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Você ainda põe a mão no fogo pelo Tesouro Direto?

Diante da deterioração do cenário econômico, especialistas discutem se o risco de crédito do Tesouro Direto continua baixíssimo


	Fogo: Para economistas, risco de crédito do Tesouro Direto permanece baixo
 (Thinkstock/Ryan McVay)

Fogo: Para economistas, risco de crédito do Tesouro Direto permanece baixo (Thinkstock/Ryan McVay)

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Da Redação

Publicado em 12 de janeiro de 2016 às 14h03.

São Paulo - Uma das vantagens mais mencionadas sobre os títulos públicos, vendidos pela plataforma online Tesouro Direto, é o baixíssimo risco de crédito do investimento, isto é, a baixa probabilidade de calote do emissor dos títulos, o governo federal.

Com a deterioração do cenário econômico, no entanto, investidores têm se perguntado se ainda é certo dizer que o risco de crédito dos títulos é de fato irrelevante.

Mas, deixando de lado as especulações e reações enérgicas que andam rodando o atual governo, qual é o real risco de calote dos títulos públicos?

Para responder essa pergunta, EXAME.com conversou com especialistas que avaliaram os riscos do Tesouro Direto, considerando diferentes cenários, como um eventual impeachment, a perda do grau de investimento do país e até mesmo a hipótese de confisco dos recursos. Confira a seguir.

O governo pode emitir papel-moeda para pagar a dívida

Simão Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, com doutorado em economia pela Universidade Yale, lembra que os títulos públicos são emitidos em real, assim, em última instância, o Tesouro Nacional solicitaria ao Banco Central a emissão de papel-moeda para honrar suas dívidas.

Ele destaca que a eventual perda do grau de investimento, espécie de selo de bom pagador do governo, que tem sido amplamente comentada, refere-se à divida externa do país. “Basta observar o comunicado da [agência de classificação de risco] Standard & Poor’s, eles são bem claros em dizer que estão se referindo à dívida em moeda estrangeira”, diz Silber.

Para entender o risco dos títulos é importante compreender a distinção entre a dívida interna e externa do governo. Quando os pagamentos e recebimentos são feitos em real, a dívida é interna, e quando os fluxos financeiros ocorrem em moeda estrangeira, geralmente em dólar, a dívida é classificada como externa.

Os títulos públicos, portanto, fazem parte da dívida interna do país, já que são emitidos em reais. Ao comprar um título, portanto, o investidor está emprestando seu dinheiro ao governo e engordando o volume de sua dívida interna.

Os últimos dados divulgados pelo governo, referentes a junho, mostram que dívida pública federal está em 2,583 trilhões de reais, sendo que 95,31% correspondem às dívidas internas e apenas 4,69% referem-se às dívidas externas. Os investimentos no Tesouro Direto, que estão dentro da dívida interna, somam 18,346 bilhões de reais ou apenas 0,71% da dívida pública federal. 

Ao observar esses números, fica claro que a dívida do Tesouro Direto não é o maior problema do governo, o que sugere que, em um eventual calote, outros credores sofreriam antes. “Eu diria que o calote iria em cima do grande aplicador e não do pequeno, porque o Tesouro Direto é uma parcela irrelevante da dívida publica. O grande endividamento interno do governo está com os bancos”, diz Silber.

A maior parte da dívida pública federal é interna (Rodrigo Sanches/EXAME.com)

Deixar de pagar os investidores só agravaria a situação

Bernardo Guimarães, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV), também acredita que o risco de o governo desonrar o pagamento dos títulos públicos é bem baixo, sobretudo porque ao fazê-lo o governo agravaria sua situação fiscal. 

“Um calote teria um custo enorme para o país: o investimento direto no Brasil diminuiria, as relações comerciais se deteriorariam e o país não conseguiria crédito”, diz Guimarães, que acrescenta que um eventual calote também criaria um problema na economia interna, já que empresas detentoras de títulos seriam fortemente impactadas pelo prejuízo.

Da mesma forma, o calote prejudicaria o orçamento das famílias detentoras de títulos, mas como o número de investidores individuais é pequeno – o Tesouro Direto tem apenas 521.884 investidores pessoas físicas cadastrados – o impacto para a economia seria bem mais baixo.

