente para lavar roupas All Small and Mighty, com dois terços a menos de água em sua composição do que seus concorrentes. Lançado inicialmente nos Estados Unidos em 2005, o detergente também possibilitou reduzir o tamanho das embalagens, que ficaram com apenas um terço das dimensões do modelo antigo. Outra investida foi a reformulação do detergente para lavar roupas Surf Excel, à venda na árida região sul da Índia. O objetivo foi fazer com que o produto gerasse menos espuma, poupando até dois baldes de água por lavagem. "A inovação foi bem recebida pelos moradores da região, que normalmente gastam mais com água do que com sabão", disse a EXAME Lettemieke Mulder, responsável por assuntos externos ambientais e de sustentabilidade da Unilever, baseado na matriz, em Londres.

Dentro de casa, a empresa também vem colhendo bons resultados. Desde 1995, a Unilever reduziu em suas fábricas mundialmente 58% de consumo de água por tonelada. Em regiões secas, muitas das unidades da Unilever perseguem a meta de zerar o despejo de efluentes líquidos nos rios, reciclando-os para uso na irrigação ou na lavagem das fábricas. Na Índia, 36 das 48 unidades da companhia já alcançaram o objetivo. A Unilever não revela quanto economiza por ano   em todo o mundo com todas as suas metas de redução de consumo de água. Alguns pequenos exemplos, porém, demonstram a dimensão dessa economia. A iniciativa em uma de suas fábricas, localizada em Caivano, no sul da Itália, por exemplo, impediu a perda de quase 20% de toda a água consumida pela unidade -- antes evaporada em torres de resfriamento. Com isso, deixou de gastar 130 000 dólares por ano.

Menos é mais
O esforço e o resultado de algumas das empresas mais avançadas do mundo em ecoeficiência
Roche
O que fez
Investiu quase 260 milhões de dólares apenas nos últimos três anos em redução de energia
Resultado
A empresa reduziu pela metade o consumo de energia por empregado em suas fábricas em mais de 150 países na última década
Unilever
O que fez
Em 1995, começou a mudar processos produtivos em suas fábricas em 100 países para a redução de consumo de água
Resultado
Desde 1995, reduziu 58% de seu consumo de água por tonelada produzida.Apenas em sua fábrica em Caivano, na Itália, passou a economizar cerca de 130 000 dólares por ano
SCA
O que fez
Desde 1999,a SCAinveste 130 milhões de dólares por ano em reciclagem e certificação de madeira em 45 fábricas de papel
Resultado
Hoje, quase metade de toda a sua produção de papéis domésticos utiliza fibra reciclada.A outra metade vem de madeira certificada

SCA
A matéria-prima 100% verde
Presente em cerca de 50 países e com faturamento de 15 bilhões de dólares em 2006, a sueca Svenska Cellulosa Aktiebolaget (SCA) foi uma das primeiras indústrias de celulose e papel a chegar ao maior patamar de ecoeficiência para o setor -- toda sua matéria-prima é reciclada ou certificada. A fibra reciclada representa quase metade dos insumos processados por suas 45 fábricas de embalagens, produtos florestais e papéis de usos diversos. A atividade acabou virando um novo negócio para a SCA, que hoje também vende material reciclado para outros clientes na Europa e faturou 586 milhões de dólares no ano passado. O restante da matéria-prima vem de madeiras certificadas. A área florestal da companhia ocupa 2,6 milhões de hectares no norte da Suécia e é certificada segundo os padrões do Conselho de Manejo Florestal (na sigla em inglês, FSC) -- o mais valorizado mundialmente tanto pelas organizações não-governamentais quanto pelas companhias que atuam no setor. Na SCA até as toras compradas de fornecedores devem seguir as regras do FSC. Nos últimos anos, a companhia também adotou procedimentos para evitar a compra de madeira ilegal ou vinda de regiões onde há violações aos direitos humanos e de indígenas. Além da área de matéria-prima, a política ambiental da companhia sueca prioriza a redução no consumo de água e de efluentes e a diminuição nas emissões de gás carbônico por meio da troca de carvão e derivados de petróleo por biocombustíveis e resíduos de madeira. Tudo isso explica por que a SCA ficou entre as dez empresas mais verdes do mundo, segundo levantamento que o jornal inglês The Independent publicou em junho deste ano.

Os primeiros passos da nova política socioambiental da SCA, na qual a empresa investe quase 130 milhões de dólares por ano, foram ensaiados ao longo dos anos 90 em reação às críticas de organizações ambientalistas sobre a falta de garantias de que a matéria-prima de suas fábricas vinha de florestas exploradas de maneira sustentável. "Resolvemos dialogar com essas entidades e nos comprometemos com o manejo responsável de nossas florestas", disse a EXAME Bjorn Lyngfelt, vice-presidente de comunicações do braço de produtos florestais da SCA. Para evitar ataques de ambientalistas, a SCA montou um sistema de verificação detalhado de seus fornecedores para rastrear a matéria-prima desde sua origem. O resultado é uma avaliação dividida em cores. A vermelha identifica o fornecedor que está fora dos padrões socioambientais. Quem apresenta respostas incompletas, mas atende a parte dos critérios, recebe a cor amarela. Finalmente, a verde é atribuída a fornecedores com sistema de rastreamento da origem da matéria-prima e certificação de sua produção com o selo do FSC ou outro similar. Esses podem vender à vontade sua produção para a SCA.

Como parte de seu programa de conservação ambiental, a SCA mantém intactos 7% das áreas de exploração de sua floresta, o que exige investimento de aproximadamente 13 milhões de dólares por ano nas compras de matéria-prima de terceiros. "Não conseguimos repassar o acréscimo de custos aos preços de nossos produtos, mas temos muitos ganhos", diz Lyngfelt. "As relações com nossos clientes são mais estáveis, mesmo quando os nossos preços sobem."

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