Beto Veiga, advogado especialista em direito do sistema financeiro, ex-funcionário do Banco Central e doutor em economia pela Universidade de Brasília, também rechaça a possibilidade de calote. "Acho que essa hipótese está fora de questão no momento. O Brasil já teve nota de crédito bem pior e nem por isso deu calote", afirma.

O calote poderia ser sentido de outra forma

Por mais que seja improvável que o governo desonre o pagamento dos títulos públicos, o calote poderia ocorrer indiretamente.

Isso aconteceria, por exemplo, se o governo emitisse uma quantidade grande de papel-moeda para pagar suas dívidas. De maneira resumida, quando há um aumento na quantidade de dinheiro circulante, sem uma elevação correspondente na oferta de produtos, os preços são pressionados, já que a demanda aumenta sem acréscimo na oferta, e a inflação dispara.

“O calote vem por meio da inflação: o governo paga 14,25% de juro, mas a inflação chega a 20%, então quem tem o título de 14,25% terá juro real [rendimento descontada a inflação] negativo”, diz Silber.

Nesse caso, o risco não seria exatamente de crédito, mas de mercado, afinal o governo não deixaria de pagar os títulos no vencimento, mas, diante das novas condições de mercado, o título se tornaria desvantajoso. 

De todo modo, o risco de a inflação atingir um patamar muito elevado é baixo, de acordo com o professor da FEA. “A sociedade não vai aceitar uma inflação nesse nível. Com a atual inflação de 9%, todos já estão chiando”, afirma Silber.

Bernardo Guimarães, da FGV, concorda que antes de dar um calote o governo lançaria mão de outras estratégias, tal como fizeram outros países em situações de crise. “Mesmo se houver certo calote, os títulos não vão virar pó. É só olhar o histórico de crises no mundo, existem pouquíssimos casos de dívidas públicas que viraram pó”, afirma Guimarães.

Ele lembra da crise econômica da década de 80. Na ocasião, o México declarou a moratória da dívida, afetando a oferta de crédito a outros países em desenvolvimento. Para evitar o calote, países como Brasil, Argentina e Uruguai aderiram ao Plano Brady, que reestruturou suas dívidas externas substituindo-as por novas dívidas, mas com descontos.

Para Guimarães, o país tem plenas condições de evitar um calote, do ponto de vista econômico. O problema, no entanto, é a crise política. “O governo está fazendo o ajuste fiscal para voltar a crescer e tem todas as condições econômicas para isso. O calote só vai vir se o governo não conseguir ajustar as contas pela falta de apoio no Congresso”, diz.

“É só olhar o histórico de crises no mundo, existem pouquíssimos casos de dívidas públicas que viraram pó” Bernardo Guimarães, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas

E em caso de impeachment?

Se o impeachment fosse levado a cabo, as consequências seriam diferentes de acordo com o teor do impedimento.

Se a impugnação fosse motivada por irresponsabilidade fiscal, o vice-presidente Michel Temer assumiria a presidência. "Nesse caso não haveria grandes turbulências, já que o cenário é menos incerto", diz Simão Silber. Por outro lado, se o impedimento ocorresse por fraude eleitoral, então tanto Temer, quanto Dilma, poderiam cair.

Nesse caso, se o impedimento acontecesse na primeira metade do mandato, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, assumiria interinamente e uma nova eleição aconteceria em até 90 dias. Caso a cassação ocorresse na segunda metade do mandato, Cunha também assumiria, mas seria realizada uma eleição indireta, na qual votariam apenas os parlamentares.

“Se uma nova eleição ocorresse, aí haveria muita volatilidade no mercado, o câmbio dispararia e quem está aplicado em reais levaria um calote indireto, já que seu dinheiro valeria menos”, afirma Silber, professor da FEA.

Com maior incerteza, investidores estrangeiros poderiam deixar o país, reduzindo a oferta de dólares. Como a alta do dólar pressiona a inflação, o governo tenderia a elevar os juros para conter os preços. Isso aumentaria o risco de mercado dos títulos públicos, já que títulos que pagam 13% ao ano, por exemplo, sofreriam perdas caso novos títulos fossem emitidos com taxas de 20% ao ano (veja mais sobre o risco de mercado).

De qualquer forma, Simão Silber afirma que o governo ainda teria “muita lenha para queimar” antes de deixar o real chegar a uma desvalorização extrema. Para conter o avanço do dólar, o governo poderia usar suas reservas internacionais, hoje estimadas em 370 bilhões de dólares, por exemplo, ou realizar operações no mercado futuro.

Beto Veiga acha improvável que um eventual impeachment chegue a destituir Temer, culminando em novas eleições. Por isso, ele acredita que o impedimento não traria grande instabilidade.

“O impeachment só vai ocorrer se houver união política, porque depende da maioria do Congresso para ser aprovado. É um processo muito conversado e previsível. Então, os títulos já vão precificando isso e a situação pode até ficar mais estável do que a atual”, diz Veiga. 

Confisco dos recursos é extremamente improvável

Outro temor que ronda alguns investidores é um eventual confisco dos recursos pelo governo, como o que ocorreu em 1990 no governo de Fernando Collor de Mello.

Na visão de Carlos Ari Sundfeld, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a possibilidade de um novo confisco é remota. “O confisco do Collor foi uma novidade. Estourar a primeira bomba é fácil porque ninguém se prepara, mas a segunda é bem mais difícil.”

O professor diz que o Supremo Tribunal Federal não chegou a julgar a constitucionalidade do confisco realizado em 1990 porque não teve condições políticas e econômicas de fazê-lo naquele momento, mas a maior parte das ações judiciais relacionadas ao confisco julgadas posteriormente consideraram que a prática é inconstitucional. "Se o assunto voltasse, com certeza o entendimento seria esse", diz Sundfeld.

A segurança de que isso não voltará a ocorrer ficou ainda maior com a Emenda Constitucional nº32/2001, que modificou o artigo 62 da Constituição Federal, ao afirmar que é vedada a edição de medida provisória “que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”.

De todo modo, Sundfeld afirma que esse artigo impede o confisco por meio de medida provisória, mas não elimina a hipótese de sequestro dos recursos por meio da proposição de uma nova lei. Ainda assim, esse projeto de lei teria de ser submetido o Congresso Nacional e os investidores teriam tempo de resgatar seus recursos antes que ele fosse aprovado.

“O confisco do Collor foi uma novidade. Estourar a primeira bomba é mais fácil porque ninguém se prepara, mas a segunda é bem mais difícil.”Carlos Ari Sundfeld, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas

O presidente poderia ainda solicitar urgência para apreciação do projeto, mas a Câmara e o Senado teriam, sucessivamente, até 45 dias para votar e só então, se esse prazo de 90 dias se expirasse, a pauta seria obrigatoriamente trancada para que a votação fosse realizada.

Caso houvesse consenso, porém, a votação poderia ser feita antes do prazo limite de 45 dias pelas duas casas. "Quando existe um grande consenso, o Congresso aprova muito rápido, mas uma matéria dessas jamais seria feita com rapidez pois teria uma imensa resistência. E mesmo com uma oposição pequena, a minoria poderia fazer obstruções”, afirma Sundfeld.

Mesmo em uma situação excepcional, em que o Congresso fosse 100% a favor do confisco, para aprovar uma lei o projeto deve ser publicado no Diário Oficial e passar pela Câmara e pelo Senado. Assim, seria praticamente impossível criar a lei em poucos dias e sem que a população notasse.

Novamente, os investidores resgatariam seus recursos antes que o confisco pudesse se concretizar.

O governo poderia ainda fechar os bancos para impedir o resgate, mas seria preciso mantê-los fechados durante o período necessário para criar a nova lei de confisco, o que levaria algum tempo. "O governo pode fechar os bancos, mas quebraria o país se fizesse isso durante o tempo que levaria a aprovação dessa lei", diz o professor de direito da FGV.

Diversificar não faz mal a ninguém

Mesmo com diversos argumentos que indicam que o risco de crédito dos títulos públicos é baixíssimo, uma coisa é certa: nada é 100% previsível. Portanto, para reduzir os riscos ao máximo, uma boa dica é diversificar os investimentos. 

Ao distribuir os recursos em diferentes aplicações, se um caso extremo levar o governo a desonrar o pagamento dos títulos, outras aplicações podem compensar o prejuízo.

Veja, no vídeo a seguir, os diferentes tipos de risco do Tesouro Direto.

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